Uma vizinha está ouvindo rádio. Deve ser a empregada, porque ninguém escuta rádio por aqui. Com exceção de programas noticiosos, rádio — ainda mais a uma altura dessas — é coisa que só se ouve no carro ou na cozinha.
Por alguma razão resolveram fazer um especial dos anos 80. Já ouvi New Edition (Is this the eeeend?), Berlin (Take my breath awaaaay), Culture Club (Mistake #3), Stevie Wonder (I Just Called to Say I Love You) Chris DeBurgh (The Lady in Red) e uma canção que assolou o Brasil em 1986, Yes, cujo cantor era um picareta brasileiro que fingia ser gringo, adotou o nome de Tim Moore e enrolou boa parte do Brasil; o Bia lembra dele bebendo caipirinha no camarim, antes de um show em Americana, enquanto resmungava: “Merda de cidade…”
A música de 20 anos passados interrompeu o Caruso que eu estava ouvindo. Não só por tocar mais alto, mas porque é um aviso de que estou ficando velho; lembro de quando essas músicas eram tocadas durante a programação normal, e não no que parece ser uma espécie de “Especial Para Caquéticos”. Essas notas musicais, boa parte das quais detestadas por mim já na época, me lembram também que quando cada geração chega à maturidade costuma usar a mídia para contar uma visão edulcorada de como os seus velhos tempos eram bons. Assim os anos 50 deram American Grafitti no início dos 70 e tudo o que se seguiu depois — Grease, Happy Days, e um revival completo nos anos 80. Era a visão tipicamente americana de um passado pretensamente dourado que o resto do mundo foi obrigado a engolir. Mais apropriadamente, era a saudade da classe média branca americana dos bons tempos de Eisenhower.
Antigamente demorava-se cerca de 15 anos (ou 3 gerações de consumidores) para que uma geração fosse entupida de lembranças cor-de-rosa, e muitas vezes falsas, de outra. Mas os órfãos dos anos 80 começaram cedo, porque ultimamente a juventude tem chegado chegado mais cedo ao poder. O primeiro sinal de recaída de que me lembro foi um filme com o John Cusack, Grosse Pointe Blank. Agora aqui e ali pipocam referências. Boa parte da revista Flashback, que conta com os textos brilhantes do Ina, é composta disso, de lembranças de uma década que, sabe Deus como, conseguiu definir uma identidade própria a partir de retalhos de décadas passadas.
Tudo isso me lembra quão ruins foram os anos 80.
Que ninguém me entenda mal. Não é que não goste deles. Tenho boas lembranças daqueles tempos, no fim das contas: foi nessa década que passei a adolescência e, como diz o Roger Ebert, a adolescência é o período mais miserável na vida de uma pessoa, embora depois nos lembremos dela com saudade. Com o tempo, as pessoas transformam experiências terríveis como andar a pé, fazer sacanagem na cama dos pais da namorada ou rodar a cidade atrás de mulher em boas lembranças, de um tempo que já passou.
Mas que os anos 80 foram uma droga, foram.
Há algo de muito errado na ordem cósmica quando os dois maiores ícones de uma geração são Madonna e Michael Jackson. Este a gente já sabe no que deu, mas não vamos ser injustos creditando sua degradação aos últimos tempos: ele nos avisou do que vinha pela frente. Nos anos 80 o sujeito usava uma jaqueta de couro vermelho e uma luvinha branca e brilhosa na mão, com o cabelo eternamente solto e molhado por uma tonelada de gel; algum ingênuo esperava que ele melhorasse?
Quanto a Madonna, cada vez que vejo as roupas que ela usava fico com duas sensações: a de reconhecimento, de ter feito parte daquela era, e a certeza de que aqueles são os trapos que usaria uma mulher sexualmente reprimida que pirou o cabeção e resolveu nos dar a sua versão ensandecida de uma puta. Isso pode ter lá seu significado social e histórico; aquele crucifixo sexualizado pode até ser uma ofensa aos puritanos americanos. Mas além de dizer pouco a brasileiros que há séculos se despedem de suas virgindades encostados no muro da igreja, tudo aquilo era absolutamente brega. Era como se quatro estilistas cafonas acumulassem, sobre a lourinha da voz esganiçada, os seus conceitos lisérgicos de mau gosto.
Um consolo é que as roupas da Madonna podem ter sido imitadas pelas adolescentes de miolo mole nos EUA da época, como a gente costuma ver nos filmes, mas aqui no Brasil éramos mais comportados. Isso não quer dizer, no entanto, que tivéssemos bom gosto. Ah, não. Os anos 80 foram a década do rosa-choque e do verde-limão, provavelmente as cores mais medonhas já criadas — tanto que a Mãe Natureza, que tem lá sua carga de bizarrices, não ousou criá-las –, e que, como se sua própria feiúra não fosse suficiente, normalmente eram usadas ao mesmo tempo. Foram a época dos jeans verdes, de estampas berrantes que chamavam de new wave e que vilipendiavam a memória do finado Godard, das ombreiras, e mais tarde das saias balonê. Os anos 80 foram uma década de confusão e mau gosto.
Mas as coisas sempre podem piorar, e pioravam. Talvez nada disso fosse pior que os blazers com mangas dobradas copiados de Miami Vice, ou as barbas por fazer inspiradas no Mickey Rourke de “9 1/2 Semanas de Amor” (provavelmente a maior fraude erótica de todos os tempos). Como dizia uma antiga música de McCartney, no one left alive in 1985. Nos anos 80, era in ter cara de traficante cubano vagabundo da Jecolândia.
E os cabelos. Os cabelos. Mulheres com cortes que lembravam poodles epilépticos; homens com cabelos curtos mas compridos atrás, moda lançada a nós botocudos pelo Evandro Mesquita. As jubas piolhentas e embaraçadas dos hippies, em comparação, pareciam muito melhores; pelo menos exprimiam uma atitude. Não que aquele corte oitentista não tivesse nenhuma; o problema era saber qual.
Deus do céu, como é que alguém pode ter saudade daquilo?
Fãs dos anos 80 costumam lembrar de bandas como Smiths e U2 para mostrar que aquela, afinal, não foi a década perdida.
Duas bandas.
Acho que consigo lembrar de mais: Poison, Mötley Crue, Menudo, A-ha, Mr. Mister, Dominó, Tremendo, Dr. Silvana, Olivia Newton-John, Toto.
Chega. Bastam esses para lembrar que foi preciso que o grunge aparecesse para que a música pop fosse resgatada de um longo e tenebroso inverno.
Mas o que se poderia esperar de uma década que começou com um maluco dando cinco tiros em John Lennon?
Os anos 70 foram a década em que surgiram cineastas como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Os anos 80 foram a década de John Hughes.
(Deixa-se aqui de lado a estética publicitária no cinema patrocinada pelos irmãos Ridley e Tony Scott e outros; isso é terrível demais para ser abordado assim, sem aviso.)
Alguns dos maiores sucessos da época foram dirigidos ou escritos por Hughes. “A Garota de Rosa Shocking”, “Gatinhas e Gatões” e “Curtindo a Vida Adoidado” são alguns dos filmes aos quais a gente recorre quando quer lembrar do que foram aqueles anos miseráveis.
(The Breakfast Club, talvez o filme mais “cabeça” dessa fornada, tinha originalmente duas horas e meia de duração. O estúdio, achando que ia ser um fracasso, cortou 50 minutos. O resultado é o único filme do Hughes que poderia ser bom, mas que parece episódico demais; essa é a explicação que encontro para rever o filme e achá-lo ruim.)
Não é que eu não goste desses filmes. Todos eles têm a capacidade de me lembrar uma época que vivi e que já passou há muito tempo. Queira ou não, eu estava presente aos anos 80.
Mas o fato de gostar de Some Kind of Wonderful, por exemplo, não faz com que ele se transforme miraculosamente em bom cinema. O melhor que se pode dizer desses filmes é que eles retratavam a juventude da época. Certo, e “Barrados no Baile” retrataria a juventude dos anos 90 nos mesmos termos. Além disso, é bom lembrar que “Sabrina”, “Júlia” e “Bianca” também retratam o amor. O problema é que “Sabrina” et al não são exatamente um soneto de Shakespeare, e juventude por juventude é melhor dar uma olhada no que Nicholas Ray andou fazendo 30 anos antes. Um antropólogo que tentasse compreender a juventude dos anos 90 a partir de “Barrados no Baile” concluiria que éramos todos todos estudantes lindos e ricos; se fizer o mesmo com os filmes de John Hughes vai ter a certeza de que éramos um bando de alienados fúteis com algum problema no juízo.
(E então lembro da diva dos anos 80: Molly Ringwald. A garota de rosa-choque. Diva adequadíssima à época: insípida, insossa, inodora. Nunca entendi por que investiram nela em vez de em delícias como Kelly Preston, cuja cena nua em “A Primeira Noite de Jonathan” é a única coisa que presta em um filme bobo. De qualquer forma, hoje ninguém ouve falar em Molly Ringwald. Tudo o que sei da ruiva é que mal começaram os anos 90 e a tonta cometeu duas grandes bobagens: dispensou os papéis principais de “Uma Linda Mulher” e de “Ghost”. As atrizes que fizeram esses filmes todo mundo sabe onde estão. Mas duvido que alguém saiba onde anda Molly Ringwald. Sumiu, coitada, como os anos 80 deveriam ter sumido.)
As pessoas podem até ter saudades dos anos 80. Acho que eu tenho, também. Mas isso deve ser uma versão degenerada da síndrome de Estocolmo. Talvez os anos 80 tenham sido tão ruins que as pessoas se acostumaram. Ou, o que é mais provável, do que as pessoas têm saudades é de um tempo em que eram melhores do que o que se tornaram. E nesse caso, não é dos anos 80 do que têm saudades. Elas têm saudades é de si mesmas.
Originalmente publicado em 30 de junho de 2005
A meia-vida da nostalgia está caindo rapidamente!
Dos anos 80 só valeram por causa dos Menudos.
Grande post, meu caro Rafa
gd ab
Rafael, você é mesmo um arguto, quase me convenceu. Mas depois de passado o embevecimento de suas palavras, penso que tudo(quase) que lembra da infância e da adolescência compulsoriamente traz saudades. Naqueles tempos érramos encantados. Agora até lembrei Fernando Pessoa: “(…) Sei que na infância de toda gente ouve um jardim, particular, público ou do vizinho sei que brincarmos era o dono dele e que a tristeza é de hoje”.
Rafael, uma das delícias da minha vida é ler blogs. O seu há muito tempo linkado no Nós Por Nós não me apetecia por motivos que eu não tenho a menor idéia. O seu nome e de outras pessoas também estavam lá por indicação da Viva. Até que a Luma me presenteou com o Bloggente e deixou lá todos os links do Nós Por Nós. Eu não sabia que ela tinha a intenção de que eu tivesse um blog só meu.
Pois bem, dona de um blog só meu, fui lá conferir todos os links para saber se eles ficariam ou não e qual não foi a minha surpresa quando eu comecei a curtir o seu e agora virei refém. Lastimo esse tempo perdido.
Toda essa declaração de amor é para dizer que você é DEZ. Outra coisa legal é que o mundo virtual faz com que tenhamos a mesma idade, ou melhor, não temos a mesma idade, mas os nossos sentimentos, emoções, sonhos e carências têm a mesma idade.
Não fui adolescente nos anos 80 porque nasci em 1954, mas adorei o que você escreveu sobre a década que foi considerada perdida. Caso tivesse sido da mesma época, teria a mesma impressão sua.
Beijocas
Eu amo os anos 80 e não preciso novamente chover no molhado e declarar minha paixão desenfreada por ele.
Adoro tudo, até a incerteza e a apatia que pairava sobre tudo e todos.
Tenho um verdadeiro arsenal de músicas dessa época, apesar de pender mais pro lado gótico/alternativo (que fui viver nos 90 afinal) eu tenho que dizer que Madonna me influenciou em MUITO. Odeio a voz dela, sei que era e ainda é péssima cantora, mas pra mim ela teve um papel crucial na quebra de paradigmas, em ter culhões de se assumir o que se é e o que se faz/fez, que refletem em minha personalidade até hoje. Além de ser uma empresária que rege suas empresas com mão de ferro, é exigente, uma carrasca nos negócios. E rica até o fim do mundo… Eu adoro Madonna. Adoro, adoro…
Eu lembro do cinema tb, adorava, adoro até hj, curto muito todo o clima, me faz sentir imensamente bem. Me sinto em casa.
E eu tenho que confessar: apesar de todo o meu conhecimento musical eu sou fã cega e absoluta de bandas de rock farofaaaaa: Poison, Cinderella, Def Leppard, Foreigner, Asia, Phenomena 2…ahhh adoro, sei todas as músicas de cor..enfim.
Eu vivi os 80. Cada minuto dele…minah vida não era lá muito boa naquela época, mas a música e a indústria do entretenimento aplacaram um pouco as coisas pra mim…sou grata e nostálgica por isso.
E vc é o máximo
Pfff, Molly Ringwald como musa realmente resume a década de 80! Deprimente
Esse filme da primeira transa de jonathan é um que se passa nos anos 50, em que um nerd fica amigo de um transviado? Kelly Preston é a loirinha que ele come?? Tem razão, aquela menina sim valia a pena como musa
o veríssimo conta que pegou trauma de carnaval depois que sua mãe o fez vestir uma roupinha de arlequim para uma matinê.
…
eu tenho trauma de mim mesmo por causa dos anos 80.
:>)
Uma das coisas mais vergonhosas de ser adolescente na década de 80 é que os namorados tinham mullet….e a gente achava lindo.
Tb…o que uma garota de ombreiras enormes,cores berrantes e gel no cabelo poderia fazer?
Deliciosamente jacu.
Oi Rafa! Venho sempre aqui, mas nao me lembro de alguma vez ter comentado….
mas esse teu post está realmente muito bom, realmente um retrato do que foram os anos 80. Eu vivi muito disso, no começo da minha adolescencia, embora tenha participado um pouco mais ativamente dos anos 90, um pouco mais velha.
Mas sabe, Madonna era o máximo quando eu tinha uns dez anos e eu e minha irma constumavamos fazer “coreografias” e dançar nas festas da familia (mico??? nao, magina…), entao, nao tem como nao ser importante… e gosto é gosto, nao adianta a gente analizar…. e eu AMAVA Poison com todas as minhas forças adolescentes, e sonhava que me casaria com o Bret Michaels, pq ele certamente se apaixonaria por mim tb, no momento em que ele me visse… e eu tenho as minhas pastas com milhoes de fotos e reportagens da Metal Edge, Kerrang!, Circus e todas as outras revistas do genero daquela época (essas revistas ainda existem? nunca mais vi…) well, faz parte da minha vida, e por pior que tenha sido “tecnicamente” falando, eu me lembro com grande carinho dessa época e ler este post foi muito, muito bom.
Baby, sucesso imenso pra voce em tudo, adoro você!
Beijos
Acho que as pessoas tem saudade, ou melhor, nostalgia, de épocas que não viveram.
Também acho que não dá pra ter saudade daquela época. Era uma merda, e o que salvava é que a gente era jovem, por isso dava pra aturar. Eu dava pra aturar pra caramba!
Aliás uma boa parte das pessoas já tinha consciência da cafonice reinante então. Esse gosto musical e essa estética não era assim unânime. A galera do rock, do raggae e do bagulho não usava nem assistia a filmes rosa-chocking.
Comparados com os anos 70, então, em que um maior número de tendências coexistiam e um dos preceitos hippies – a estética dominante – era justamente não ligar para o que os outros pudessem pensar… os oitenta deveriam ser deletados da história da humanidade.
Acho que a primeira vez que vc postou esse seu texto eu comentei tb.
Hoje venho só dizer que dia desses eu reassisti os peitinhos (que licença, peitões) da Kelly Preston. Foi no Intercine na Globo.
Abs.
Olá, cheguei no seu blog por acaso. Gostei muito do seu texto. Estava a conversar com uma amiga ontem sobre isso, e seu post MATERIALIZOU minha opinião. È bom saber que existe lucidez para além dessa estranha apologia aos 80’s. Obrigada!
Eu acho que a decada de oitenta e mais uma como as outras cada epoca tem seus costumes suas roupas seu estilo de maquiagem o cinema acompanha um roteiro do que se vive no periodo em que ele ta sedo produzido enatum naum acho nada de mais na decada de 80 apesar de respeitar sua opiniao…acho que os anos 80 foi uma transiçao da tecnologia de ideias novas novo conceitos e etc…naum acho nada absurdo o que aconteceu la. So pra voçe ter uma ideia imagine oque as pessoas daqui 20 ou 30 anos vaum pensar de nos hoje em dia vao rir e achar tudo estupido assim com voçe acha da decada de 80.
Fiquei curioso com essa estória do Tim Moore.
Parece que ele era ele mesmo…não sei se isso é bom ou ruim…rsrs
http://en.wikipedia.org/wiki/Tim_Moore_(singer,_songwriter)
fala ai cara , gosaria de saber qual o significado da musica yes de tim moore e para quem ele canta?
se puder me dizer agradeço valeu .
Texto idiota
Os anos 80 foram os melhores
Pois hoje em dia nenhuma musica presta eu tenho 20 anos e so curto musica dos anos 80 e 90
Deveriam mesmo inventar uma maquina pra deletar os anos 80 sabe por que?
Por que os anos 70 e as outras decadas nem será preciso pois todas passaram batidas mesmo hauahuahuaha
Viva os anos 80 uhuuuuuuuuuuuuuuuuuu