É curioso que já vá fazer 30 anos, mas 1979 foi o Ano Internacional da Criança.
A ONU tem dessas coisas, de vez em quando escolhe um ano e o dedica a um tema. Só foram acertar naquele ano, quando finalmente conseguiram algo que mobilizasse as pessoas. Mas tentaram muito até lá. Começaram em 1957 e de lá para cá houve anos importantes como o Ano Internacional do Arroz, em 1966 e novamente em 2004, e o Ano Internacional das Montanhas, em 2002.
Em 1979 eu não sabia de nada disso. Não sabia sequer que aquele também era o Ano Internacional de Solidariedade com o Povo da Namíbia, e acho que não havia muita gente mais que soubesse — talvez nem o povo da Namíbia, a quem deveríamos prestar nossa solidariedade inexistente. Não sabia que o secretário geral da ONU era Kurt Waldheim, de passado obscuro sob o signo da suástica nazista. Nada disso importa, no fundo, não a mim. O que interessa, mesmo, é que ainda hoje, quase 30 anos depois, lembro de tanta coisa que às vezes é até difícil admitir que já faça tanto tempo.
Ao contrário dos outros anos — quem em sã consciência pensaria comemorar 2006 como o Ano Nacional dos Desertos e da Desertificação? —, parecia que todos estavam comemorando. Mesmo um país como o Brasil, que naquele ano celebrava algo mais importante, a Anistia, parecia ver o Ano Internacional da Criança como algo único. Ou pelo menos assim parecia a quem, como eu, via na TV e nas revistas uma enxurrada de menções ao Ano, e a Declaração dos Direitos da Criança parecia estar em todo lugar. Declaração que vasculhei para tentar descobrir alguma coisa com que descolar algum dinheiro de meus pais; mas não que consegui mais que alguns argumentos vagabundos para eventuais manhas ineficazes.
As revistas em quadrinhos que eu comprava traziam o selo do Ano, comerciais de TV pretendiam amolecer os corações embrutecidos de adultos, que então deveriam se tornar suscetíveis àquela conversa boba de trazer de volta a criança que há em cada um de nós. Do ponto de vista de quem era criança em 1979, era como se de repente todo o mundo tivesse prestado atenção à nossa condição. Ser criança então parecia ser algo bom, e o mundo voltava seus olhos para nós. Parecia que éramos promovidos repentinamente, e de bibelôs incapazes nos transformávamos, finalmente, em gente pequena.
Para um menino criado no Porto da Barra a mensagem era destinada a gente como eu, que tinha casa, carro e motorista, e que merecia ter seu papel na sociedade reconhecido e valorizado. Sobrevalorizado, na verdade. O que quer dizer apenas que eu não entendia nada, e não sabia do drama das criancinhas africanas ou vietnamitas, não sabia que era a elas que se destinava a iniciativa da ONU. Sinceramente, e que me perdôem o meu coração insensível e cruel, o destino delas pouco me interessava; naquela hora outras coisas me chamavam a atenção, como completar a minha coleção de Playmobil do faroeste. As casinhas — saloon, drugstore — eram caras e eu nunca tive uma delas.
Pode parecer saudosismo bobo, mas nunca mais houve um Ano Internacional como aquele. Dois anos depois foi a vez de se comemorar o Ano Internacional do Deficiente Físico, e houve algumas tentativas de dar a ele algo da importância de dois anos antes. Mas o mundo gosta mais de crianças que de aleijados, porque crianças parecem, para alguns, o símbolo máximo da renovação, uma promessa ainda não cumprida. Essas pessoas que idolatram os párvulos parecem esquecer que Hitler também foi criança, e que Klara Pölzl teria feito um grande favor ao mundo se, ao ver que tinha um pão no forno, se tivesse entregado aos cuidados de uma fazedora de anjos.
Talvez seja. Mas eu, teimoso como todas elas me dizem, continuo achando que nunca mais houve um ano como aquele. E quem quiser provar que eu estou errado tem uma boa chance ano que vem, e pode comemorar, alegremente, o Ano Internacional da Heliofísica.
Em setenta e nove eu já era quase-gente, digo, já tinha deixado de ser público-alvo da camapanha.
Nasci no ano internacional da criança e meus pais compraram disquinhos coloridos, flâmulas, revistas, tudo comemorativo pra lembrar… e tenho até hoje. 🙂
Vc me inspirou a escrever um post:
2007, o ano em que ganharei mimos
Quem sabe a realidade imita a ficção?
Beijos! 😛
Em 79 eu já estava fazendo criancinha.
Off-topic, mas descobri que meu dia de nascimento foi sacralizado pela ONU como Dia Mundial da Catástrofe Natural. Hum.
Olha, Ano Internacional da Heliofísica me parece o maior barato.
79? Não lembro praticamente nada daquele ano…
…só fui fabricada 3 anos depois…
Lembro q nesse ano meu irmão foi escolhido como a criança símbolo da cidade q morávamos, o moleque recém-nascido virou celebridade do dia pra noite provocando ciumeira em toda a gurizada! hahaha
É guerra? É guerra?
O meu aniverário é o Dia Internacional da Mulher!