E a dancinha da Angela Guadagnin foi parar na capa da Veja.
A Veja é a revista que publicou uma das matérias jornalísticas mais absurdas da história do jornalismo político do país, a dos “dólares de Cuba”. Uma matéria inteira sem nenhuma prova, mas principalmente sem sequer uma testemunha. Ninguém havia visto dólar nenhum. Mas isso não importava para a revista. Vale qualquer coisa quando se está em campanha.
Não que a dança da deputada seja elogiável. Mas o que eu vi, no fundo, foi uma senhora comemorando a absolvição de um amigo. É curioso que o Congresso tenha declarado um deputado inocente e pretenda levar alguém à Corregedoria da Câmara por ter comemorado justamente essa sentença. Mesmo isso até seria aceitável, se eles se mostrassem indignados assim cada vez que deputados se estapeassem no Congresso ou xingassem suas respectivas mães. Os critérios, no entanto, são diferentes. Talvez eles prefiram o Schadenfreude. Talvez apenas tenham aproveitado a chance de jogar mais lama no governo.
O problema é que se chegou a um ponto em que todos os que apóiam o governo são culpados, mesmo com prova em contrário.
Por exemplo, qualquer pessoa que conheça um mínimo de política e de eleições sabe que é bem provável que alguns dos deputados acusados de envolvimento com o valerioduto sejam inocentes: gente que pressionava o partido para receber algum dinheiro para pagar suas dívidas e não estava necessariamente envolvida com o esquema. Aposto, por exemplo, que a Heloísa Helena não se perguntou, enquanto tentava se eleger senadora, de onde vinha o dinheiro que Delúbio lhe dava.
O Guto lembrou que se fosse uma deputada do PSDB a dançar, o PT estaria fazendo um terremoto. Provavelmente. Mas é também o caso de perguntar o que é que estão fazendo agora. Porque se isso não é um terremoto artificial, eu não sei mais o que é a escala Richter. Então o problema fica reduzido ao seguinte: o PT deve ser esculachado por ter feito seus terremotos, mas a oposição não pode ser, por fazê-los.
Principalmente nesses últimos meses, tem impressionado a total inversão de valores. Chegou-se a um ponto em que tudo o que se disser do governo é necessariamente verdade. Um ACM Neto pode ameaçar bater no presidente da República, indignado com os rumores de grampo, esquecendo que seu avô é o sujeito que grampeou a Bahia inteira por causa de sua amante. Agora toda a oposição é honesta, e todo o governo é ladrão.
Essa dubiedade é ainda mais interessante no caso da queda de Palocci, depois do que foi o cerco mais longo da história de todo o Ministério da Fazenda.
De todos os episódios da crise, nada pareceu tão canalha quanto o depoimento do caseiro Francenildo Pereira. Podia-se sentir que Roberto Jefferson falava a verdade, ou parte dela. Mas tudo no caso do caseiro tem cheiro de mentira e de armação. No entanto, ainda assim as pessoas parecem acreditar que o dinheiro que apareceu em sua conta é realmente de um pai que nunca o viu, nunca assumiu a paternidade mas, num arroubo de generosidade e instinto paterno, lhe deu um bom dinheiro às vésperas de um depoimento importante. Isso nunca é questionado, porque não interessa a ninguém.
(E é impressionante a incompetência do governo no gerenciamento dessa crise. Em vez de divulgar o extrato bancário do caseiro, era melhor simplesmente pedir a sua quebra de sigilo, mostrar que ele recebeu dinheiro e depois se perguntar o que ele andou fazendo no gabinete de Antero Paes de Barros. Partia para o contra-ataque de uma forma muito mais competente.)
Eu, pelo menos, gostaria de saber quem foi o sujeito que, provavelmente numa sala esfumaçada e diante de uma garrafa semi-vazia de Logan, teve um estalo e lembrou que foi alguém igualmente humilde — e parte-se do princípio esquisito de que pobre não mente –, o motorista Eriberto França, que ajudou a derrubar Collor. Porque esse sujeito merece algum respeito: pela lembrança, pela falta de escrúpulos e por ter sido um leitor aplicado do primeiro parágrafo de “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”, aquele em que, citando Hegel, Marx diz que os grandes eventos da história se repetem como farsa.
Esse, talvez, seja o papel da oposição.
Mas talvez fosse o caso de perguntar pelo destino desconhecido do “republicanismo” e da “oposição responsável” desse pessoal, tão alardeados quando não ainda tinham o que dizer do governo. A investida contra Palocci teve um objetivo único e claro: desestabilizar um governo que mesmo com toda a crise tinha conseguido crescer em aprovação pública porque, apesar das negativas da oposição, vem fazendo, sim, um governo administrativamente e socialmente competente. Não se trata aqui da culpa ou não do PT, até porque a essa altura isso são favas contadas, mas de algo que este blog diz há muito tempo: que a oposição do PSDB/PFL nunca teve nada de “republicana”, que tudo é jogo político, interesses em um jogo pouco liso de poder.
Originalmente publicado em 30 de março de 2006
Excelente post, oportuno à época em que foi escrito, e ainda atual em dias de julgamento de mensalistas…
“Essa dubiedade é ainda mais interessante no caso da queda de Palocci, depois do que foi o cerco mais longo da história de todo o Ministério da Fazenda.”
Paradoxalmente, ao derrubar Palocci a oposição arreganhou as porteiras do Ministério da Fazenda para a companheirada (que antes era mantida a uma saudável distância, exceto por um ou outro petista esclarecido, como o Appy) – o que acabou se refletindo na (queda da) qualidade da política econômica, que deu uma guinada à esquerda desde então.
E desde então os últimos Jedis vivem escondidos.