Pensando na tal revolução

Howard Dean retirou sua candidatura ontem. É o fim da corrida para ele, o que indica que o candidato democrata quase certamente será John Kerry. Segundo todos os indícios, Kerry é uma espécie de Bush recauchutado. Mas é impossível que consiga ser pior que Bush. O que preocupa, agora, é que segundo algumas análises é mais fácil para Bush derrotar Kerry do que um outsider como Dean.

Recapitulando: Howard Dean é o pré-candidato a presidente democrata que utilizou de forma intensiva a internet como uma de suas principais ferramentas de campanha. Se tornou, em pouco tempo, “o candidato dos blogs”. Mas seu desempenho nas primárias foi pífio, e o resultado é o anúncio de hoje.

Esse “fracasso” de Dean fez algumas pessoas apontarem “o estouro de uma nova bolha da internet”; e chegou-se à conclusão de que o uso de blogs em campanhas eleitorais é um fracasso.

Enterrar a importância de ferramentas da internet, como weblogs, em campanhas eleitorais por causa do fracasso de Dean é apressado demais. Pelo que pude entender, a internet teve muito a ver com seu crescimento e pouco com sua queda. Os erros de Dean foram políticos; talvez o mais importante deles tenha sido perder o timing, não ter percebido a hora de passar da crítica destrutiva a Bush para a formulação de propostas consistentes. E não se pode esquecer que, por ser a mais visível e a mais radical, foi a candidatura que mais apanhou da TV e dos jornais. Em relação à internet talvez tenha havido o mesmo erro que já vi outras pessoas cometerem em mídias tradicionais: o insularismo, a tendência a acreditar no próprio otimismo. Finalmente, outro erro típico: Dean se expôs demais, cedo demais.

O fato é que algo novo começou, e Dean foi um dos principais catalisadores da novidade. Se vai adiante, ou não, talvez ainda seja cedo para dizer. Mas Lênin podia ter certeza absoluta do que aconteceria assim que ele pisasse na Estação Finlândia? Fidel tampouco sabia se ia descer a Sierra Maestra nos braços do povo ou em um caixão.

Pela primeira vez desde o surgimento da televisão, uma revolução em comunicações está acontecendo. A internet é um meio novo e de comportamento ainda imprevisível, mas já não dá para negar sua importância. Ela pode ser mensurada, quando menos, pelas dezenas de milhões de dólares que a candidatura de Dean amealhou de pequenos doadores, boa parte através da Internet. Dean mobilizou as bases democratas como nenhum outro candidato conseguiu nas últimas décadas. Isso só aconteceu graças à internet, à sua capacidade de criar e manter comunidades ativas.

E, embora seja cedo demais, já se pode avaliar algumas dessas transformações.

A primeira delas é que o uso de internet em campanhas implica uma mudança do que os universitários chamam de paradigma. Pode-se contruir não apenas uma campanha tradicional, mas um verdadeiro movimento. No caso dos Estados Unidos, pode dar a partidos tradicionais bases ativas que só se encontram nos partidos de esquerda, como o PT e o PCdoB brasileiros.

Isso cria um novo problema, no entanto. A internet força uma descentralização em campanhas jamais vista. Ainda não dá para entender totalmente esse novo panorama, mas as mudanças serão definitivas. Uma campanha eleitoral, por definição, precisa ser centralizada e ter uma estratégia definida. É o que evita que um idiota descontente cause algum dano ao externar suas opiniões, como Dave Winer fez com Dean logo após a primária de Iowa. Essa descentralização forçada, ainda que relativa e passível de ser minimamente controlada, modifica totalmente o modo de comando, e exige que se adote uma nova atitude relativa à forma como ela caminha. É um problema grande para quem tem que administrar uma campanha.

Mas Marx dizia que um problema só surge quando já existe a solução.

Para esse tipo de campanha funcionar, é preciso que se esteja preparado para um fluxo de informações que não se pode controlar totalmente. E isso é um grande avanço; no que diz respeito ao marketing político, é uma revolução. Ao mesmo tempo, o poder multiplicador da internet entre formadores de opinião é algo que não se consegue com simples programas e comerciais de TV. Será mais fácil transformar eleitores em agentes, envolvê-los na campanha — em suma, construir um movimento horizontal, e não vertical.

Esse é um bom começo.

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