Os relatos sobre o genocídio no Sudão já pipocavam blogs afora, e esta semana foi a vez da Veja consolidar os fatos para os brasileiros. A opinião pública, especialmente a do povo lá de cima, começa a se articular pedindo intervenção americana ou, pelo menos, da ONU, alegando inclusive que é mais justificável que a invasão do Iraque.
Eu tenho uma teoria que não deve ser muito simpática para a maioria das pessoas. E mesmo sendo um tema sobre o qual o Antonio Carlos e o Guto podem falar com mais propriedade, eu faço questão de deixar clara essa posição.
Me parece que o problema da África, mais que a exploração pura e simples pelas potências européias, é de ordem cultural. O processo evolucionário do continente, com suas idas e vindas, foi interrompido pela Europa. E não estou me referindo ao estabelecimento de uma grande infra-estrutura para o tráfico de escravos no Golfo da Guiné, por exemplo, mas ao processo colonial propriamente dito. O domínio europeu não apenas retirou riquezas do continente, principalmente da África sub-saariana, mas colocou em choque duas culturas diferentes e em estágios de evolução tão díspares que o resultado foi simplesmente a aniquilação da cultura africana.
A Europa precisou de 1500 anos para se tornar o que é hoje, construindo-se sobre as ruínas do Império Romano. Não foi exatamente um processo delicado: por causa da última grande guerra deles uns 50 milhões foram empacotaram em 6 anos. Sem contar os outros tantos que foram morrendo ano a ano nos últimos milhares de anos, de guerrinha em guerrinha.
Na África, no entanto, esse processo tem sido obrigado a se dar em poucas décadas, imposto de fora para dentro. Quando, a partir da segunda metade do século XX, os países da África conquistaram sua independência, se viram às voltas com uma estrutura institucional que não era sua, que não foi criada por eles. O resultado foi a sua fragmentação e, em vários casos, a destruição dessas estruturas.
Falando da maneira mais cínica possível, o que acontece hoje na África é apenas o que aconteceu ao longo de tantos séculos na Europa. As pessoas estão se matando para descobrir qual é o seu lugar no mundo.
Os exemplos mais óbvios são as divisões políticas e geográficas que colocam no mesmo saco nacional etnias diferentes, como tutsis e hutus. Descontando-se as proporções, é como colocar ingleses e franceses na mesma cidade.
Talvez por isso, sempre que vejo alguém falando de ajuda humanitária, ou pior, alguém pedindo intervenção, olhando para a África como quem olha para a Europa ou mesmo para a América e para a Ásia, eu torço o nariz. Se eu fosse delegado da ONU votaria, claro, a favor de uma intervenção. Não seria eu a mandar os sudaneses baterem papo com Jesus, Maomé ou Omolu. Mas eu não tenho essa responsabilidade e posso dar uma opinião, talvez tão frágil que nem mesmo eu seguiria.
É uma opinião simples: deixem que eles se matem.
Parece cruel? É, sim. Muito. Posso garantir que se eu morasse no Sudão faria todo o possível para vir ao Brasil e dar uma porrada no idiota que dissesse isso, porque não seria o dele na reta. Mas a impressão que tenho é que intervenções ocidentais farão muito pouco para resolver a situação. Na melhor das hipóteses atrasarão um pouco o processo. Em vez de morrerem 1 milhão em um ano, morrerão 100 mil por ano, durante 10 anos. É o que um motorista de ônibus, delicadamente, chamaria de freio de arrumação. Não é algo bonito de se dizer, mas talvez a África precise disso.
Inclusive porque há ainda — sempre há — uma hipótese pior: essas intervenções podem simplesmente criar mais ódio, mais revolta. E mais mortes no futuro.
Deixem a África em paz. Ela mesma deve resolver seus problemas, descobrir sua própria identidade. O mal causado pelo Ocidente ao continente vai demorar muitos até ser remediado. Mas cada vez mais tenho a impressão de que é necessário que a África descubra, por si só, o seu próprio processo evolucionário. Parece a expressão de um darwinismo cruel e equivocado, eu sei, mas deixem que eles se matem.
é o que eu sempre digo
eu já pensei assim, mas hj considero que com alguma ajuda de outros continentes a africa poderia se reestruturar melhor do que na base do mais forte é o que leva, o dificil é que esta ajuda nunca vire por pura bondade e ou humanidade dos outros paises ela sempre estaria recheada de interesses financeiros e ai é que esta a merda toda.
esse remember me é so de enfeite não é?
Concordo em gênero, número e grau…a Europa é parte da gênese do problema africano. Intervir agora, acrescida dos (arrrrgh!) americanos, com a sua habitual sutileza, só vai mesmo adiar o problema do genocídio.
Discordo e muito de vc Rafael. Acho os milênios de carnificina já serviram para mostrar alguma coisa. Concordo que os colonizadores europeus fizeram muito mal à África, mas isso não quer dizer que as influências externas sejam sempre prejudiciais. Claro que não tenho a solução mágica para o problema da África, mas acredito (utopicamente talvez) que pode haver uma estabilização pacífica.
Eita, que essa é boa!!!… mas to preparando um post novo, vou falar sobre o assunto lá no “Geógrafos Sem Fronteiras”, depois dá uma olhadinha e comenta algo…
🙂
Abraços,