Diário de bordo II

O antigo Mercado Central de Fortaleza tem algo que lembra as Sete Portas, em Salvador.

Lojinhas como nomes pomposos, como Comercial Oliveira — no interior do Nordeste é comum ver, por exemplo, a Farmácia Santa Rita apresentada como parte das Organizações de Zé de Eufrásia — vendem piões, funis de flandres, alpercatas de couro, fumo de rolo.

Uma série de coisas que, para quem vive na cidade, pertencem a um mundo que já se acabou. Impressão errada, pelo visto.

Mas esse mundo à parte convive tranqüilamente com o mundo moderno. Umas duas lojas vendem gibões de couro mal cortados, numa armadilha típica para turistas deslumbrados.

Talvez seja um reflexo do espírito cearense.

De modo geral, nas minhas generalizações irresponsáveis que partem sempre do princípio de que há exceções, classifico o cearense como um povo alegre, hospitaleiro mas fechado, que se sente na obrigação de ser engraçado, esforçado, não especialmente brilhante.

As cabeças chatas fogem à irresponsabilidade da generalização por não admitirem exceções.

Acima de tudo são bons comerciantes. Talvez isso se deva à imigração libanesa: a colônia cearense é a segunda do Brasil, se não me engano.

É um povo machista, conservador e patriarcal.

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Manchete de O Povo, jornal mais tradicional do Ceará:

Drive-thru da cocaína: Droga é vendida abertamente na Varjota

O olho diz que o papelote custa 10 reais. No Rio custa a metade, e deve ser igualmente malhada. O frete é caro.

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De modo geral, o centro de Fortaleza é feio. Alguns prédios do início do século XX se destacam por sua beleza, mas a maioria dos edifícios antigos tem aquele estilo art déco diluído que torna tudo insuportavelmente insosso, e a maioria dos mais novos simplesmente não tem forma, escondidos sob fachadas ainda mais feias.

Na Aldeota há muitos edifícios de apartamentos novos, resultado do boom econômico que a cidade viveu a partir da era Tasso Jereissati. O conjunto, no geral, é mais bonito (para os apreciadores da modernidade) do que a Barra da Tijuca, por exemplo. A impressão que dá, no fim das contas, é que a Aldeota sonha em ser Moema.

Há muitos edifícios públicos, a maioria imponente, maciços, em concreto nu, estilo que a construção civil especializada em edifícios, verbas e propinas públicas herdou de Niemeyer. Pertencem, pelo visto, aos anos 70. Fortaleza foi grande beneficiária da ditadura.

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Um anúncio numa loja de óculos e relógios me pede:

Ajude o Kiko a não pagar mais mico.

Na boa?

Quero mais é que o Kiko se foda.

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É, pelo meu humor eu estou precisando dormir.

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