De aprendizes e feiticeiros

Quando a Pixar e a Disney romperam, no começo deste ano, todo mundo foi rápido em apostar na decadência do estúdio de Burbank e na fixação da empresa de Steve Jobs como a nova Disney.

Eu tinha cá minha dúvidas.

A sentença é dada a partir de uma análise precipitada das coisas. Os maiores sucessos da Disney, ultimamente, foram os desenhos em computação gráfica produzidos pela Pixar; esses cinco filmes renderam 2,5 bilhões de dólares. Isso basta para os especialistas em marketing (que costumam acreditar que marketing é ciência e que a roda é quadrada) digam que a Disney morreu, e longa vida à Pixar.

Já vi a Disney ir ao fundo do poço criativo, como aconteceu entre os anos 70 e 80. Nessa época, ela produziu desenhos medíocres — “Robin Hood”, por exemplo, é deprimente — sem nada de sua antiga aura.

Mas o que a fez voltar do cemitério da animação não foi a parceria com a Pixar. Foram desenhos como “Alladin”, “A Bela e a Fera” e “O Rei Leão”. Estes dois últimos, aliás, estão entre os melhores filmes que a Disney produziu em todos os tempos, no mesmo nível de “Branca de Neve”. Não é pouco.

A questão principal é que nenhum desses filmes foi produzido pela empresa de Jobs, por mais brilhante que ela seja. E, pelo menos na minha opinião, nenhum dos filmes da Pixar, em termos de roteiro, se compara a “A Bela e a Fera” e a “O Rei Leão”. Nem mesmo “Procurando Nemo”. São bonitinhos, claro, e sua animação é brilhante.

O que me faz duvidar dessa condenação sumária à Disney é o fato de acreditar que a experiência e a massa crítica de uma empresa como ela, por cujos padrões a indústria de animação ainda hoje se orienta, são mais importantes que o domínio técnico, primazia da Pixar. A Disney pode até sentir o golpe da perda da Pixar, e por algum tempo. Mas não deve demorar até que ela se erga e volte a fazer o que sempre fez: grandes desenhos animados, com a mais perfeita combinação entre comédia e lirismo que um estúdio consegue realizar. Desde 1995, os estúdios Disney vieram fazendo animação tradicional, sempre com maus resultados e deixando os filmes em CG para a Pixar. Mas “Irmão Urso” selou o fim desse modo tradicional de se fazer desenhos. E em pouco tempo a Disney vai dominar essa técnica.

Agora, às vésperas do lançamento do penúltimo filme da parceria entre Disney e Pixar, a Wired retoma esse tema, obviamente aclamando a Pixar.

Talvez a minha fé na Disney seja a fé que os filisteus tinham em Golias. Talvez. Talvez seja um reconhecimento muito pessoal à importância que os desenhos da Disney tiveram para mim e para várias gerações.

Mas talvez seja apenas a minha insistência no bom senso.

2 thoughts on “De aprendizes e feiticeiros

  1. Há uma outra faceta nessa discussão que você esqueceu de citar, Rafael: todos os desenhos que você cita como sintomáticos da recuperação da Disney, como “Alladin” e “Rei Leão”, foram produzidos na época em que Jeffrey Katzemberg era o responsável pelo núcleo de animação da Disney. Com a sua saída para a Dreamworks, a Disney nunca mais produziu uma animação que emplacasse, a não ser através das co-produções com a Pixar, culminando no fracasso de “Atlantis”. Enquanto isso, viu a recém-criada Dreamworks ganhar o primeiro Oscar de Longa Animado da história com “Shrek”.

    Outro dado relevante: Michael Eisner, o mesmo executivo imbecil (ir)responsável pela saída de Katzemberg da Disney, também promoveu o fechamento de todos os estúdios de animação tradicional, incluindo a histórica sede na Flórida. Graças a essa besta quadrada, não é à toa que a Wired não vaticinou em jogar todas as suas fichas na Pixar. O problema não é com a tradição da Disney; e sim com executivos como Eisner (também responsável pela saída de Roy Disney, sobrinho de Walt, da empresa), que cometeram o despautério de desativar o mais tradicional de todos os estúdios de animação em troca de uma aposta cega nas produções em CG.

  2. Não devemos nos prender à questões técnicas para avaliar o sucesso de um desenho. Não é o fato de um desenho animado ser realizado em CG, ou de modo tradicional, que determinará se este é um bom desenho. É evidente que a computação gráfica ainda exerce um fascínio nas pessoas (nossa! como eles fizeram isso?!), mas tenho certeza que um bom filme ainda é feito a partir de um bom projeto artístico e de design.
    O fato da Pixar trabalhar especificamente com desenho 3D, não é a peça chave que a determina como um ótimo estúdio de animação (e certamente o melhor na atualidade), mas suas obras magníficas a nivel artístico e de projeto.

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