Eu não conhecia o Rottentomatoes, site que atribui notas a filmes em votações populares. (Na verdade estou ao largo de boa parte da evolução da internet nos últimos anos, e a propósito uso celular apenas para fazer e receber ligações.) Descobri que ele existia através de um post em que o Hermê falava da aprovação recorde, ali, de “WALL-E”, o novo desenho animado da Disney/Pixar. Depois vi várias referências ao site que tinham passado despercebidas por mim.
Assisti a “WALL-E”, ontem. Ótimo filme, certamente melhor que o “Kung Fu Panda” que vem por aí, com a mesma fórmula batida. Mas é só isso: um bom filme. Uma história previsível — como afinal deve ser em um desenho animado para crianças — com pelo menos um bom elemento narrativo: as idas e vindas do namoro dos dois robozinhos, WALL-E e EVA, são mostradas de maneira sensível e doce.
E isso é tudo. Nenhuma novidade real além da evolução técnica da animação computadorizada. Nenhuma revolução técnica. Nenhuma invenção narrativa. Não é “Rei Leão”. Não é “A Bela e a Fera”. “Branca de Neve”, nem pensar. Não é à toa que a maior parte das resenhas publicadas por aqui fala de questões técnicas como movimento de câmera — assim como falavam da textura dos pêlos dos personagens em “Monstros S.A.”
Mas segundo o Rottentomatoes, esse filme é genial. 96% de aprovação, feito raro naquelas paragens segundo informa o Hermê.
É esse o problema nesse tipo de site e de atitude: o nível de avaliação crítica do Rottentomatoes é inexoravelmente baixo. É um exemplo já clássico de uma tendência cada vez mais consolidada de utilizar o julgamento comunitário em detrimento da opiniões de “especialistas”. Ou seja, em vez de ler o que uma Pauline Kael tem a dizer, é melhor ver o que cinqüenta Zés da Silva acharam. Se 60% da humanidade gostou de um filme tipo “Homem de Ferro”, é porque o ele é necessariamente bom. É um raciocínio bastante lógico, ainda que simplório: as pessoas tendem a confiar cada vez mais nos seus iguais, porque assim acham que aumentam sua margem de segurança. É um processo análogo ao que faz você ler este blog meia-bomba em vez de castigar um Proust ou Dostoiévski ou o New York Times, mas não serei eu a reclamar disso.
Isso não é uma condenação generalizada do site. Certamente há boas resenhas ali dentro — mas seria preciso paciência de Jó para garimpá-las em meio a uma tonelada de opiniões tolas. Não vale a pena. É por isso que o Rottentomatoes e tudo o que ele representa são um mau sinal. Pode parecer elitismo, mas não é. As pessoas não vão assistir a bobagens como Transformers ou Indiana Jones por causa de suas qualidades cinematográficas, em primeiro lugar. Vão porque ir ao cinema é cada vez mais um evento eminentemente social — e é isso que vai impedir que salas de exibição se esboroem diante de televisores OLED de 60 polegadas. Sua função se limita cada vez mais ao entretenimento puro e simples, deixando de lado outras funções do cinema como arte; a crítica que sempre se fez à televisão, a de que entorpece seus telespectadores, é cada vez mais aplicável ao cinema. A média é ruim, muito ruim; e os nossos padrões estão cada vez mais baixos.
Quem gosta de cinema conhece muito bem a sensação de desconforto ao ouvir aquele amigo de gosto duvidoso elogiar um filme de, digamos, Steven Seagal. Só o fato de saber que são sinceros, que realmente gostam daquilo é o que nos impede de dar uma resposta malcriada. Isso e mais educação e o medo sempre justificado de levar uma porrada nas fuças. É esse tipo de público que está satisfeito com padrões como o do Rottentomatoes.
Sites comunitários como o Rottentomatoes apenas dão uma aparente legitimidade ao senso comum — à mediocridade, no sentido estrito da palavra. Legitima um mundo em que arte é medida em termos quantitativos. Gostamos cada vez mais de não destoar das estatísticas, de gostar do que todos gostam, de ter a força da opinião da maioria como desculpa por não termos mais nenhuma. O nome do site está correto: estamos virando, no fim das contas, um cesto de tomates podres.