Sempre acreditei que os homens são construídos em um momento único. Que os anos e anos de sua formação são apenas uma moldura para um único momento, o mais importante de suas vidas, em que tudo o que há nelas se cristaliza para nunca mais mudar, e então isso os conduzirá até o fim de seus dias.
De Getúlio Vargas, por exemplo, tanto já foi dito. Aquele revólver pequeno, que parece inofensivo diante de uma .40 oxidada, então, foi apenas o instrumento de uma jogada política desesperada.
Aqueles que falam isso não entendem dos homens, e em não entendendo dos homens não entendem de política, e vêem estratégias onde só há vontades, o coletivo onde só há o indivíduo. Por não entenderem dos homens partem de fatos verdadeiros para chegar a conslusões falsas, teóricos conspiracionistas onde conspiração não há, e se revelam donos de imaginações portentosas mas mecânicas.
São eles que se enganam, e olham para trás e não vêem o que há para ser visto. É por isso, por essa incapacidade de se separarem de modelos e esquemas, que eles olham para o pijama listrado estendido ali, naquela cama fora de moda em um quarto surpreendentemente modesto no Palácio das Águias, e pensam em como Getúlio armou sua morte como uma última jogada política, e louvam a genialidade do homem que redefiniu o Brasil, e lêem sete palavras — “saio da vida para entrar na história” — e não conseguem ler o que elas realmente dizem.
Se conseguissem veriam que tudo aquilo é explicado em único momento, 24 anos antes, quando um Washington Luiz deposto de todas as honras desceu aquela rua do Catete humilhado, depois de dizer que só sairia daquele mesmo Palácio das Águias morto.
Para uma imensa maioria é difícil enxergar por trás das letras. Talvez por isso eu goste tanto do poema Traduzir-se de Ferreira Gullar:
Uma parte de mim é todo mundo
Outra parte é ninguém
Fundo sem fundo
Uma parte de mim é multidão
Outra parte estranheza e solidão
Uma parte de mim, pesa
Pondera
Outra parte, delira
Uma parte de mim almoça e janta
Outra parte se espanta
Uma parte de mim é permanente
Outra parte se sabe de repente
Uma parte de mim é só vertigem
Outra parte, linguagem
Traduzir uma parte noutra parte
Que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
Será arte?
Perfeito, Kau.
Curioso, mas há 31 anos morando aqui no Flamengo, só há duas semanas fui conhecer o Palácio do Catete e senti uma atmosfera de sofrimento muito grande ali. Imagino a solidão de Getúlio antes de apertar o gatilho. Se os políticos que temos hoje tivessem tantos escrúpulos, teriam que abrir uma dezena de crematórios em Brasília.
gd ab
Dizem que o homem é produto do meio… talvez seja… mas fato é que, se é racional… eu tenho minhas duvidas :p
e apesar dos pesares.. entre mortos e feridos.. alguns se salvam…
getulio ainda é meu idolo :p
*pensou o nacionalista haha
abraços
Isso é tu mesmo?
Não parece…
procuro sempre ficar em cima do muro que divisa os conspiracionistas, aqueles que vêem na coçada de ovo esquerdo do ministro uma forma de manipular o pensamento escrotal da população, e os românticos, que dão à individualidade uma importância maior do que se deveria. mas sou menos coletivo que individual, então gosto de pender de vez em quando pro lado dos segundos…
Já pensei sobre esse fato extremo de tirar a sua própria vida, do porque dele ter feito tal ato. Quem sabe quissesse mostrar pras pessoas, externar o seu sofrimento interior. Quem sabe se ele soubesse escrever como Ferreira Gullar? Beijus