Noblesse obliges

Palácio de Buckingham. Interior. Noite. Em uma sala luxuosa, decorada em estilo vitoriano, encontra-se reunida a Casa Real de Windsor. Presentes a rainha Elizabeth, sentada em frente a uma escrivaninha amontada de papéis, o príncipe Charles agarrado a uma samambaia, o príncipe Andrew ao seu lado, o príncipe Edward abandonado em um divã, lady Diana sentada ao lado do chefe da Guarda Real, acariciando suas coxas. Afastado do centro, o príncipe William assiste a tudo.

ELIZABETH: Muito bem. Os jornais já estão reclamando: dois meses e nada, nadinha.

Silêncio.

ELIZABETH: Qual é, pessoal? Precisamos de um escândalo, um escandalozinho que seja. Pelo amor de Deus, o que é que vocês querem? Acabar comigo? Por favor, colaborem! Defendam o que é de vocês!

Pausa. Ela olha para Charles.

CHARLES: Não olhe para mim. O último escândalo foi meu. Fui eu que dei. Por falar nisso, a Camilla quer o cheque dela.

Elizabeth finge que não ouviu e olha para o outro lado.

ELIZABETH: Di?

DIANA (parando de passar a mão na coxa do major): Pelo amor de Deus, Bess, eu não! Desse jeito vão cansar de mim. Ainda estão comprando a minha biografia. Um escândalo agora seria demais, você não acha? Pelo menos não tão cedo. (Pausa.) E tem uma coisa que eu queria falar, Bess: estou levando prejuízo nessa história. O dinheiro vai quase todo para o Morton. Bem que eu queria escrever minha própria autobiografia, mas você disse (em falsete) “não, não fica bem, deixa alguém escrever.” Certo. Fiz o que você mandou. O Morton escreveu e está enchendo o rabo de dinheiro. Eu devia parar de ouvir você. Nunca mais eu ouço você, nunca mais.

ELIZABETH (demonstrando ostensivamente infinita paciência): O que é que você queria, Diana? Você acha que eu sou maluca? Você é a nossa galinha dos ovos de ouro — perdão. Se você escrevesse a sua história, ela só podia sair de duas formas: ou ia ser um escândalo total ou então uma historinha de contos de fadas. Se fosse uma historinha melosa iam lhe chamar de mentirosa e aí adeus, Diana. As pessoas gostam de você porque parece sincera e sofrida, porque agüenta o Charles, você não viu aquela pesquisa? Mas, é claro, você poderia apimentar tudo e fazer um livro de deixar a vaca da duquesa de Windsor vermelha de vergonha. Pois se fosse um escândalo todo mundo ia achar que era tudo verdade, e quem vai ter pena de uma piranha, de uma vagabunda que faz tudo aquilo que está no livro? E aí, minha filha, fim de escândalos. E fim do seu cheque no fim do mês. Você ia ter que voltar a dar aulas para aqueles bacuris catarrentos naquela escola mixuruca, onde o máximo de escândalo que você ia conseguir era deixar que um idiota qualquer te fotografasse usando uma saia transparente. Você ainda lembra dos tempos difíceis, Di? Você quer voltar a eles?

Diana olha para baixo, volta a olhar para Elizabeth, sorri sem graça.

DIANA: Você tem razão, Bess. Desculpe.

ELIZABETH: Esquece. (Voltando-se para Andrew) E você, Andrew-my-darling? Tem alguma idéia?

ANDREW (com cara de enfado): Ah, mãe, tudo sobra para mim! Eu levei um baita corno no ano passado, lembra? E lembra quanto custou aquela viagem para que a Sarah pudesse fazer a parte dela? Eu lembro: uma grana, mãe, uma grana. O povo reclamou nem tanto de eu ter levado um chifre, mas de ter esbanjado o dinheiro deles. Aí a Sarah se mandou pra Argentina, e quem teve que ficar aqui agüentando as piadinhas de corno fui eu. Sei não. É melhor dar um tempo.

ELIZABETH: Mas meu filho, a gente podia criar uma bela história pra você. (Pausa.) Veja só: você podia desertar da Marinha…

ANDREW: Nem pense nisso, mãe. Marketing errado. O povo ia ficar com raiva de mim. Ia me achar um traidor. No mínimo um covarde. Afinal o dinheiro que a gente gastou para botar o moral das Forças Armadas lá em cima foi bem gasto…

ELIZABETH: É, tem razão… Deixa ver então… Que tal punk? Você não conhece nenhum príncipe punk, conhece?

ANDREW: Isso combina mais com o Charlie.

CHARLES (enfático): Me deixa fora disso!

DIANA: Ei, por que é que a Anne não está aqui? Talvez ela pudesse ajudar.

ELIZABETH: Ajudar como?

DIANA: Ora, Bess, ela se casou agora, não foi?

ELIZABETH: Foi.

DIANA: E existe algo mais excitante que traição na lua-de-mel?

ELIZABETH: Eles não estão mais em lua-de-mel.

DIANA: E de que isso importa? A gente grava uma fita com a Anne telefonando e se referindo ao casamento recente. O Charlie é bom de imitar vozes, diz umas putarias para ela. E depois a gente arranja alguém para ser o caso dela. Fácil.

ELIZABETH: Mas quem?

DIANA: Um soldado, ora. A Anne sempre gostou de soldados. Ela até já casou com um. Além disso o povo gosta, e cobram pouco. (Para o major) Não é nada pessoal, meu bem.

ELIZABETH: Não… Acho que não ia dar certo… A Anne já corneou o Mark antes. É repetitivo. Os jornais já disseram tudo o que tinham para dizer da… (Pára, iluminada por uma idéia.) Esperem! Acho que tive uma idéia! Genial, genial!

TODOS (vozes misturadas, balbúrdia): Que foi? Diz! Conta logo!

ELIZABETH: Incesto! É isso! Incesto! Charles e Anne! Mas que grande idéia! Caralho, isso nem aquele povinho de Mônaco fez ainda!

CHARLES (se levanta, transtornado): Não, não, e não! Puta merda, sempre que tem bagulho no meio sobra para mim?! Primeiro foi aquela crioula brasileira ridícula — eu até tive que dançar com ela, lembra? Que vergonha, meu Deus… Depois casei com a Diana e pensei que iam me dar uma folga. Porra nenhuma, era só um refresco. Aí vocês me castigaram com a Camilla. Mãe, eu já vi um acidente de trem na Índia. Mais de 300 mortos. E eu juro: aquilo não era tão feio quanto a Camilla nua. Porra, aquela do Tampax foi foda… Até hoje, quando lembro disso no almoço, eu perco o apetite. Agora vocês querem me empurrar a Anne. Ah, não. Aí já é sacanagem.

ELIZABETH: Mas, Charlie…

CHARLES: Não!

ANDREW: Mãe, eu tive uma idéia.

ELIZABETH: Ah, meu filho, idéias são o que eu mais quero agora. Vamos, meu amor, diga, diga, diga!

ANDREW: Que tal se o Edward pegasse Aids?

EDWARD (levantando-se do divã): Eu? A maldita? Ohhh… (Desmaia. Diana e o major ajudam-no a se recompor.)

EDWARD (irritado): Você sempre querendo me foder, né?

ANDREW (irônico): Eu teria que pegar uma fila imensa…

EDWARD: Seu corno!

ANDREW: Viado!

EDWARD: Corno!

ANDREW: Viado!

EDWARD: Corno!

ANDREW: Melhor tomar corno que tomar no cu!

EDWARD: Eu gosto e pronto! Corno manso! Chifrudo!

CHARLES (abraçando a sua planta): Parem com isso! Parem, agora! Vocês estão assustando a Gertrude! (Para a planta, em tom doce) Calma, Trudie… Isso vai passar logo… Daqui a pouco a gente vai embora daqui…

ELIZABETH (exasperando-se, dando tapas na mesa): Vocês dois, parem com isso, já! Vocês parecem crianças! É isso o que vocês são: crianças. Crianças mimadas. Parece que não percebem que têm a responsabilidade de um império nas mãos. Irresponsáveis. (Olha suplicante para Diana) Di, você não…

DIANA (interrompendo-a): Já sei! Tão simples, meu Deus! Chama a Sarah, Bess. Faz tempo que ela não dá as caras.

ELIZABETH: Eu não sei… Se tivesse outro jeito… (Pausa. Elizabeth pensa) É, Di, gostei da idéia… É boa. (Pega o telefone. Disca. Espera) Alô? Sarah? Sou eu, Elizabeth. Tudo bem com você? Recebeu seu cheque direitinho? An-han… Que bom. Fergie, meu amor, sabe o que é? Eu andei pensando muito em você ultimamente e…

SARAH FERGUSON (voz em off): Ah, não, Beth. Nem pensar. Porra, da última vez eu tive que mostrar meus peitos. Ninguém teve que mostrar os peitos, só eu. Por que não mostram os da Diana agora? Não são grande coisa, mas… Sei lá, manda ela fazer um filme pornô quando tinha quinze anos, uma coisa desse tipo. Eu mereço um descanso. Me deixa fora dessa! (Desliga o telefone.)

ELIZABETH (balançando a cabeça, desanimada): Essa Sarah… Intempestiva, não?

DIANA: Sempre foi uma mal-educada e desbocada e incompreensiva. Desligou na sua cara, Bess. Na sua cara. Você tem que fazer alguma coisa.

ELIZABETH (resignada): Deixa pra lá, Di. Reinar é isso mesmo, é a arte de engolir sapos. Mas como cansa, meu Deus… Tem cada um enorme…

CHARLES: Mãe?

ELIZABETH: Fala, filho meu.

CHARLES: Por que a gente não usa a vovó desta vez?

ELIZABETH: Onde já se viu velha dar ibope, filhote? Se desse, você não acha que ela já tinha ido parar nos jornais? Você acha que eu não pensei nisso, que não penso nisso toda noite, quando vejo aquela velha encher o rabo de comida e peidar e arrotar a noite toda sem fazer nada? Deixa de ser burro, meu filho…

Charles baixa a cabeça amuado.

ANDREW (resmungando, à parte): Eu ainda acho que o Edward devia arranjar um caso público e pegar Aids.

ELIZABETH (colocando as mãos na cabeça): Ai, meu Deus… Está cada vez mais difícil, e eu não conto com a colaboração de vocês… Se pelo menos o Maxwell estivesse aqui… Ele teria uma idéia. Ele era tão bom nisso. Sinto tanta falta do Bob nessas horas… Nós precisamos de novidades. O público quer sempre mais, não passam de uns abutres. Enquanto eram só besteirinhas era fácil, mas agora… Agora só falta um de nós matar o outro.

EDWARD: Quer que eu mate o Andrew? Dou umas três giletadas na cara dele, faço um buraco do tamanho de Piccadilly Circus na bochecha dele, arranco os seus cabelos…

ELIZABETH (horrorizada): Eddie! Isso é coisa que se diga?

ANDREW: Ele queria que eu pegasse Aids!

ELIZABETH: Foi só brincadeirinha, não foi, Andy? (Andrew olha para o lado e começa a assoviar o God Save The Queen) Você não pode ter levado isso a sério, Eddie… O Andy ama você, é seu irmão. E ainda que não amasse, ele sabe a falta que você faria aos negócios. (Pausa.) Vamos, meus queridos, qualquer idéia serve. Sexo, mentiras, traição. Qualquer coisa. Vamos! Precisamos trazer divisas para o país! Precisamos manter a monarquia viva! (Solene.) Se eu não fosse tão importante pra manter a estabilidade desta bosta, juro que arranjava alguma coisa para mim. Sei lá, algo assim como a Belle de Jour, por exemplo… (Elizabeth levanta os olhos para o alto, suspira longamente, sonhadora. Volta a si de repente, batendo palmas.) Vamos, meus queridos. Precisamos de novidades, urgente! A Inglaterra não pode parar!

Todos se calam, concentrados. Longa pausa.

Diana olha com expressão ausente para o seu filho William, que sentado do jeito como está é o mais perfeito retrato da pureza infantil.

Ela volta a olhar para Elizabeth.

DIANA: William.

Todos olham para William. Ele se encolhe ao ver todas as atenções voltadas para ele. Então todos voltam os olhos para Elizabeth, cujo olhar é indecifrável.

Apagam-se as luzes. Fecham-se as cortinas.

ELIZABETH (voz em off): Di, você sempre foi a mais inteligente da família…

Após cinco segundos a claque inicia os aplausos.

4 thoughts on “Noblesse obliges

  1. Dani (posso chamá-la assim?), o homem é bom nisso, né? E pensar que era só um menino quando escreveu isso… 😉

  2. Maravilhoso o humor sádico desse texto ! Pura inspiração para os aspirantes a escritores . Bom saber que tem gente criativa habitando o universo pontocom ! Congratulations !

  3. muito bom esse texto, rafa
    ta de parabens.
    muito engraçado ate mesmo depois da epoca.
    blz.

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