O Riponga deixou um comentário a um dos posts sobre a situação na Palestina. Eis um de seus argumentos:
Israel é um estado opressor por tentar combater o terrorismo de todos os jeitos que puder, passando dos limites considerados aceitáveis para poder impedir que inocentes do seu lado morram porque algum maluco decidiu encontrar Alá mais cedo de forma que mais alguns encontrem, e, sua familia seja paga para isso.
Riponga, esse argumento não leva em conta algo muito simples: as razões pelas quais palestinos se dedicam ao terrorismo. Não explica por que os palestinos estão dispostos a morrer em uma guerra que não parece ter um fim próximo. Fundamentalmente, esquece que Israel ocupa muitas áreas na Palestina, tendo realizado um movimento contínuo de ocupação e colonização ao longo das últimas décadas, tentando tornar o processo irreversível. A não ser que você me dê outro nome, isso se chama expansionismo.
Claro que se pode argumentar que esses territórios foram conquistados em guerras nas quais Israel apenas se defendeu. Mas, a esta altura do campeonato, utilizar um argumento histórico desse é loucura, porque aí as pessoas vão se lembrar que o Estado de Israel foi criado em 1948 ocupando grande parte daquela área, e que os palestinos foram os grandes perdedores naquela ocasião. É uma situação complexa, em que ambos os lados têm suas razões. Mas que invalidam esse tipo de argumento. É fácil esquecer, por exemplo, que após a Guerra do Líbano Israel deixou de ser o país lutando pela sua sobrevivência para se tornar um país imperialista, expansionista e mesmo assassino, como lembra bem quem estava vivo na época do massacre de refugiados palestinos em Sabra e Chatila.
A atual intifada tem suas origens imediatas em dois episódios. O primeiro é o fracasso das negociações em Camp David, julho de 2000. Ali Ehud Barak (apesar de ter se recusado a discutir com Arafat e deixado a tarefa a seus assessores) fez as maiores concessões israelenses até agora: ofereceu 97% dos territórios — ainda que entrecortados de colônias israelenses — e a autodeterminação das áreas palestinas em Jerusalém. Só esqueceu de uma coisa: já fazia tempo que Arafat tinha concordado em estabelecer o novo Estado palestino na Cisjordância e em Gaza. Aquele que o acusam de intolerância e de querer emperrar o processo de negociação de paz esquecem que esses territórios representam apenas 22% da Palestina original. Ele não podia aceitar menos que 100% do que pedia então. Sem falar em outros pontos de que os israelense sequer querem ouvir falar, como a volta dos refugiados palestinos.
O segundo foi a visita canalha de Ariel Sharon à Esplanada das Mesquitas, no mesmo ano, tão obviamente destinada a irritar os palestinos e garantir a vitória dos radicais do Likud nas eleições de fevereiro de 2001 que já virou ponto comum.
Até onde eu sei, genocídio significa “extermínio de grupos humanos”. É simplismente inaceitável voce comparar o que Israel está fazendo com que o fizeram com os judeus na europa antes e durante a Segunda Guerra Mundial. A partir do momento que voce fala “Claro que se pode dizer que não há comparação, que Israel não construiu campos de morte como Auschwitz e Dachau.” não existe genocídio, ok?
Isso quer dizer que no Sudão também não existe genocídio, é isso? Porque lá também não há máquinas de morte como as que estruturaram o Holocausto. É só neguinho matando neguinho.
Eu não compreendo, e não aceito, a utilização do Holocausto como justificativa para os atos recentes de Israel (Golda Meir: “Depois do que fizeram conosco, podemos tudo”). É simples assim, e não acho sensato, para ninguém, que um crime contra tudo aquilo que nos faz humanos seja apropriado por uns setores radicais de um povo e reduzido a um crime contra uma nação — talvez não seja pouco, mas isso o torna muito menor do que realmente foi.
No fim das contas, acho que poucos povos têm o valor dos judeus, por sua capacidade de se manterem como nação mesmo durante séculos de perseguição. Eles não precisam ficar eternamente conhecidos como os coitadinhos de Auschwitz (e se irritar quando alguém tenta lembrar que não foram apenas judeus os perseguidos pelo nazismo: no início dos anos 90 alguém quis fazer uma exposição em Nova York sobre o destino dos homossexuais nos campos de concentração; a gritaria de judeus ortodoxos foi tão grande que a exposição foi cancelada. Isso me faz lembrar que ser judeu na Alemanha era ruim, mas ser judeu, gay e polonês era muito pior). É necessário perceber que a dor do Holocausto não justifica sua postura imperialista e canalha no Oriente Médio.
Voce está generalizando ao falar que desde que a criança sai da barriga da mãe já é ensinada a odiar Palestinos ou o contrário (Palestinos nascendo já com ódio de Israelenses).
Quanto a isso, é claro que estou generalizando. Ninguém vai esquecer que existem grupos pacifistas em Israel e na Palestina, como o Gush Shalon citado pelo Idelber. Nem que a maioria desses dois povos quer desesperadamente a paz. Mas a história é uma grande generalização.
Agora, compre uma passagem e viaje para Israel e conheça um pouco o único país democrático no Oriente Médio.
Me desculpe, mas isso não significa absolutamente nada. Os Estados Unidos são um país altamente democrático, também. Na verdade, são o grande modelo da democracia em todo o mundo, desde sua fundação. Mas vá dizer isso aos iraquianos.
Quanto à passagem, deixa o pau parar de comer que eu vou. Sempre quis conhecer Jerusalém.
Parabéns pela argumentação, Rafael. Argumentos claros e simples, mas não simplistas.
Concordo com você, Rafael. Aliás, não dá para olhar para as coisas só por um lado, e muito menos com base em clichês.
A Europa e os EUA, morrendo de culpa e dó dos judeus por causa do holocausto, além da pressão dos movimentos sionistas, encamparam a idéia de criar um Estado que não deveria existir da forma que nasceu. Acharam que estavam resolvendo um problema, mas apenas criaram outro.
Como minha avó materna é descendente de cristãos-novos me sindo autorizado a dizer isso sem que me chamem de anti-semita: Israel não deveria ter sido criado. A diáspora ocorreu na época do império romano, os árabes-palestinos não tem nada a ver com isso, apenas ocuparam a terra e estão lá a muitos e muitos séculos.
A terra era deles por direito histórico. O fato foi consumado históricamente e deveria ter sido respeitado, ou alguém na América pensa em voltar para a Europa ou África e devolver tudo para os índios 500 anos depois?
A solução só poderia ter sido pacífica, judeus migrariam para lá pacificamente juntando-se aos judeus que já moravam lá, tornariam-se cidadãos e, junto com os palestinos, acabariam formando uma nação. Só que, como lá nada é tão simples, preferiram forçar a barra e criar um Estado judeu botando os palestinos pra correr da terra que é deles.
Agora, estamos diante de um novo fato histórico consumado: Israel existe a mais de meio século e mais de uma geração de judeus descendentes de imigrantes nasceu lá, não há volta. A única solução é aprenderem a conviver ou então vão se matar indefinidamente. Tudo culpa da burrice, preconceito e ambições humanas. A volta para a “terra prometida” só poderia ter sido feita com bom senso e humildade, reconhecendo o direito dos palestino de estarem lá como donos da terra e cidadãos, o que efetivamente eram.
Belo post, Rafael. Eu acrescentaria que não é só desde a Guerra do Líbano (1982) que Israel se converteu em estado agressor e imperialista. É desde a guerra de 1967, que incluiu massacres também, muito depois de decidida a vitória israelense.
É importantíssimo conhecer o trabalho do Gush Salom porque desmonta a idéia (o argumento frequentemente usado em má fé) de que demonstrar indignação com as atrocidades cometidas por Israel faz de alguém um “anti-semita” – confusão deliberada e habilmente manipulada pelo militarismo israelense.
Sobre as negociações de Camp David, não só a “generosa oferta” israelense não incluía a volta dos refugiados. Não incluía nem mesmo o controle palestino sobre a sua própria água, no que seria um território sem nenhuma contigüidade ou autonomia. Sobre o que realmente aconteceu em Camp David (porque a mentira de que Arafat “foi embora e não quis negociar” ainda circula muito por aí), eu recomendo o seguinte artigo:
http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2002/06/30131.shtml
À sua leitora que diz que Israel é a “única democracia do Oriente Médio” lembremos-lhe que um país que discrimina especifica e constitucionalmente contra um grupo étnico (os 18% de israelenses árabes, explicitamente desprovidos de vários direitos), um país cuja constituição prevê e legitima o uso da tortura, e que não passa nem perto de garantir a separação entre igreja e estado não pode, obviamente, ser chamado de democracia.
Vou tentar fazer um post sobre isso num futuro próximo. Abração,
Alguns pontos:
– a invasão do Líbano, por mais que possa ser criticada (e foi muito criticada mesmo dentro de Israel), _também_ foi para se defender. Os palestinos bombardeavam Israel a partir do Líbano. Não faz o menor sentido dizer que foi expansionista. Nem os sionistas mais radicais tinham interesse em colonizar o Líbano. No máximo esperavam um acordo de paz com o governo libanês (o que não aconteceu).
– por que sempre citam Sabra e Chatila sem mencionar quem realmente conduziu os massacres, i.e., uma mílicia maronita? É mais ou menos como responsabilizar exclusivamente o Reino Unido e a União Soviética por Hiroshima e Nagasaki. E não é que a presença de Israel tenha sido necessária: os libaneses e palestinos se matavam muito antes da invasão israelense.
– é claro que Israel não quer aceitar milhões de “refugiados”, muitos dos quais são abertamente hostis a judeus em geral e a Israel em particular. Supondo que vai existir um estado palestino (árabe), por que os “refugiados” não vão morar nesse estado então? Eles certamente terão cidadania palestina. Qual é o sentido de existir 2 estados nesse caso?
Idelber,
quais são esses direitos que os israelenses árabes não tem?
Eles podem votar e ser eleitos, entrar no exército (os beduínos e druzos entram), frequentar escolas públicas, seguir sua própria religião, criticar o governo. Coisas mais ou menos desconhecidas nos vizinhos árabes.
“Depois do que fizeram conosco, podemos tudo”
Isso é sério? Desculpe, sou desinformada assumida quanto o assunto. E sobre conhecer Jerusálem, eu já quis. Hoje prefiro me manter viva.
“Deixa o pau parar de comer”…Vc não vai tão cedo pra lá!
Rafael Caetano: ando meio ocupado para dar uma resposta completa, mas aqui vai uma lista que não é de forma nenhuma exaustiva. A lista é seguida das fontes e uma pequena bibliografia para começar.
1. educação constitucionalmente segregada:
2. moradia constitucionalmente segregada:
3. direito de voto “garantido”, mas se eles quiserem votar vão ter que passar por dois ou três “checkpoints” humilhantes e intimidantes. Eles têm direito a voto mais ou menos como um favelado de Mossoró tem direito à educação pública até a 8a série:
4. direito de propriedade restringido e constitucionalmente limitado:
5. limitado direito de movimentação dentro do país:
6. constante expropriação de terras árabes:
7. as poucas terras que lhes restam caem sob a jurisdição do Ministério de Defesa, ao contrário das propriedades dos outros cidadãos:
8. sistemática intimidação policial:
9. colocação dos centros populacionais árabes sob controle militar.
10. tudo isso para não falar, obviamente, do fato de que o judaísmo é a religião oficial do estado, o que infringe nos direitos básicos desse 18% da população em matérias educacionais, culturais, etc. etc., para não falar dos outros milhões de palestinos massacrados nos territórios ocupados.
Aqui vão algumas pouquíssimas fontes (todos textos cujo rigor acadêmico e / ou jornalístico é claro; não há texto “militante” aqui):
http://countrystudies.us/israel/23.htm
http://www.bintjbeil.com/E/occupation/arab_jew.html
http://www.bintjbeil.com/E/occupation/arab_jew.html
http://www.arabhra.org/about/palestinianminority.htm
http://www.palestinemonitor.org/new_web/arab_israel_citizenship.htm
http://muse.jhu.edu/journals/social_text/v021/21.2shohat.html
O último link talvez não funcione porque essa revista pode que seja limitada a universidades ou indivíduos que assinem (não há como eu saber).
A maior autoridade acadêmica sobre os árabes de Israel se chama Ella Shohat. Trata-se de uma árabe judia. Recomendo-lhe a obra dela.
Se você lê árabe ou hebraico avise porque eu poderia compartilhar fontes nessas línguas também. A bibliografia em inglês está condicionada, ou pelo menos limitada, pela política das duas potências que o falam. A que existe em português, que eu saiba, é quase não existente.
Saio para umas duas semanas longe dos blogs, mas na volta posso enviar mais dados. Abraço,