Todo mundo fala do filme do Mainardi. Pouca gente parece ter visto. Falam mal assim mesmo.
Eu vi o filme do Mainardi. E agora posso falar mal com propriedade.
“Mater Dei” tem roteiro de Diogo Mainardi e direção de Vinícius Mainardi. Conta a história de dois irmãos, Diogo (Dan Stulbach) e Vini (Gabriel Braga Nunes).
Vini é cineasta, ou assim se diz. Diogo é jornalista e a revista em que trabalha cobre o caso de um juiz que superfaturou uma obra, o que acabou degenerando em uma guerra com o empreiteiro responsável.
O filme tem pelo menos um momento de brilho: o empresário e o juiz numa mesa contando as mortes que sua guerra causou, reunião mediada por um deputado federal. É de um humor macabro, surrealista, e uma metáfora excelente sobre o modo como justiça, política e empresariado se misturam no Brasil.
E é só. O resto do filme é um arrastar sem fim, o típico filme brasileiro de segunda, com pretensões razoavelmente intelectuais e aquela ambição, raras vezes realizada, de fazer mais que contar uma história, de abranger a realidade do país e fazer o “Grande Filme Brasileiro”.
Os irmãos acham que essa história daria um bom roteiro e, como não têm acesso a “mecanismos de renúncia fiscal”, precisam se virar para arranjar financiamento. Acabam se envolvendo com o empreiteiro. O que Diogo e Vini não sabem é que, para igualar as contas macabras, o empreiteiro tinha prometido ao juiz o seu filho a nascer. Sua mulher, interpretada por Carolina Ferraz e, como não podia deixar de ser, chamada Maria, se revolta contra a perspectiva de ter um filho apenas para ser sacrificado.
O que parece ser o ápice de ultraje do filme que claramente procura chocar sua platéia subestimada é uma cena em que Maria está em pé na varanda com aquele barrigão de oito meses. Vini se aproxima dela por trás. Levanta sua saia. Sem dó, sem piedade, sem vaselina ou KY, Vini enraba Maria.
E aí é que o filme incorpora tudo aquilo que o Mainardi odeia no Bananão. A vontade gratuita de “romper tabus” típica do que havia de pior no cinema nacional pretensamente intelectual dos anos 70 e 80 se manifesta, então, em toda a sua glória.
Nessa hora “Mater Dei”, que já não vinha bem das pernas, se transforma definitivamente em uma paródia medíocre. Ali está a mãe de Deus sendo sodomizada por um sujeito qualquer. “Vamos cuspir na cara da burguesia”, é o que o filme parece estar dizendo numa mesa de bar. Mas nem isso é original, em uma era em que filmes questionando dogmas cristãos — ou melhor, dogmas fundamentais da civilização ocidental — são mais comuns que efeitos especiais em filmes de George Lucas. “Mater Dei” se transforma, então, em “Jevuçalimarri”, uma paródia botocuda de algo que já foi feito antes como em Je Vous Salue, Marie do finado Godard, mas escrita em garranchos de analfabeto.
“Mater Dei” é um filme medíocre e incompetente, só isso. Não há competência em nenhum aspecto: no roteiro, na fotografia, na cenografia, em nada. Até os diálogos, em sua maior parte e com poucas exceções, soam excessivamente literários e pomposos — o mesmo antigo defeito do cinema brasileiro durante décadas.
O Mainardi sempre se refere com orgulho ao fato de o filme não ter sido feito com verbas públicas. Usa isso como argumento para atacar as políticas de fomento ao audiovisual. Mas alguém defendendo uma posição contrária poderia dizer que o fato de não terem arranjado financiamento para tamanha tragédia é uma prova de que a política de audiovisual pode funcionar, que tem algum critério, que ao menos escapou de armadilhas como essa.
No lugar do Mainardi, eu continuaria usando o filme como argumento contra as leis de incentivo fiscal. Mas de maneira diferente. Diria que, se essa política continuar, corre-se o risco de o Estado acabar financiando filmes ruins como “Mater Dei”.
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA !!!
Magistral o post. Você é mau, hein? “Finado Godard”?
Eu até gostei de Je Vous Salue Marie, achei que está a milhas de qualquer intenção de “chocar” — não que eu você tenha dito isso.
Valeu pela dica.. Dinheirinho não gasto!
Ao contrário de Sandra, senti vontade de ver o filme!
agora é que não vou assistir mesmo!
fico só com a coluna dele.
será que é por isso que esse menino diogo é tão revoltado da vida? tadinho.
Obrigado, Rafael. menos um para ver.
É curioso que Mainardi tenha utilizado o cinema como forma de expressão, ainda mais sem sair das lugares-comuns de sexo e autobiografia, tão comuns e batidos por aqui.
Acho que quem é “Contra o Brasil”, deveria distinguir-se por algum aspecto original, não?
Abraço.
então é cpaz que eu goste.
:>)
Mainardi fez um filme?! novidade pra mim…Jabor de cineasta vira colunista, Mainardi de colunista cineasta…algo cheira a semelhança?
Abraço
Rafael,
de quando em vez o Canal Brasil exibe a obra. Já tentei algumas vezes e não consegui. Mas, sou brasileiro e não desisto nunca.
Agora, quanto a Diogo Mainardi, toda vez que vejo o referido tenho uma certeza: ele foi um menino criado com vó que, de chinelo e meia, ficava cuspindo e dando língua para as pessoas na rua. Só isso.
Vi o trailler e não me encantou. Enquanto o roteiro continuar sendo encarado como um luxo supérfulo, vamos ter que encarar filmes como esse.
gd ab
Odeio dizer isso, mas concordo com você.
vi hoje o filme achei o teu blog na busca. realmente é um filme pretencioso. dizer que não se utilizou de recursos do governo, mas usou de seu trabalho numa revista como a veja, não muda muito não. é fruto do sistema do mesmo jeito e de um veículo de comunicação igual ao filme, polêmica pela polêmica. kitsch ao extremo. beijos, pedrita
mas a cena da enrabada, ao menos é boa, tipo aquela de instinto selvagem, ou nem isso salva?
ahhh …..