Quando comecei a ouvir Beatles era uma maravilha: sempre tinha algo novo, alguma música que eu não conhecia. Durante anos, cada novo disco era uma experiência nova, algo que eu descobria.
Quando isso acabou a pirataria manteve um pouco dessa sensação de descoberta. Mas até isso acabou um dia, porque mesmo que eu não conhecesse determinada gravação já podia dizer com certeza absoluta em que época ela foi gravada, talvez até quem tocava o quê. E eu sempre senti falta daquela sensação.
Dia desses, assistindo de novo ao show dos Beatles no Budokan, Japão, 1966, eu consegui sentir isso de novo.
O show é curioso, porque é um dos poucos em que o barulho dos fãs não torna tudo praticamente inaudível. Os japoneses são educados. O show mostra o cansaço da banda (que pararia de tocar ao vivo ao fim daquela turnê), o que a cara de tédio de Ringo torna inegável, a vocação de McCartney para animador de auditório (Lennon diria depois que ele estava se borrando de medo por causa de umas ameaças de fundamentalistas japoneses, que consideravam um show dos Beatles no templo do sumô uma afronta imperdoável à cultura nipônica), e a atitude de “vamos fazer o básico, pegar o dinheiro e ir embora daqui” de Lennon. Mostra também, não importando o que hagiógrafos passaram a dizer depois de sua morte, que Harrison era um péssimo cantor.
Os Beatles inventaram o que hoje se entende por show de rock. E, naturalmente, eram obrigados a enfrentar inúmeras situações de amadorismo. Mesmo no Japão, terra da organização, não é diferente: os microfones dão choques, não param quietos. Profissionais, os Beatles se limitam a passar o show tentando ajeitar as coisas.
Mas foi graças a esse problema que eu pude ver algo novo. Quando eles cantam Baby’s in Black, McCartney e Lennon dividem o mesmo microfone defeituoso. McCartney tenta colocá-lo na direção correta. Mas ele insiste em se mover, justamente no momento em que eles cantam “oh, dear, what can I do“. E a expressão e a modulação de voz de McCartney nessa hora são impagáveis. Para mim é novidade, porque mesmo tendo visto o show algumas vezes, eu não tinha percebido.
É uma bobagem, eu sei. Insignificante. Mas são essas coisinhas pequenas que fazem a vida valer a pena.