Divagando sobre um cavalo

Se há um gênero cinematográfico de que eu realmente gosto é o western.

Não sei exatamente por quê. Provavelmente porque era um dos gêneros que a TV mais exibia nas Sessões da Tarde dos anos 70, ou porque sempre gostei de cavalos. Não faço idéia. Mas a verdade é que, diante de um western feito na década de 50, quase sempre esqueço qualquer parâmetro de julgamento para simplesmente aproveitar o filme, seus clichês, seus roteiros muitas vezes simplísticos. Clayton Moore e Silver eram meus ídolos quando eu era criança.

Gosto especialmente daqueles da década de 50 porque são feitos quase como em uma linha de montagem. Raramente têm algum elemento brilhante; os filmes de que gosto eram feitos para garantir que crianças e adolescentes continuassem a ir às matinês.

Os anos 50 foram a década em que o western se estabeleceu definitivamente como o mainstream do cinema. Foram também a última década em que o gênero significou alguma coisa. Nos anos 60, apesar de alguns cantos de cisne como “Sete Homens e um Destino”, o western hollywoodiano morreria.

Foi com o western que os Estados Unidos criaram uma história idealizada para si. A Europa tinha um longo passado de cavaleiros medievais, uma história lírica e glamourizada pelo tempo; os Estados Unidos eram um país recente demais para ter algo parecido. Com os westerns, os EUA criaram sua própria lenda de um passado cavalheiresco. Transformaram homens e mulheres grosseiros, muitas vezes analfabetos e sempre de caráter duvidoso — quando não criminosos puros e simples — em heróis nacionais. Gente como Wild Bill Hickcok, Belle Starr, Calamity Jane, Billy the Kid, Wyatt Earp (que terminou seus dias como consultor técnico em Hollywood) — todos esses eram pessoas comuns canonizadas pelo cinema. Alguns, como John Wesley Harding, eram marginais do tipo que você ouve falar de vez em quando pelos jornais, e que espera que sumam logo de circulação — de qualquer jeito.

(No Brasil reclamam que glorificamos nossos bandidos. Mas o western americano é basicamente isso. A lenda inglesa de Robin Hood também. Essa fascinação por marginais não é invenção nossa.)

Talvez por isso o western tenha sido um gênero esquemático desde o início. A primeira fase, no cinema mudo, traz o arquétipo de Tom Mix. A segunda, que começou com o advento dos talkies, foi a era dos singin’ cowboys — e o maior deles foi Roy Rogers. “No Tempo das Diligências” pode ser apontado como o filme que rompeu essa tradição, criando um novo esquema e um novo arquétipo, religiosamente seguido por seus sucessores. Uma nova ruptura só surgiria mais de 20 anos depois, com o aparecimento do western spaghetti.

O western spaghetti era basicamente uma releitura do western pós-“Nos Tempos das Diligências”. Realçava aspectos como a ambivalência ética e moral dos mocinhos, e reforçava elementos estéticos como a aridez e a sujeira do Oeste, intrinsecamente refletidas no caráter e na aparência de seus habitantes (talvez isso seja reflexo do fato de a maioria desses westerns terem sidos filmados em Almería, na Espanha). A leitura que os italianos fazem do Oeste é mais liquefeita, e pode-se perceber nela os ecos de seu tempo, com um viés de esquerda presente em quase todos os filmes. É bom não esquecer que a Itália não precisava de mocinhos imaculados, provavelmente porque tivera seus próprios cavaleiros andantes, de verdade, e porque os anos 60 eram tempos de conflito social e inquietação intelectual.

Há outro aspecto que me fascina nos westerns, esse também relacionado à história: é a maneira como algo que para mim é tão distante na verdade está tão próximo. Wyatt Earp morreu no ano em que minha avó nasceu. A última filha de Pat Garrett morreu em 1983. No final dos anos 40 um sujeito chamado Brushy Bill alegou ser o verdadeiro Billy the Kid, e que não tinha sido morto por Pat Garrett (o verbete sobre Billy the Kid na Wikipedia traz uma série de links com o debate sobre a veracidade ou não dessa alegação).

Aquele passado, portanto, não é tão remoto.

2 thoughts on “Divagando sobre um cavalo

  1. Eu nunca gostei muito de faroeste,principalmente pelo fato do cavalo do bandido,sempre correr menos do que o do moçinho!

  2. Pelos anos 70 me apaixonei pelo western… clint eastwood, franco nero, guiliano gemma entre outros… uma época de outro em que a verdade e justiça sempre prevaleceram.

Leave a Reply to Paulo Cancel reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *