Elegia ao rock brasileiro

Nunca fiz segredo de que sempre considerei os anos 80 uma pausa civilizatória e não entendia o saudosismo que cercava aqueles tempos, visto aqui e ali internet afora.

Talvez eu não fosse velho o suficiente para sentir esse tipo de saudosismo, e nesse caso ainda não sou agora.

Havia um porém, no entanto, que sempre omiti: eu também considerava aquela a melhor década do rock brasileiro.

Ele tinha percorrido um longo caminho. É impressionante a mediocridade do rock brasileiro dos anos 60, com as exceções de praxe. Os valores de produção ajudavam muito a estragar as coisas, é verdade; produtores desacostumados aos padrões que vinham sendo burilados havia décadas pelo blues de Chicago e pelo rhythm and blues não sabiam direito como gravar aqueles instrumentos elétricos e barulhentos. Mas não era só isso. Musicalmente estavam sempre uns bons anos atrás do que se fazia no mundo anglo-saxão, e apenas em alguns momentos podia-se adivinhar ali a tradição melódica ibero-brasileira. Liricamente estavam abaixo de Love Me Do, dos Beatles, mesmo se descontarmos a mania de a ordem dos verbos trocar para as letras poderem assim rimar — o que é ainda mais impressionante quando vemos a sua pobreza.

Mas o rock já tinha se tornado o mainstream da música internacional e aqui não seria diferente. Passando por alguns bons momentos nos anos 70, o rock brasileiro chegou aos anos 80 suficientemente maduro para se tornar o gênero dominante na indústria fonográfica.

E então aquela geração conseguiu algo fantástico.

Os anos 80 foram a última década em que a juventude brasileira se expressou em uma única linguagem, e essa linguagem era o rock. Olhando em retrospecto, isso talvez tenha sido possível porque a periferia olhava de longe o show, a pobreza não tinha voz (se isso era bom ou não são outros quinhentos). Os meios de produção eram caros, e os de distribuição eram limitados; isso permitia que gravadoras, rádios e emissoras de TV definissem o que o país iria ouvir. Claro que mesmo então havia outras linguagens tentando se afirmar, e Thaíde e Racionais são exemplos óbvios. Fora do eixo Rio-São Paulo, havia movimentos novos como o axé music na Bahia, talvez mais válido em termos socioculturais do que propriamente musicais. Mas eram apenas nichos. A música daquela geração foi o que hoje chamam de Rock BR.

O rock conseguiu o que a Tropicália não conseguiu, por exemplo. Rico ou pobre, branco ou preto, era na música cantada por bandas como RPM, Paralamas do Sucesso, Titãs que aquela juventude se reconhecia e tentava passar sua mensagem para o mundo. Não que fosse grande coisa, que adolescência é uma das piores invenções do século XX; mas era um fenômeno importante que não se repetiria.

E justiça seja feita: mesmo inferior à tradição brasileira, era uma música com uma preocupação lírica maior do que hoje. Se comparadas a um tempo em que rebolar um rabo cheio de celulite virou arte e feminismo, e em que mediocridades desafinadas como Johnny Hooker se sentem no direito de criticar um Ney Matogrosso apenas porque compensam a ausência de talento com a adequação a um discurso político adequado, as letras do rock brasileiro dos anos 80 eram dignas de Bob Dylan.

Mas o tempo foi muito malvado com os roqueiros brasileiros dos anos 80 — pensando bem, não é com todos nós?

A mera passagem do tempo e a derrocada da indústria fonográfica fizeram com que uma geração inteira tivesse uma velhice menos admirável do que sua juventude e sucesso prenunciavam. Um integrante do Zero andou ganhando a vida por uns tempos em Aracaju — agora ele sabe. O Ultraje a Rigor virou uma oficina de estultícies e termina sua carreira como o Caçulinha de um dos comediantes mais medíocres e patéticos que este país já produziu, Danilo Gentili. Luiz Schiavon, do RPM, pelo menos durante algum tempo se tornou o Caçulinha ipso facto, tocando na banda que animava o programa do Faustão.

A perversidade do tempo, no entanto, não é o bastante para explicar a deterioração ética desse pessoal.

Um dos fenômenos mais curiosos é a facilidade com que a maior parte deles, em idade provecta, passou a se espojar politicamente na direita. O número de relíquias dos anos 80 que hoje adota posições que pareciam inimagináveis 35 anos atrás é impressionante, e não para de crescer.

Certo, há as exceções, e gente como Clemente, João Gordo e Leoni mostra que nem tudo foram espinhos. Mas de modo geral, aquele pessoal do rock envelheceu de maneira vergonhosa e reacionária.

A verdade é que, se alguém não entende como isso aconteceu, é porque não quer.

Nos EUA e na Inglaterra, as bases do rock eram populares. Nos EUA, o rock acabou sendo apropriado pela classe média branca e a indústria cultural da música leve negra, mas nunca deixou de lado a sua origem popular. Na Inglaterra, com um sistema de classes diferente, o rock tinha a mesma base social do hip hop brasileiro hoje: era uma juventude proletária que encontrou no skiffle, e depois no rock, um meio de expressão adequado e que o enriqueceu com a sua própria tradição musical.

Mas se nos EUA ou na Inglaterra o rock and roll era música de garotos pobres, a sólida tradição musical brasileira o relegou inicialmente a uma parcela de uma das elites mais vira-latas do mundo, sempre com os olhos fixos no que vem de fora, o mais longe possível do que lhe pareça popular. Do ponto de vista social, o equivalente musical do rock no Brasil é a música brega: Odair José, Fernando Mendes, Carlos Alexandre. Gente que cumpre a profecia antropofágica oswaldiana e digere e regurgita aquilo que engole. Não foi à toa que o rock no Brasil se afirmou primeiro em São Paulo, terra de parcas referências musicais e um alentado provincianismo cultural que confunde com cosmopolitismo. No Brasil, o rock se transformou em música de menino rico empurrada goelas dos meninos pobres abaixo.

Essa equação, infelizmente, tem mais variáveis. No mundo inteiro, roqueiro tende a ser muito ignorante, e aqui não seria diferente. Parece achar que a única música que presta é o rock e raramente se aventura muito além dele. Nos anos 70, declaravam guerra à discothèque; nos anos 80, as revistas que eu lia estampavam orgulhosamente em suas capas que ali não entrava Menudo. É o mesmo pessoal que chama o dia em que Buddy Holly, Ritchie Valens e Big Bopper morreram num acidente de avião de “o dia que a música morreu”: 2 de fevereiro de 1959. Se morreu, não avisaram e ela seguiu em frente: 1959 é o ano de três dos meus discos preferidos, Kind of Blue, Time Out e Mingus Ah Um, e alguém deveria escrever que esse foi, talvez, o mais fantástico ano da música popular em todos os tempos. Apesar dos garotos com a cara enterrada na neve, a música ia bem, obrigado.

(Essa ignorância e insularidade sempre se refletiram na baixa qualidade da crítica de rock. Mesmo luminares como Lester Bangs, Robert Christgau ou Jon Landau sempre fizeram uma crítica subjetiva, limitada, às vezes mesquinha. No Brasil era ainda pior: de Maurício Kubrusly e Roberto Mugiatti [de quem eu gostava muito por ser fã dos Beatles] na Somtrês à súcia que se amontoava na Bizz, o que faziam era mau jornalismo e má apreciação musical.)

Desde o início, o mundo do rock brasileiro sempre foi o do adolescente rico ou de classe média. Esses sempre foram os seus valores. Era essa a sua revolta. Eu não sei onde a Paula Toller morava, mas certamente não era em Parada de Lucas. Romance e sexo, o gap geracional e as elucubrações existenciais limitadas a que se entregavam enquanto coçavam o saco em seus quartos eram a base de suas letras.

Basta olhar para a produção da maior banda dessa geração, a Legião Urbana. Se cantavam “Que País é Este?”, não iam além do que mesmo hoje qualquer bolsominion entende como verdade absoluta — todos são corruptos, nada presta, ajudai-nos, São Moro. Mas o que cantavam mesmo eram as dores da adolescência, a dor de cotovelo com uma cara nova. Eu, pelo menos, sempre achei estranho um sujeito de trinta e poucos anos cantar que ia fugir de casa e que seus amigos estavam procurando emprego. Já era hora.

É sintomático também que entre os roqueiros dos anos 80 abundassem os instrumentos importados de primeira linha, Fenders e Gibsons e Rickenbackers, numa época em que importações eram proibidas e o comum dos mortais se aventurava em Gianninis e Goldens — enquanto o pessoal que tocava em puteiros se virava com as Tonantes da vida, muitas vezes com proficiência admirável.

Muitos anos atrás, numa mesa de bar com o vocalista de uma dessas grandes bandas paulistas dos anos 80, fiquei impressionado com o fato de que, bem avançado nos seus 40 anos, o rapaz se comportava e tinha valores de adolescente. Tinha orgulho de sair no tapa com as pessoas, tratava mulheres como um garoto imaturo trataria. Parece fazer parte da cultura rock um apego trágico, até um tanto ridículo, a uma adolescência que deveria passar suavemente mas à qual se agarram como a uma tábua em alto mar.

Música feita por meninos “ricos” e bobos. O que podia dar errado?

O resultado foi uma música cujo universo lírico, mesmo em seus momentos, nunca esteve muito além das preocupações de classe média. Era um universo limitado, pequeno, mesquinho. Quem se der ao trabalho de comparar as letras do samba ao longo de sua existência com aquelas ficará abismado com a diferença de qualidade e de percepção do mundo.

Quando um Ultraje a Rigor cantava a rebeldia adolescente, era com o viés deletério de “Inútil”, o mesmo viés que vimos novamente há pouco tempo, nas carreatas de ricos com máscaras pedindo o fim do isolamento social contra o coronavírus porque seriam os pobres a morrer, ou as preocupações menores e individualistas da classe média como “Rebelde Sem Causa” ou “Ciúme”. Se se posicionava em relação aos costumes com “Sexo”, por exemplo, era sempre um posicionamento que refletia, antes de tudo, os valores individualistas da classe média. E na maior parte das canções que chegavam a tocar no aspecto político, raramente saiam das platitudes expressas pela sua classe. Os Engenheiros do Hawaii prestavam “atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada”, bradavam que “toda forma de poder é uma forma de morrer por nada” e ordenavam “ouça o que eu digo, não ouça ninguém”. O niilismo dessas canções refletia um estado de espírito típico da juventude. Mas representavam principalmente um viés de classe que, à época, podia ser facilmente incorporado pelos mais pobres e adquirir uma ilusão de universalidade.

Não é à toa que a segunda onda do rock brasileiro nos anos 80, vinda de Brasília e integrada por filhos da elite dos funças, ostentava letras que deviam muito à concepção de mundo que o serviço público traz, mas também com olhos e ouvidos firmemente voltados para uma viela qualquer em Manchester, sempre mais chique que um beco no Vale das Pedrinhas (garotos que, imagino, conseguiam contrabandear instrumentos com mais facilidade).

O fato é que a rebeldia do rock brasileiro sempre fugiu do cunho social. Era a rebeldia ante o horizonte limitado da classe média, alheia a questões econômicas estruturais que não fizessem parte das preocupações de sua classe.

Olhando bem, a essência sociológica do rock brasileiro é exatamente a mesma da bossa nova: a classe média branca com uma visão muito própria do valor do trabalho e profundamente influenciada pela música internacional de elite. No caso da bossa nova era o jazz, que se misturou com o samba em proporções variáveis, dependendo do artista. O rock já cortou caminhos e incorporou a tradição musical tupiniquim em muito menor medida. Era apenas o filho problemático da bossa nova.

E então chegamos ao momento em que essa geração, prestes a pegar seus cartões de estacionamento para idosos, resolve mostrar ao mundo que razão, mesmo, quem tinha era Belchior.

Nesse meio tempo aconteceu uma hecatombe política: a queda do muro de Berlim, a implosão do bloco socialista e a extinção imediata de alguma alternativa ao capitalismo reforçou a necessidade de voltarem-se para seus próprios umbigos. No Brasil, o crescimento do antipetismo, o incômodo desse pessoal com os pobres que passaram a dividir o mesmo avião que eles, deu validade ao liberalismo que, no fundo, sempre esteve na sua base ideológica, geralmente disfarçado de liberalismo de costumes.

Por isso, quando um Lobão coroa sua trajetória errática, falastrona e oportunista — alguém lembra dos tempos em que ele, já decadente mas achando ter descoberto sua mina de ouro particular, cantava loas às rádios comunitárias, desde sempre covis de corrupção e mercadejamento político? — com uma tentativa de se transformar em um guru de extrema-direita, estava dando o prosseguimento previsível a toda uma postura ideológica que, disfarçada ou não, sempre permeou essa geração. Quando investia em suas diatribes contra Lula, quando ameaçava sair do país se Dilma fosse reeleita, ele apenas refletia a evolução lógica do pensamento da sua tribo. Tudo bem que, vagabundo e frouxo como suas ideias, ele não fosse capaz de cumprir suas promessas. Mas isso importa pouco. Lobão é apenas o representante mais visível de toda uma geração que, na velhice, finalmente fez as pazes consigo própria.

Dizem lá na terra que originou tudo isso que a maçã não cai longe da árvore. Ao rock brasileiro jamais houve outra opção. Para defini-lo, o melhor é recorrer não a ele, mas à disco music: como cantava Gloria Gaynor, I am what I am.

16 thoughts on “Elegia ao rock brasileiro

  1. P.S. 1: Eu sou meio burrinho e não sei direito a diferença entre elegia e eulogia.

    P.S. 2: Quarentena é fogo.

    • Bom eu acho que vive sabe, mas:
      – Elegia é um tipo de poema lirico, triste.
      – Eulogia é o primeiro nome que se deu a eucaristia.

  2. Esses três discos de jazz de 1959 que você menciona são o auge da carreira do Miles, do Mingus e do Brubeck, que depois só iriam ladeira abaixo. Mingus começaria a se envolver com o free-jazz, associando-se aos chatíssimos Eric Dolphy e Roland Kirk. Brubeck tenta repetir a fórmula de “Time Out” nos dois discos seguintes, sem sucesso. Após “Kind of Blue”, Coltrane (que eu acho um porre, pronto falei…) e Bill Evans partem pra voos solo, deixando o Miles desfalcado. Ele conseguiria mais a frente bons substitutos no Wayne Shorter e no Herbie Hancock, mas nunca mais fez nada tão bom e no fim dos anos 60 partiria pra canoa furada do fusion. De qualquer modo, o rock tomou de vez o público jovem do jazz e, pra piorar, seus músicos embarcaram na onda free, música hermética e cacofônica (por sinal o disco que lança o Ornette Coleman também é de 59).

    Ah,sim, a linda Paula Toller, filha da PUC, também é bolsominion. Mas tinha que cumprir a sina da música do Belchior, não é mesmo?

    • Eu também acho o A Love Supreme chato.

      E acho que ao menos parte de sua fama se deve justamente ao pessoal do rock and roll, porque Coltrane de certa forma estava na mesma viagem existencial que o rock daquela época.

      Mas por outro lado acho que os caminhos que o jazz trilhou talvez fossem inevitáveis. Assim como as artes plásticas.

      Por exemplo, eu vejo elogios a jazzistas modernos, como os Marsalis, e só consigo ouvir mais do mesmo ali.

      • Marsalis não fez nada de novo ou de relevante. Toca sem sentimento nenhum. Somente aquela técnica vazia, aquelas cascatas de notas. Versão piorada do Clifford Brown, que já não era essa Coca-Cola toda. Mas o cara tem uma máquina de (auto)promoção fora do comum, inclusive de críticos de jazz como o Stanley Crouch. Por conta disso conseguiu uma sinecura lá no Lincoln Center, que rende ótimos dividendos a ele mesmo e ao seu séquito.

      • Deixa eu fazer um comentário sobre Coltrane e seus solos tipo “A Love Supreme”. Desde a época do Miles Davis que ele se caracterizava pela “tagarelice”. Solos longuíssimos com ideias que acabavam ficando repetitivas. Não sabia a hora de parar. A verdade é que o long-play fez um mal danado para o jazz. O 78 rpm, com no máximo 3min20s, forçava a concisão. Seja na polifonia de New Orleans, no solo de “Body and Soul” de um Coleman Hawkins ou naquela fórmula do bebop (abre com tema em uníssono, solos rápidos dos sopros, piano e bateria e fecha novamente em uníssono). Mesmo o Charlie Parker, o gênio do jazz moderno (i.e., pós-guerra), se beneficiou enormemente do formato 78 rpm. O cara talvez tenha sido o solista mais criativo e prolífico da história do jazz, mas velhas gravações de programas de rádio ou de um maluco chamado Dean Benedetti com um gravador primitivo (ele rodava os EUA seguindo o Bird) revelam solos muito longos, sem coesão e com autoplágio ou citações quando a inspiração acabava (ele gostava particularmente de citar uma frase de “Carmen” de Bizet). Então, quem tem saco de escutar um clone moderno do Coltrane fazendo um solo de 15 minutos sem nenhuma ideia original ou interessante? O jazz dos anos 60 pra cá é isso.

  3. Quarentena é fogo mesmo, ainda mais quando no meu caso se junta com insônia e com afastamento de mulher e filha pequena, que com essa confusão ficaram retidas em outra cidade.

    Uma coisa nada surpreendente no pessoal do BRock dos 80 oriundo do Rio e de Brasília é que muitos são filhos da elite do funcionalismo público. Marina é filha de diplomata (morou em Washington na adolescência). Idem para o Dinho, que ainda é descendente do premier do último gabinete do Pedro II. O pai do Renato Russo foi diretor do BC. Herbert Vianna é filho de brigadeiro. Barone também é filho de milico. O avô da Paula Toller (que a criou) foi alto funcionário comissionado do governo federal e do estado da Guanabara. Esses são casos que eu conheço, certamente tem mais.

    PS: Nada contra funcionário público, muito pelo contrário. Sou filho de funcionário de estatal e eu e minha esposa somos docentes de federal.

    • Minha mulher também tá em outra cidade. 🙂

      Quanto aos funcionários públicos, especialmente os de Brasília, acho que isso foi benéfico. O mundo é visto de maneira um pouco diferente.

      No caso da Toller, é a exceção à regra. Alto funcionário carioca é sinônimo quase de coisa ruim. 🙂

      • Pois é, grande parte da classe média carioca depende do contribuinte. Aquelas velhinhas de Copacabana são todas pensionistas, oriundas de uma época em que o Rio era a capital e não havia concurso público.

  4. Rafael, alguns pitacos:
    1- Sobre letras com cunho social no rock, é melhor nem falar, pois mesmo quando falamos do Elvis, ou os Beatles, os dois maiores expoentes dessa musca em todos os tempos (o Bob Dylan era outra praia), pra cada In The Ghetto, e Eleonor Rigby, respectivamente, cantaram 500 musicas sobre garotas, amores adolescentes, e cornices em geral. Nesse ponto, se formos comparar, as letra do rock brasileiro dos anos “80 são de uma riqueza poética e profundidade social, assombrosa, mesmo que falassem do mundinho Nutella deles.
    2- Vale lembrar que se deve muito a canalhice, bandidagem e cara de pau de determinados expoentes da esquerda a debandada de muitos desses músicos, antes rebeldes, para a direita conservadora e ensandecida de hoje.
    3- A coisa vem tão ruim nos últimos 25 anos que quando ouvimos hoje um Titãs (Cabeça de Dinossauro), um Ultrage a Rigor, um Lobão, etc., parece que houve um período em que tínhamos uma juventude tentando, ou pelo menos fingindo, pensar. Já era pouco, mas, a internet, o Smartphone e suas redes sociais babacas, enterram pra sempre esse pouco. Nos sobrou os sertanejos de Goiânia, com suas gordas de voz rascante e cowboys de Learjet, e o demente funk carioca. Ah, e o Covid-19, não parece nome de banda de rock?

    • 1 – A questão não são tanto as letras em si, mas o fato de que no caso brasileiro isso era indicativo de um unvierso mais limitado.

      2 – Não. Mas não mesmo.

      3 – De banda ruim, tipo CPM-22. 🙂

  5. Fantástica revisão, Rafael! Foi um achado hilário e verdadeiro a comparação com Caçulinha… e o provincianismo paulista, tomado por uma espécie cosmopolitismo por gente estreita, chega a ser um troço doloroso.

    Eu sou um lesma pra escrever, mas sempre quis fazer algo parecido sobre as bases do axé music. Eu tive um professor de sociologia que ressaltava a absurda diferença no que ele chamava de tecido identirário entre Salvador e a Bahia, mesmo em relação a Santo Amaro, São Felix, Cachoeira. E acho que as questões econômicas e culturais de Salvador são um caso à parte em relação ao Brasil inteiro. Tanto que só nos últimos anos eu senti uma maior integração nacional — bem, pelo menos pra mim. Antes havia quase como uma suficiência cultural da cidade e um certo insulamento (que pra mim era saudável, em relação às classes populares). E eu acho que daí vem as raízes da axé music, que foi uma apropriação econômica e políticamente bem feita, no sentido de eficiente. Mas as raízes são realmente muito mais interessantes e dá pra notá-las não apenas prestando atenção à música em si, mas às estrelas da música, especialmente Caetano e Gil. O louvor ao Ilê Ayiê e depois, já na indústria do axé music, ao Olodum, são sintomáticos do que havia de forte e singular nessas circunstâncias e na produção cultural. Ali houve uma tentativa, complementamente orgânica, de fazer uma crítica social a partir da escravidão usando elementos históricos dos povos trazidos pra Bahia. O que gerou certas coisas curiosas, como o ocasional louvor a histórias que não eram precisamente pertencentes aos povos que vieram pra Bahia (histórias sobre povos do norte da África, ou da costa leste). Na Bahia predominavam escravos vindos do Golfo de Benin, iorubás e jejes, os malês (negros islamizados mais do norte) foram importantes, mas talvez não tão marcante pra nossa cultura quanto os dois outros. De qualquer modo, a coisa é completamente diferente desse cenário que você pinta com o rock nacional, de suas circunstâncias, ideias e valores.

    — Um abraço

  6. Eu concordei com o ponto central, embora tenha discordado de alguns exemplos e algumas coisas me pareceram só pirraça, como a citação dos versos de legião (banda que eu não suporto, que fique claro). Mas só tou comentando pra dizer que me deu vontade que tu gostasse de reggae, certeza que eu ia gostar de um texto teu, desses que tu escreve de vez em quando, sobre reggae.

  7. Acho que teu post está muito pra o mercado, pras rádios e jabás. Como tem coisa rica nos grotões nos 80’s e 90’s.

    Acho que o Rock só foi começar a ser brasileiro quando houve antropofagia do Nacional com o elétrico.

    Mas… deixa pra lá.

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