Final de uma tarde de verão em 1979, Salvador. Eu estava no playground do edifício brincando com meus dois melhores amigos, Jailton e Pedrinho. Tínhamos arranjado alguns pedaços de pau, e algumas caixas de papelão das quais fizemos escudos. Brincávamos de batalha medieval; sou de um tempo em que as referências do passado, como cruzadas e cowboys, eram mais fortes que as do futuro nas brincadeiras infantis.
O edifício fica numa espécie de vale, porque de um lado está a escarpa da Ladeira da Barra, e do outro a 8 de Dezembro, outra grande ladeira. Além disso há prédios altos em volta.
E então, no meio da brincadeira, alguém notou algo estranho, que passava rápido e silencioso no céu. Quando olhamos para cima vimos um espetáculo inédito, e assustador. Um show de luzes vermelhas e azuis, informes, passou rápido e sumiu, em menos de um segundo, atrás do prédio que ficava em frente.
Eu era um garoto urbano. Nada relativo ao progresso, à civilização, me era estranho. Os cachorros dos lugares onde morei já não corriam atrás de carros. Nunca brinquei de pião ou de bola de gude quando era menino. Nunca me emocionei ao ver o mar pela primeira vez.
Mas aquilo era diferente. Era um disco voador, só podia ser um disco voador. Não era um avião — eu já tinha visto tantos, já tinha viajado em alguns. No mínimo, aviões faziam barulho.
Aquilo era um disco voador.
Jailton, Pedrinho e eu ficamos aterrorizados. Minha mãe havia ido comprar pão, e na volta viu um Jailton que, de bem pretinho, estava cinza de medo. Pedrinho também estava apavorado. Quanto a mim… Eu poucas vezes havia sentido um terror tão grande. Nada neste mundo – e, dadas as circunstâncias, em qualquer outro — me faria subir aquela escada. Eu tinha certeza de que havia um ET no vão embaixo dela. Esperei mamãe para subir com ela. Tinha certeza de que ela botaria aqueles homenzinhos verdes e maus para correr.
Os anos passaram. Minhas conclusões sobre o que eu tinha visto foram mudando com o tempo até que cheguei a uma conclusão preguiçosa de que aquilo era algo perfeitamente explicável, um balão meteorológico ou um avião (apesar da falta de som), ou qualquer coisa do tipo. Mas nunca tive certeza absoluta; era apenas uma conclusão racional, do tipo “discos voadores não existem, ponto”.
Exatos 20 anos depois, eu estava na varanda do meu apartamento em Fortaleza, de madrugada, ninando minha filha. De repente minha ex-mulher olhou apavorada para o céu atrás de mim: “O que é aquilo?” Rapidamente me virei. E então eu vi.
Havia demorado duas décadas, mas meu disco voador havia voltado.
Pensei claramente algo em um átimo, imensurável de tão rápido. E naquele momento eu gostaria de ser outro, de não ser este ser humano cansado e lógico que acha que entende as coisas e que pode explicar tudo.
Eu gostaria de ter pensado que guerreiros do planeta Zohar haviam voltado para me buscar, duas décadas depois de terem sido impedidos naquele dia pela presença indômita de minha mãe. Que ali estavam pesquisadores waldosianos que me abduziriam e fariam experimentos genéticos inomináveis comigo. Que iriam me levar para Kandor e me exibir como um espécime de uma raça inferior, imperfeita e estranha, preciosidade de um planeta tão distante. Ou que, fascinados com minha perfeição genética, sábios yukiahans iriam me levar para revitalizar sua raça, devolver a eles atributos ancestrais que a evolução lhes havia tirado.
Gostaria de ter pensado qualquer coisa assim, que mostrasse que a criança de 8 anos ainda estava ali.
Mas naquele momento eu só pensei em uma coisa: “Pronto. Agora vou saber que porra é essa”. E então eu soube.
Era um avião.
Um simples, um prosaico Boeing, voando baixo por entre nuvens também baixas. Aviões têm luzes azuis e vermelhas que piscam intermitentemente. Por causa das partículas de água contidas nas nuvens, a luz se dispersa e dilui, e o resultado é um objeto disforme e assombroso. Não é tão comum; em duas décadas só vi algo assim duas vezes.
Durante a maior parte daqueles 20 anos, tive a certeza de que aquele disco voador era um fenômeno humano perfeitamente compreensível, provavelmente um avião, mesmo. Mas, lá no fundo, havia a esperança de que fosse realmente uma nave interplanetária de um planeta distante, trazendo pesquisadores para entender melhor esta raça de que faço parte.
Ali o adulto cético e racional obtinha a sua vitória definitiva e incontestável, e a sombra da criança de 8 anos se esvanecia para sempre. A falta de imaginação venceu.
Não tão cético assim. Afinal, quem fala, lindamente, que “o fantasma não é o vento disfarçado. O vento é que é o fantasma disfarçado”, tem mais poesia do que razão na cabeça.
Jamais deveriamos permitir que a racionalidade de adultos céticos destrissem os sonhos infantis. Particularmente gostaria de ignorar tantas coisas….talvez fosse mais leve, ou mais feliz assim. Esse post me deprimiu, Rafael.
ah…que pena!!! o melhor da vida é lidar com o imaginário… // pense como antes… a vida fica mais levinha…abraçao pra ti e bom final de semana
Rapaz, você tem de acampar no Pantanal Um dia você verá ao longe o fogo fátuo, nome científico para a mula sem cabeça e os fantasmas que assombram as áreas alagadas. hehehe Abração! AlterEgo
Alter, morro de vontade de ver um fogo fátuo. Aliás, existe um monte de coisa que fico com vontade de ver e nunca vi. Mas é coisa mais simples do que disco voador (OVNIS também tenho vontade de ver, sejam discos ou não). Bom, tenho vontade de ver baleias, golfinhos, dunas… Acho que estou precisando urgentemente de uma praia. Coisas de mineira… (Ah, na falta dos discos, confesso que amo, adoro, gosto demais de ver aviões. Sorte estar morando a cinco minutos de caminhada do aeroporto. Quando estou de baixo astral, dou um pulinho lá para ver os “bichões”. E os “bichinhos” também. Adoro os pequenininhos.)
Pessoal, conforme se pode perceber pelo último comentário, a Monica é mineira. 🙂
Já vi disco voador tinha 18 anos e não foi alucinação, outras pessoas viram, passou sobre a gente. A gente não tinha usado dogras naquele dia!
Monica…Vc não sabe o que está perdendo!!
ahahahahahah Biajoni, naquele dia né?!