A SENHORA BELLINGHAM (sacode o regalo e o lorgnon vindicativamente): Faça-o pungir, querida Hannah. Azorrague o bastardo até um triz da morte. O gato de sete vidas. Cape-o. Vivisseque-o.
Eu tinha 10 anos quando li isso. É um trecho de “Ulysses”, de Joyce.
Não que eu tenha lido “Ulysses” com essa idade. Fui parar aí apenas folheando o livro, que a propósito tem passagens bem mais fortes. Mas essa frase, a força do “cape-o”, a vontade quase sádica de vingança, me impressionaram de uma maneira que, mesmo após anos sem sequer tocar no livro, não esqueço da senhora Bellingham. Acho que foi o primeiro trecho de livro que decorei em toda a minha vida. E eu nem sabia o que era um gato de sete vidas; pensava que a sra. Bellingham estava se referindo ao pobre Bloom como um sujeito de sorte que se saía de enrascadas, e não a um chicote.
Até hoje a sra. Bellingham povoa meus pesadelos, pois no fundo me convenci de que, se eu fizer coisas feias como as que Leopold Bloom fez, posso ser levado à sua frente, e ela vai pedir que o gato de sete vidas acaricie minhas costas.
Afe… é a Cruela cruel.
ufa!
e eu podia jurar que o dito chicote se chamava gato de sete caudas…