Eu sinto um certo vazio quando vejo alguém falando que tal ou qual livro mudou sua vida. Nenhum livro mudou a minha; alguns até que chegaram perto, mas li todos eles — como Demian, The Catcher in the Rye — tarde demais, sempre. Pelo menos gosto de imaginar que foi por isso.
Mas alguns livros merecem um carinho especial. E um deles é “Como Era Verde Meu Vale”.
Ano passado comprei num sebo uma edição inglesa de How Green Was My Valley, um livro que li quando era pré-adolescente e que adorei. É só uma edição comum, tipo Círculo do Livro, que comprei apenas para poder ler no original. Sempre fui apaixonado pela linguagem majestosa e bíblica do livro.
No verso da capa há algumas informações escritas à mão, com as velhas e confiáveis canetas-tinteiro inglesas, pelo seu primeiro dono:
Sub-lieutenant Y.R. Towersey, R.N.V.R.
HMS Excellent
Portsmouth
May, 1941
Fiquei imaginando quem era o sujeito, a história que esse livro conta com apenas uns rabiscos em sua capa. Dias depois descobri que o Excellent não era um navio, ao contrário do que o nome faz indicar, mas uma ilha de treinamento naval construída por presos ao longo de 28 anos, no final do século XIX.
Em maio de 1941 o sub-tenente Towersey estava se preparando para ir à guerra. Tão estranho, e tão belo. Quem era ele?
O que esse livro pode ter representado para Towersey, preso numa academia naval, se preparando para lutar pela própria vida e para tirar a de outros, um livro que fala sobre valores familiares e força quando ele se prepara para enfrentar a morte? Não sei. Nunca vou saber.
Espero que o sub-tenente Towersey tenha sobrevivido, uma esperança que era certeza antes de saber que o Excellent não era propriamente um navio. Agora não sei mais.
Não tenho a mínima idéia do que aconteceu com Towersey. Decidi não tentar encontrar nenhuma informação sobre ele. Não quero sequer saber como esse livro veio parar em minhas mãos, 60 anos depois. Algumas coisas são mágicas quando você não sabe nada sobre elas.
Nem dá pra comentar; só suspirar. Mas como nunca me furto a dar palpite, digo que um nome lindo ilustra seu texto: “tão longe, tão perto”. Esse pedaço da sua vida me deu o frio na barriga que sinto quando vejo que não sabemos nada sobre o Universo, sobre nós mesmos. E isso é mágico (embora angustiante), da mesma forma como é mágica a balançada que um texto desses causa a nossa invisível (mas sempre sentida) sementinha. (Ah, quer saber? Sou piegas mesmo).
Diria até que são “todas” e não apenas “algumas”… Ótima linha de pensamento… Qto ao xadrez…(acho que vc me perguntou!)…já li…hoje só jogo…(Meus moleques já jogam direitinho!)
No dia 11/09, doei alguns livros que julgo terem sido “importantes na minha formação”, para a biblioteca municipal que fica ao lado da Santa Casa de SP… fiquei a imaginar quem será que os lerá e as dedicatórias que escrevi. :c) Legal isso…. eu adoro ler dedicatórias e outros textos nos livros que vieram de outrem.
Na imensidão da blogosfera sou levado a páginas e mais páginas, lendo, lendo e lendo. Assim fica difícil lembrar tudo que desejo, mas vislumbro em algum recanto de minha memória quando você(?) falou sobre uma viagem que fez a uma pequena cidade no interior da inglaterra, onde em cada esquina há um sebo, e que você comprou tantos livros que ficou sem dinheiro. E você viajou de volta para casa e esse volume foi esquecido no quarto do hotel. Ou estou eu viajando agora? Elifas.
Rafael, se tiver interesse em saber que fim levou o Sub-tenente Towersey, posso lhe ajudar.
Não querendo por um fim ao clima de magia. e sim, muito pelo contrário, para celebrar o quanto esta magia foi determinante para a minha existência, informo que o sub-tenente Towersey, meu pai, não só sobreviveu, como vive muito bem até hoje, com seus 90 anos de idade.
Daniel Towersey