Desde o início, as eleições presidenciais de 1989 giraram em torno de apenas três candidatos: Fernando Collor, Leonel Brizola e Lula. Sempre nessa ordem: até a última pesquisa do Datafolha, não houve alteração na ordem dos candidatos.
Ao longo da campanha houve momentos interessantes, como quando a elite paulista, já desenganada quanto a Ulysses Guimarães mas ainda desconfiada de Collor, tentou inflar a campanha de Guilherme Afif Domingos. Mas Collor era muito mais que o “caçador de marajás” da Globo: era jovem, bonito, viril, e tinha as condições necessárias para se apresentar como a verdadeira renovação em um momento de crise na política brasileira, diante da implosão do governo Sarney.
No campo da esquerda, o grande nome ainda era Brizola, do PDT. Ainda não havia urnas eletrônicas e a apuração dos votos era lenta. Nas primeiras horas da noite de 15 de novembro, parecia que Leonel Brizola seria o escolhido pelo povo brasileiro. Pela sua trajetória, pelo seu governo controvertido no Rio de Janeiro, pelo respeito que sua figura impunha, parecia uma escolha natural.
Mas foi Lula a ir para o segundo turno.
Brizola perdeu por várias razões. Porque foi à disputa completamente isolado, esperando que a sua história o elegesse — parece incrível, mas o PT foi menos sectário e engendrou uma coalizão com o PCdoB e o PSB que se manteve até 2010. Perdeu porque não compreendeu a nova linguagem televisiva e fazia campanha como se estivesse ainda nos tempos da Rede da Legalidade. Perdeu porque a militância da Frente Brasil Popular ganhou as ruas, fazendo um trabalho de formiguinha com altruísmo e convicção verdadeira, e porque a equipe liderada por Paulo de Tarso soube fazer programas muito mais competentes na TV e no rádio.
No fundo, Brizola perdeu porque seu tempo tinha passado e o novo sempre supera o velho.
Ao perder as eleições, Brizola não hesitou em declarar seu apoio a Lula. Reclamou de ter que engolir um “sapo barbudo”, é verdade; mas em nenhum momento reclamou que Lula deveria ter renunciado porque ele, Leonel Brizola, tinha mais chances de ganhar porque não tinha uma Miriam Cordeiro em seu passado nem aparelho de som na casa da namorada, e podia alegar que a campanha da Globo contra ele seria mitigada pela sua história de antagonismo; podia até mesmo alegar que, mais moderado, não seria vítima do anticomunismo utilizado como arma de campanha, num tempo em que o PT combatia a privatização da Mafersa e ainda abrigava a Convergência Socialista. No segundo turno, Brizola não viajou para lugar desconhecido para não ter que participar da campanha do ex-adversário.
Por mais divergências que se tivesse com Brizola — e era muito fácil tê-las, pelo menos antes de ele morrer e virar quase santo —, uma coisa é inegável: ele não era apenas um dos grandes nomes da política brasileira, era antes de tudo um político de verdade e um homem com vocação para estadista.
Conhecendo a história do PDT e de Brizola, é inevitável que pareça estranho e infantil ver Ciro e seus porta-vozes reclamarem que Fernando Haddad deveria ter renunciado no segundo turno em favor do ex-governador do Ceará, baseados na lógica meio confusa de que ele não tinha tido sequer metade dos votos do candidato do PT no primeiro turno, mas ganharia de Bolsonaro. Mais ainda, jogam toda a culpa no antipetismo óbvio, mas esquecem que a atitude adotada pelos irmãos Gomes (“Lula tá preso, babaca!”) não contribuiu em nada para diminui-lo ou diminuir a desconfiança em toda a esquerda.
O mais estranho, mesmo, é a tentativa de negar ao PT o direito de tentar manter sua hegemonia, como se em algum momento da história política mundial algum partido ou grupo sério tenha feito isso. Além da lambança ética em seus governos, o PT cometeu erros grosseiros em sua campanha. Mas foi uma escolha dele. É uma lógica estranha, essa, de uma esquerda infantil que não entende mais a política e acha que liderança, nessa área, pode ser concedida, e não apenas conquistada. Se a esquerda ainda não conseguiu superar o PT e Lula, não é pedindo para eles desocuparem a moita que vão conseguir ocupar o proscênio, e sim apresentando uma alternativa, algo de que até agora não temos sido capazes.
Em 1989, Lula conquistou um lugar que até então tinha sido de Brizola porque fez política melhor. Em 2018, Ciro apenas ocupou o lugar que sempre ocupou: um político voluntarista, irregular, em cuja história podem ser computados um ministério no governo Lula e o fato de ter quebrado a indústria nacional para eleger Fernando Henrique, quando foi ministro de Itamar Franco. E culpa o PT por não ter sido capaz de ir além disso.
Como diz o Mark Lilla, em política não existe antes, só existe o depois. Cabe ao PDT e ao resto da esquerda brasileira tomarem o lugar que hoje pertence a Lula e, em menor escala, ao PT. Mas para isso é preciso apresentar uma alternativa viável, um projeto de Estado que responda às necessidades da atualidade. Não é pedindo licença que vão conseguir.