Mi hermano Bush

Se venho dizendo há um ano, quase, que Bush vai perder estas eleições é por uma razão muito simples. Nunca, antes, vi tamanha indignação tomando corpo entre os americanos contra seu presidente. A mobilização contra Bush era desproporcional à média histórica americana, acostumada há muito a levar suas eleições com o mínimo de importância possível.

Quando um povo se revolta dessa forma contra um governante, quando este consegue alcançar um índice tão grande de rejeição, sua derrota é praticamente certa, nos Estados Unidos ou em Cochabamba.

Isso foi antes de Abu Ghraib, dos explosivos que sumiram, do último escândalo da Halliburton. Agora, o que era apenas impressão se tornou quase uma certeza.

Nem mesmo o vídeo de Bin Laden que apareceu anteontem deve mudar isso. Provavelmente reforçará as certezas dos simpatizantes de Bush e Kerry, porque seu discurso é tão ambíguo que à primeira vista me parece poder ser interpretado a seu favor pelos dois candidatos.

Mas sempre há a possibilidade de George Jr. vencer. Como já disseram algumas pessoas, não é o povo ou o Colégio Eleitoral quem elege o presidente americano: é a Suprema Corte.

Essa possibilidade é uma das mais aterrorizantes que se pode imaginar.

Até as eleições de 2000 havia apenas a rivalidade normal entre republicanos e democratas. Admitia-se a diferença ideológica porque ela não era mais importante que o business as usual. O que quer dizer que você podia ser democrata, mas se um republicano ganhasse, tudo bem, a vida é assim mesmo. Mesmo em 2000, com o escândalo da Flórida, a indignação diante da roubalheira se manteve em níveis civilizados. Aquilo foi feio, foi ridículo, mas ainda não chegava a tornar a oposição ao presidente eleito algo visceral, praticamente um imperativo moral.

Mas nesses últimos dois anos Bush conseguiu o privilégio de deixar os Estados Unidos tao ou mais divididos quanto nos anos 60. Provavelmente mais, mais até que durante a época do New Deal. Em termos de divisão, só perde para os Estados Unidos que precederam a Guerra de Secessão. E a isso soma-se o ter justificado o anti-americanismo latente em todo o mundo, tornando a vida de seus cidadãos muito mais difícil.

É esse país que um Bush reeleito vai encontrar. Uma oposição mais forte do que nunca, um tipo de oposição visceral e raivosa que há muito tempo um presidente americano não encontrava, nem mesmo ele. Metade dos americanos se julga humilhada e roubada. Mesmo tendo chegado à presidência em uma eleição roubada, um eventual segundo mandato de Bush vai ser o verdadeiro retrato da ilegitimidade.

Cá embaixo sabemos bem o que é isso. Sabemos o que foi eleger um presidente sem respaldo moral como Collor. Sabemos o que é ter passado um século divididos entre polarizações de todos os tipos — paulistas contra o resto do Brasil, civis contra militares.

A essa altura os americanos já esqueceram o que é isso. Resta saber quem vai pronunciar o discurso de Gettysburg, nesse caso.

Enquanto isso, seja bem-vindo ao que já chamaram de latinização da política americana. Aye.

6 thoughts on “Mi hermano Bush

  1. Análise perfeita, Rafael. Não tenho nada a acrescentar, parece que você adivinhou o que muitos de nós pensamos a respeito.

    E fico agradecido pela oportunidade de saber da existência e ir atrás do discurso de Gettysburg. Para quem não conhece, o texto original e a tradução em português estão aqui:

    http://www.arqnet.pt/portal/discursos/novembro01.html

    Não olhei direito o site, mas parece ter outros discursos interessantes lá…

  2. Sim, tudo aqui é muito muito interessante. Adorei os posts sobre o Duda…;-) Um abraço.

  3. Este “cara pálida” não ganha, só mesmo com muita “americanização da política ameicana”, esse “brucutu” ganha. E mais, é vergonhoso ser o que é a apuraçào dos votos lá na casa do Tio San.
    O Brasil da de 10 neles. ah… “é muita americanização da política americana”!

  4. concordo plenamente.. Para mim george … nao passa de um ser totalmente materialista. assista o documentario de 11 de setembro

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