Alma gêmea

Quase meio-dia e dois meninos, cerca de onze anos cada um, vêm descendo a rua, vestindo o uniforme do colégio Saint Louis. Vêm alegres, cantando, provavelmente felizes por ter deixado para trás a sala de aula. E a canção que cantam é uma mostra da alegria e da precocidade dos estudantes, e também do fato de que gostam mesmo de telenovelas.

Carne e unha, alma gêmea,
Bate coração
As metades da laranja
Dois amantes, dois irmãos
Duas forças que se atraem
Sonho lindo de viver
Tô morrendo de vontade de foder.

Saint-Honoré

Se alguém quer saber como era Rafinha Galvão aos 20 anos, é simples: é só imaginar um sujeito que, em boa parte das conversas, provavelmente interromperia seu interlocutor dizendo “Isso me lembra Bixiou debochando de Blondet” ou “Esse é o tipo de coisa que um Rastignac ainda pobre faria” ou “Ele fez como Paulo de Mannerville, não ouviu os conselhos de De Marsay e se ferrou.”

Entre os 20 e os 22 anos, eu lia Balzac como outras pessoas liam quadrinhos. À medida que ia comprando novos volumes de “A Comédia Humana”, um mundo absurdamente real ia se delineando diante de mim. Balzac foi a minha primeira verdadeira paixão literária, e provavelmente será a última.

Ainda hoje, se alguém me pergunta que livro eu levaria para uma ilha deserta, não perco tempo em afirmar que levaria “A Comédia Humana”. Nada mais é necessário. Nem Shakespeare. Balzac era, e é, leitura essencial para qualquer pessoa que goste de livros.

Havia obras-primas e havia lixo, claro. Coisas como “A Mulher de 30 Anos”, “A Vendetta”, uma ou outra espalhada por aqui. Mas a cada fracasso correspondem pelo menos dez obras brilhantes, pequenas pérolas como “Gobseck” ou “A Missa do Ateu” ou monumentos como “Ilusões Perdidas” ou “A Prima Bette”. São quase 90 livros na Comédia Humana.

Citar tantos títulos pode dar a impressão de que se trata de muitos livros diferentes. É só parcialmente verdade. Porque na verdade é um livro só, e seu enredo é toda a história de um lugar e um tempo, os estertores do regime feudal e da aristocracia na França e a ascensão irremediável da burguesia. Os romances, novelas e contos de Balzac são apenas episódios de uma obra maior. Aqui você lê uma história de De Marsay, sujeito que encontrou alguns livros antes. Mais adiante você vai conhecer sua origem. Essa falta de linearidade é exatamente igual à da vida, onde os encontros se dão de maneira aleatória e inconstante. E em tudo isso há um poder de observação da realidade que jamais seria igualado, por ninguém.

Não foi à toa que, segundo a lenda, Balzac morreu chamando pelo doutor Bianchon, seu personagem. Ele não podia fazer diferente: havia criado um mundo tão gigantesco e tão completo que às vezes parecia mais verdadeiro que o mundo real. Aqui e ali eu encontro um personagem de Balzac. O avarento como o velho Grandet, a socialite esnobe como a Marquesa d’Espard, o bom advogado como Derville, a moça inocente como Modesta Mignon e a víbora disfarçada como Rosália de Wateville; o talento em carne fraca como Luciano de Rubempré e o futuro vencedor como Eugênio de Rastignac.

Podia não ser um grande estilista — pecado ainda maior nos dias de hoje, em que pigmeus tentam calçar os sapatos esgarçados por gigantes — mas era um grande frasista. Um desses sujeitos que se dedicam a antologias de citações poderia fazer um volume bem alentado apenas com os livros de Balzac. De qualquer forma, estilo puro e simples faz grandes redatores, não grandes escritores. Para esses é preciso ter o que dizer. Estilo é essencial em uma época em que o que parece restar a fazer é simplesmente dizer o que já foi dito com palavras mais adequadas e que possam ser lidas durante os comerciais. Com estilo ou sem estilo, Balzac é um dos três maiores escritores da história. Escolha os outros dois. Quaisquer um. Tanto faz.

O que incomoda em Balzac são, principalmente, suas incursões pelo romanesco, concessões ao pior gosto popular como os piratas que aparecem para coroar a mediocridade espantosa de “A Mulher de 30 Anos”. (Baudelaire, ao contrário, achava que essa combinação de fantasia e observação era uma das qualidades de Balzac). Mas ele compensa tudo isso quando fala dos grandes aristocratas e dos pequenos burgueses, dos funcionários públicos, de tipógrafos, dos ladrões baratos e dos ladrões que se sentam nas diretorias dos bancos. Balzac foi o primeiro a perceber que o verdadeiro protagonista do novo mundo capitalista era o dinheiro, a ação eram os livros-caixa, e a peripécia uma promissória vencida.

Quem mais poderia escrever em 1832 um romance chamado “História da Grandeza e Decadência de César Birotteau, Perfumista, Adjunto do Maire do Décimo-Segundo Arrondissemént de Paris, Cavaleiro da Legião de Honra, Etc.”? Ninguém. Foi preciso um Balzac para perceber a grandeza épica na falência de um simples comerciante burguês, e contar tudo isso com uma profundidade psicológica que, em nenhum momento, deixa de lado a observação crua da realidade.

É nos romances menores que talvez o gênio de Balzac se manifeste com mais clareza. Porque é relativamente fácil — se você é um gênio, claro — fazer um “Ilusões Perdidas” e um “Pai Goriot” ao longo de uma carreira. Qualquer escritor de primeira linha traz em sua mochila uns quatro ou cinco grandes livros. Difícil, mesmo, é tirar dezenas de pequenas obras-primas com regularidade e constância, em quinze anos de trabalho, de fatos bobos como uma cena entrevista pela janela, um padreco do interior ou uma mal-amada maquiavélica. É o resultado de um processo de criação espantoso, pelo ritmo e pelo método: vários livros escritos ao mesmo tempo, dezesseis horas por dia, sete dias por semana, e as provas tipográficas eram submetidas a revisões consecutivas que aumentavam três, quatro vezes o tamanho original do livro. Ele queria conquistar pela pena o que Napoleão não pôde pela espada. E conseguiu.

Ninguém jamais disssecou sua época como Balzac. Era Tolstói que dizia para falar de sua aldeia? Pois a aldeia de Balzac não era sequer Paris, apesar das aparências; era todo o gênero humano. E se o homem não mudou muito em alguns milhões de anos, mudou ainda menos nesse século e meio. Balzac continua, hoje, mais atual que virtualmente todos os escritores contemporâneos. É mais atual que os futuramente esquecidos Don DeLillo e Paul Auster, para citar apenas dois de uma galeria quase infinita.

Provavelmente, aliás, mais atual que em seu próprio tempo. A crítica da época nunca gostou muito de Balzac, que considerava apenas um escritor de best sellers populares. A crítica da época era retardada. Em 1843, a Academia Francesa (que nunca aceitou Balzac entre seus membros) poderia ter premiado “O Médico Rural” com o prêmio Montyon, dedicado a ações virtuosas na literatura. Em vez disso premiou esse dois clássicos da literatura universal, “O Pequeno Corcunda” e “A Família do Tamanqueiro”, da mundialmente conhecida Mlle. Ulliac-Trémadeure, cuja estátua Rodin não esculpiu e que teria feito arranjo melhor com o mundo se tivesse simplesmente procurado um marido. Certo, “O Médico Rural” não é uma obra-prima; mas certamente é bem melhor que esses dois livros com títulos infantis.

A edição brasileira da “Comédia Humana”, organizada por Paulo Rónai, é uma das melhores do mundo. É um trabalho brilhante, responsável, um guia perfeito para quem ainda não conhece Balzac, e mesmo para quem conhece. Suas notas de rodapé são essenciais; suas introduções a cada peça são um referencial crítico fundamental para a compreensão do universo balzaquiano. Suas falhas, relativas, são a não inclusão de algumas obras que não fazem parte da Comédia Humana, mas que outras edições como a Pleiade da Gallimard incluem, como os Contes Drôlatiques, e o aportuguesamento de nomes próprios. Nada disso, no entanto, mancha a grandeza da edição. O que mancha, mesmo, é o fato de ela estar atualmente fora de catálogo.

Se eu fosse recomendar um roteiro para a leitura da “Comédia Humana”, seria fácil: primeiro a biografia de Balzac escrita pelo Paulo Rónai no volume I. Daí para o Prefácio de Balzac à obra, no último volume. Voltaria para o IV volume, que tem “O Pai Goriot”, “O Coronel Chabert”, “A Missa do Ateu” e “O Contrato de Casamento”, um volume tão genial que o meu perdeu a sobrecapa, de tanto uso. E então o curso normal, a partir do volume I.

Alguns anos sem tocar na Comédia Humana fizeram bem. De repente não consigo lembrar, exatamente, dos detalhes de “Uma Filha de Eva”. Isso quer dizer que chegou a hora de ler tudo novamente. São mais de 10 anos de separação. Mas ainda lembro da sensação de deslumbramento ao ler cada novo livro. Naquela época, e quem leu Balzac nessa idade entenderá facilmente, era fácil querer ser Rastignac tendo um amoral como De Marsay como exemplo, embora no fundo houvesse a desconfiança triste de que se era mesmo um pobre Rubempré. E à medida que o tempo vai passando mais e mais nos parecemos com aquele grupo de que fazem parte Blondet e Lousteau, Bixiou e Finot, cínicos cujos sonhos de grandeza jamais se concretizarão, e talvez não possamos desejar nada melhor que a honestidade simples de César Birotteau. Os tijolos podem ser os mesmos, mas o reboco muda, e muito. Pelo menos fica um consolo: o de achar extremamente chato D’Arthez com seu excesso de virtude aos 20 e aos 30, e saber que continuará achando aos 50.

Só quem conhece Balzac sabe o prazer absurdo que essa releitura será.

O coração dos homens

Sempre acreditei que os homens são construídos em um momento único. Que os anos e anos de sua formação são apenas uma moldura para um único momento, o mais importante de suas vidas, em que tudo o que há nelas se cristaliza para nunca mais mudar, e então isso os conduzirá até o fim de seus dias.

De Getúlio Vargas, por exemplo, tanto já foi dito. Aquele revólver pequeno, que parece inofensivo diante de uma .40 oxidada, então, foi apenas o instrumento de uma jogada política desesperada.

Aqueles que falam isso não entendem dos homens, e em não entendendo dos homens não entendem de política, e vêem estratégias onde só há vontades, o coletivo onde só há o indivíduo. Por não entenderem dos homens partem de fatos verdadeiros para chegar a conslusões falsas, teóricos conspiracionistas onde conspiração não há, e se revelam donos de imaginações portentosas mas mecânicas.

São eles que se enganam, e olham para trás e não vêem o que há para ser visto. É por isso, por essa incapacidade de se separarem de modelos e esquemas, que eles olham para o pijama listrado estendido ali, naquela cama fora de moda em um quarto surpreendentemente modesto no Palácio das Águias, e pensam em como Getúlio armou sua morte como uma última jogada política, e louvam a genialidade do homem que redefiniu o Brasil, e lêem sete palavras — “saio da vida para entrar na história” — e não conseguem ler o que elas realmente dizem.

Se conseguissem veriam que tudo aquilo é explicado em único momento, 24 anos antes, quando um Washington Luiz deposto de todas as honras desceu aquela rua do Catete humilhado, depois de dizer que só sairia daquele mesmo Palácio das Águias morto.

Pelo fim da sociedade da informação

Em quase dois meses sem computador, eu perdi minha principal fonte de informações, a internet. Mais de 200 feeds RSS, vários jornais, várias revistas. De repente, tudo isso desapareceu.

Pode parecer uma tragédia. Mas eu só consegui aprender uma coisa: que tudo isso é absolutamente desnecessário.

Essa “sociedade da informação” é uma convenção. Alguém lhe oferece o máximo de informação disponível e você, em troca, passa a acreditar que realmente precisa dela.

Há pouco mais de dez anos, eu fiquei maravilhado com o mundo de informação a que a internet passava a dar acesso. Jornais que só eram encontrados em aeroportos ou pontos turísticos, com alguns dias de atraso, se tornavam imediatamente disponíveis. Revistas como a Atlantic Monthly disponibilizavam mais de 100 anos de arquivos, o que incluía inéditos de Mark Twain e contos de alguns dos maiores escritores americanos. Parecia um sonho.

Mas depois de dois meses sem ler nada disso, cheguei à conclusão de que ninguém precisa de tanta informação (Caetano Veloso, quando ainda pensava, percebeu isso há quarenta anos: “quem lê tanta notícia?”). Deixei de acompanhar o que acontecia no mundo, a não ser quando, zapeando pela TV, via uma manchete ou outra nos canais de notícias. Tecnicamente, e com exceção da entrevista de Lula a Pedro Bial, eu não sabia o que acontecia no mundo.

E mesmo as notícias que eu vi ou li não fizeram a mínima diferença.

As pessoas podem até gostar de saber o que acontece. Mas gostar é uma coisa, precisar é outra. Algumas pessoas, claro, realmente precisam de informação — mas ela é sempre restrita e, de preferência, não se encontra nas páginas dos jornais. Nesse último mês a minha ignorância a respeito do que jornais veiculavam não mudou nada no mundo, como era de se esperar, mas principalmente não mudou nada em minha vida.

A informação realmente relevante chega até as pessoas de uma forma ou outra. As pessoas que encontrei trocam informações, sim, mas nenhuma delas é dependente dessa nova tecnologia de informação. O que lhes interessa, mesmo, são notícias locais. A expectativa de A em relação à queda ou não da verticalização. Os últimos movimentos de B para conseguir uma coligação com C. Estão pouco se lixando para quando mineiros ficaram presos em algum cu de mundo. Não querem saber da última capa da Der Spiegel. Essas coisas não lhe interessam porque não mudam em nada as suas vidas.

Claro, há a ilusão de “conhecimento”. Efêmero, e geralmente um pobre substituto a informação mais permanente e, de certo modo, mais relevante. Uma revista a mais significa algumas páginas de Proust a menos, por exemplo; é uma troca que se faz em função de um benefício que, acredita-se, virá depois. O problema é que esse benefício não existe. A informação de que a maior parte das pessoas necessitam normalmente está ao seu lado, e geralmente chega a elas sem que seja necessário o recurso a esse bocado de ferramentas que lhe soterram de informação.

A arte abstrata moderna é uma convenção de faz-de-conta: eu digo que algo é arte e você acredita, apenas porque eu digo e porque combinamos isso previamente. O excesso de informação dos tempos atuais é uma variedade desse 171, e é por isso que a internet é uma obra de arte.

Fiz uma limpeza das boas nos meus feeds no Bloglines. Não preciso de quase nada daquilo. A informação realmente relevante para mim, hoje, está ali na janela, e amanhã vai fazer sol e eu vou para a praia.

Numa madrugada de março

Madrugada, fumando na varanda, e olhando para o edifício em frente.

Eu estou no décimo-segundo andar do edifício, e não conheço a vista. Depois me dirão que dali, daquela varanda, dá para ver todo o cotidiano das pessoas que moram nos apartamentos para os quais olho agora, mulheres indo nuas do banheiro para o quarto, jogando a toalha na cama, colcando calcinhas e até absorventes, homens coçando a bunda e o saco, sentando diante da TV com o gestual do cansaço do dia ou da vida para ver o Jornal Nacional ou a novela das oito.

Mas agora, a essa hora, não há nada disso. A maioria das janelas está às escuras, como o apartamento em que estou. Algumas poucas dançam com luzes azuladas e fracas que mudam conforme muda a cena exibida pela televisão.

Uma das janelas, no oitavo andar, se acende. Um velho está em pé, diante de sua cama, de frente para a janela. Ele é magro, pequeno, como se o tempo tivesse tirado mais que sua vitalidade, tivesse tirado também sua substância. Ele está nu. Seus cabelos são brancos, mas seus pêlos pubianos ainda são pretos.

Uma velha sai de perto da porta, onde acendeu a luz, e vai até um criado mudo perto de sua cama, embaixo da janela, onde pega algo que parece um vaso ou uma jarra.

Ela é baixa como o seu marido, mas é gorda, seios grandes caídos, e anda balouçante, cada passo a inclinando para o lado como um pingüim. Usa uma camisola branca barata, de algodão transparente ou algo parecido. Ela anda até o velho.

O apartamento tem três quartos. No último, sempre o maior, provavelmente dormem os donos da casa. Os dois velhos dormem no quarto do meio. O quarto que resta, provavelmente, é do filho ou filha dos donos da casa, do neto dos velhos que estão acordados às três da manhã. Não é difícil adivinhar que eles são pais da dona da casa, porque essa é a sina das mulheres cujos pais são velhos a quem têm a decência de não colocar em asilos, cuidar deles quando já não podem cuidar direito de si mesmos, muitas vezes não tão graciosamente assim, porque em troca partilham com generosidade e falta de opção suas aposentadorias. A velhice já separou fisicamente o casal, e dormem em duas camas de solteiro paralelas.

A velha segura o jarro diante do marido, com paciência e uma mão na cintura.

Ele está fazendo xixi.

Quando ele acaba, ela sai do quarto, com a jarra na mão. O velho fica lá, em pé, cabisbaixo, os braços abandonados ao longo do corpo gasto.

A velha volta, com um pano nas mãos. Se fala algo não dá para ver, mas eu sei que fala. Joga o pano no chão, diante do velho, e limpa o que o velho deixou cair. Ela sai mais uma vez do quarto, o velho ainda em pé. Volta com outro pano, talvez agora com desinfetante.

Ele se senta na cama com a lentidão característica dos velhos. Sua mulher uma terceira vez do quarto, e volta com um lençol novo. Cobre o velho que agora está deitado, com uma perna magra dobrada, como uma criança. E então ela apaga a luz.

E ainda tem gente que pede vida longa.

Eu não sei parar de te olhar

Depois de rever Closer, coisa de três meses atrás, uma impressão antiga virou certeza.

Por que tanta gente diz que o personagem de Nathalie Portman é o mais íntegro entre os quatro? Ela é a mais canalha.

Em Closer todos jogam, todos perdem, todos se machucam. Menos ela, porque é quem está mais longe, é quem tem o melhor seguro. Como podem falar de sua honestidade em meio àqueles mentirosos, mesquinhos e traidores?

A vaca não dá sequer o seu nome verdadeiro.

As grandes verdades da vida

De vez em quando alguém vem parar aqui e cita um bocado de filósofos, como se isto aqui fosse algo mais que um antro de bobagens, como se eu tivesse lido quaisquer um deles.

Tudo bobagem.

Cânt, Ráideguer, Quirquigard, Rêguel, Montesquiê, Loque, Robes, um bando de bobos que nunca passaram sequer perto das grandes verdades da vida.

Tudo besteira.

Digo isso com a tranqüilidade de descende de uma grande linhagem de pensadores, de quem nasceu na família de maiores filósofos que o mundo inteiro já conheceu. Gente profunda que investigou com vagar as grandes questões da vida, e de suas jornadas pelas brenhas da mente emergiram com frases que definem a existência e a metafísica. Ao invés de gastar páginas e páginas com palavreado difícil, souberam oferecer em poucas frases avaliações profundas sobre o ser humano, sobre o valor da prudência, sobre a capacidade de ver além das aparências e sobre as vantagens da falta de soberba.

Do velho Oscar Valois, meu bisavô:
“Tem gente para tudo neste mundo e ainda sobra um para comer merda”.

Do velho Romário Maia, meu avô:
“Bala não tem nome nem endereço.”

Do velho José Rabelo, tio-avô:
“Quem come cara é bexiga.”

De João Marcelo, primo distante e já velho, apesar de não admitir:
“Quem come qualquer coisa está sempre mastigando”.

Aí está toda a sabedoria acumulada em séculos de vida tranqüila e proveitosa. E mais que isso não é preciso.

A morte e a morte de Luiz Biajoni

E-mail da Isabela:

Isabela wrote:

Pôxa, não dá para acreditar nesses blogueiros. Ano passado gelei com a morte do Bia.

Abraços
Isabela

E agora chega. Eu não agüento mais enganar as pessoas.

O Bia morreu, sim, num acidente envolvendo seu legendário Uno 88 batido movido a álcool e um caminhão cheio de bóias frias que iam para os canaviais de Americana cantando Zezé di Camargo e Luciano.

Foi uma notícia estarrecedora. Mas apesar da dor e da saudade, nós sabíamos que o show não pode parar. Então arranjamos um sujeito para escrever o Tiro e Queda e depois o blog no lugar dele.

O impostor se chamava Bially Shears.

Mas isso era desonestidade. Era falso. Injusto. Somos blogueiros, sim, mas lá no fundo somos gente decente. Então passamos a espalhar em nossos blogs pistas de que o Bia tinha morrido.

1 – Este post sobre o umbigo da Kau era uma alusão à cova em que o Bia estava enterrado (ele queria ser enterrado no Pére Lachaise, mas não deu e hoje está numa gaveta do Cemitério São João Batista, em Americana).

2 – Este post do Bia era uma alusão aos Beatles — que como se sabe também tiveram um membro morto e substituído.

3 – O Bia não toma Viagra. Aquele que encontramos no Rio era, obviamente, um impostor.

4 – As 60 Horas de Le Mãos na Cabeça são a versão blogueira do Livro dos Mortos do Tibet.

5 – Inicialmente, o Bially Shears deixou crescer um bigode, digamos, meio estranho. O verdadeiro Bia era heterossexual.

6 – Outra prova da sexualidade dúbia do novo Bia: o show do Placebo.

7 – A campanha em defesa da Hello Kitty era muito óbvia: a Hello Kitty, na verdade, tem medo é de fantasmas.

8 – Para a cultura milenar dos Kunin Ingwah, hoje restrita a uma das ilhas da Polinésia Francesa, dobrar a língua em três é a resposta afirmativa a ser dada quando nos perguntam se alguém morreu.

9 – O novo Bia foi trabalhar na TV.

10 – A mãe de todas as pistas: “Sexo Anal”, o livro póstumo do Bia, originalmente se chamava “A Educação de Virgínia”. Mudamos o título porque foi assim que um Brigatti desolado nos deu a mórbida notícia: “Bicho… O Bia se fodeu.”

Há muitas outras pistas espalhadas, blogoseira afora, sobre a morte do Bia. É só uma questão de saber procurar.