A arrogância da ignorância

Ultimamente andei pensando em algumas coisas sobre a ignorância e a burrice, esses valores eternos e ubíquos.

A burrice em si não incomoda, porque independe da vontade de cada um. Pode ser politicamente incorreto, mas não tenho nenhum problema em achar alguém um burro incorrigível. Isso não faz alguém melhor que os outros, nem a mim melhor que alguém que acho burro (por conseqüência, alguém que me ache burro tem que fazer o mesmo…). Eu mesmo faço parte desse contingente miserável em muitos aspectos — muitos mais do que gostaria. Pelos mesmos motivos, admito prontamente que há excesso de ignorância no mundo.

Mas como diz Humbert, o esteta pedófilo de Nabokov, tenho muito orgulho do pouco que sei para ser humilde pelo muito que não sei. E talvez seja por isso que o que chamo de “arrogância da ignorância” consiga me tirar do sério.

É quando a ignorância se manifesta em todo o seu esplendor sulfúrico, quando se espalha como uma metástase. Ela tem orgulho do nada que é, e não admite contradição. É o pior da humanidade, é o que atrapalha o progresso, é o orgulho pelo prato de farinha que faz desprezar sem conhecer as porções harmoniosas da nouvelle cuisine.

Setembro de 2002: conversando sobre a loucura que tinha se apropriado do mercado financeiro — dólar nas alturas, risco Brasil lá em cima, inflação ameaçando estourar. A minha interlocutora era taxativa: isso é Lula, e quando aquele comunista se eleger vai ser pior.

Tentei argumentar que aquilo era só um movimento especulativo, que era apenas o mercado aproveitando uma chance de ganhar um trocado, que àquela altura não tinha nada a ver com medo do sapo barbudo — ou melhor, que Lula era apenas o motivo encontrado, e que aquilo iria acabar assim que o resultado da eleição saísse, fosse qual fosse.

Mas a ignorância, quando se assume em sua glória, basta em si própria e não dá ouvidos a nada. E então veio a carteirada: “Eu sou economista!”.

Pensei em lembrar que era uma economista burra, mas brigar para quê? Pelo menos a história me deu razão.

São essas coisas que conseguem, às vezes, me tirar do sério. É alguém insistindo comigo que os Beatles gravaram “Asa Branca”, que Lennon foi assassinado pela CIA, que ET’s foram avistados e abduziram algum maluco, coisas desse tipo. As pessoas têm o direito de ser ignorantes; todos somos, em maior ou menor grau. Mas porque têm direito a ter anéis não quer dizer que possam tomar todo o braço: e a ignorância deve continuar calada, quieta, se o contrário implica em querer contradizer a verdade.

Não reconheço direitos humanos para a ignorância. E não há sequer SUIPA para aquela ignorância que em seus recalques se revolta contra o que acha ser “demonstrações desnecessárias de sapiência”. Primeiro porque é preciso admitir que deve haver um padrão para as coisas, e esse não é o da ignorância. Segundo porque ela geralmente está errada, e vê erudição onde há só um pouco de informação. Acontece que seus padrões são muito baixos para diferenciarem Rubem Fonseca de Kant. Esquecem como é fácil tomar equivocadamente informação por cultura. E em seu complexo de inferioridade se revoltam contra isso, porque lhes falta inteligência para distinguir as coisas.

2 thoughts on “A arrogância da ignorância

  1. Rapaz, rapaz… você vai se surpreender no dia em que provarem que os ETs realmente estão abduzindo malucos por aí – risos

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