Aproveitei minhas primeiras semanas em Aracaju para dar uma passada de olhos em alguns dos livros que definiram o meu gosto literário, aqueles da coleção Clássicos da Literatura Juvenil de que falei uns meses atrás.
Reli a “A Filha do Capitão”, de Púchkin. Foi o último livro que li da coleção.
Tentando me imaginar novamente como um menino de 8 ou 9 anos, acho que evitei aquele livro durante anos por uma só razão: o título. Não me interessavam histórias sobre filhas de quem quer que seja; quando criança você quer modelos de comportamento, e seus ídolos são sempre do sexo masculino. Eu queria ser John Wayne (mas Jerry Lewis, por algum motivo torto, era um modelo aceitável). Só fui ler o livro bem mais tarde, quando as filhas dos outros passaram a me interessar cada vez mais, e então pude ver o tempo que perdi.
Reli o livro agora, porque tinha esquecido quase tudo. Lembrava vagamente do final, mas de nada que tivesse conduzido a trama a ele.
Se o que li no início da adolescência era basicamente a aventura de um rapaz em defesa da mulher que amava, hoje é para mim principalmente um grande painel da Rússia do final do século XVIII. Dá para compreender plenamente o ambiente que gerou a Revolução de 1917, a violência que parece típica da sociedade feudal russa.
Reli também “O Conde de Monte Cristo”. Esse sempre foi um favorito, relido várias e várias vezes. Se na infância a trajetória da vingança de Dantès era o principal atrativo, hoje me impressiona muito mais a crônica de alpinismo social que Dumas expõe cinicamente. É um livro mais adulto que “Os Três Mosqueteiros”, por exemplo. Outra coisa: quando criança pensava que a filha de Danglars queria simplesmente a liberdade de não casar; e no entanto seu homossexualismo era descrito claramente.
É engraçado que mesmo um livro reescrito para crianças possa oferecer tantos níveis de leitura. Talvez seja característica de uma grande obra — pode-se reescrever Shakespeare em prosa e com um vocabulário reduzido, que mesmo assim ele vai continuar oferecendo um compêndio da natureza humana que 98% dos escritores não conseguem oferecer.
Um dia eu descubro exatamente o quanto devo a esses livros.
São poucas as pessoas porém que conseguem alcançar o que hoje você percebe, a maioria lê um livro quando criança e absorve determinada mensagem, e muitas vezes ao relê-lo anos mais tarde, tem a mesam impressão que quando da primeira leitura.
Poucas são as pessoas que com o passar do anos evoluem, muitas amadurecem, mas poucas evoluem.