A tristeza numa banca de revistas

Dentre as coisas mais tristes que podem me acontecer cotidianamente hoje em dia é entrar em uma banca de revistas.

Elas estão acabando, a gente sabe. A internet as destruiu. Em alguns lugares, como Aracaju, essa destruição se dá de maneira ainda mais acelerada, e diz tão mal de seus moradores. Durante a pandemia, eu dava voltas de carro pela cidade vazia, me sentindo Charlton Heston em “A Última Esperança da Terra”, e percebi que na zona norte já não existia uma única banca de revistas em funcionamento. Nenhuma. No resto da cidade, com pouco mais de 650 mil habitantes, sei de apenas seis que ainda vendem jornais ou revistas. O resto virou outra coisa, qualquer coisa, ou simplesmente desapareceu.

Em Salvador, quase todas as bancas que marcaram minha infância fecharam, vendem água ou frutas hoje, com exceção da Banca Coelho, em frente ao Hospital Espanhol, que ainda vende jornais, e a Banca do Fernando, na Princesa Leopoldina. Sumiram a banca do Renato no Largo da Barra, a Banca Fróes na esquina da Euclides da Cunha com Amélia Rodrigues, na Graça, e tantas outras de que ainda consigo lembrar. Sobrevivem muitas, é verdade, especialmente na Barra — talvez porque a Barra seja lugar de moradores velhos e de turistas e ladrões e traficantes e putas novos, não sei — mas eu e seus donos sabemos que seu tempo está contado.

Quando vejo uma banca, hoje, vejo algo que cumpre seus últimos dias de vida antes de uma execução dolorosa com data já marcada, uma espécie de último moicano resistindo quixotescamente à própria morte.

Mas não é daí que vem a tristeza, porque a essa sua sina eu já me conformei há muito tempo.

Ela vem porque sempre que entro em uma das poucas bancas que ainda restam quero desesperadamente comprar alguma coisa, uma revista, um jornal. Mas já há anos as bancas daqui não vendem os jornais de fora, e não consigo ver sentido em nenhuma revista à disposição, porque já vi tudo o que me interessava antes, na internet.

E nessas horas me sinto um assassino involuntário, um linchador que, diante do corpo estendido no chão, finalmente tem a consciência do que ajudou a fazer.

As bancas estão acabando, e a culpa é minha também.

2 thoughts on “A tristeza numa banca de revistas

  1. Na minha infância nos anos 90 na periferia de São Paulo — sem internet, sem TV a cabo e sem bibliotecas ou centros culturais próximos de casa — as bancas de jornal eram o mais próximo que eu tinha do Google.

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