Comentários do Roger e do Nazir (e a bela história contada pelo Alexandre, umas mais saborosas sobre racismo que li nos últimos tempos), e depois um post do Allan me deixaram pensando qual a dimensão real do racismo no Brasil.
Não acho que ninguém saiba ao certo; no máximo sabe o que é sentir isso na própria pele, o que supervaloriza as coisas, e no mínimo sabe o que é nunca ter passado por isso, e portanto subestima o fenômeno. Talvez seja essa a grande diferença entre o racismo brasileiro e o americano: o brasileiro é mais fluido, mais diverso. No Brasil republicano, ao menos, nunca tivemos leis que determinassem a segregação. E mesmo no Brasil colonial e imperial, quando essas leis não eram necessárias, um escravo podia ter seus próprios escravos. Bastava ter dinheiro para isso.
Chegamos a ter nobres com o cabelo enroladinho.
Sempre lembro disso quando alguém deplora nossa colonização portuguesa. Acho engraçado quando alguém diz que o Brasil seria um país melhor se a colonização holandesa tivesse prosperado. Acho mais fácil acreditar que seríamos outra África do Sul — isso se fôssemos um só país, o que é improvável –, porque Nassau não poderia viver para sempre. Outros prefeririam ser ingleses. Se baseiam no fato de duas das ex-colônias dos bretões serem países avançados, os EUA e a Austrália, e esquecem convenientemente que o Império Britânico era composto de dezenas de outras colônias, nenhuma das quais se deu exatamente bem. Com sorte, talvez pudéssemos ser uma Índia.
Essa tolerância de que nos orgulhamos é produto da índole portuguesa, de seu laissez faire social, da sua adaptalidade. Mas costumamos nos esquecer dela. Por exemplo, esquecemos que o hábito de “amancebarmo-nos” sem que isso cause escândalo vem de Portugal, não foi invenção da permissividade dos trópicos. E a nossa paixão por água, que achamos que é herança dos índios e que brandimos com orgulho diante de franceses fedorentos, vem de lá, também, herança moura.
Até nossos preconceitos são portugueses. Se nosso arquétipo de sensualidade é a mulata, e as mulheres brancas são as mais indicadas para casar, é um hábito que trouxemos de Portugal — onde desde quase sempre as morenas mouras do sul eram as gostosas, e as louras do norte se destinavam a ser mães de família. (Algumas dessas louras davam errado, como Luísa que se acabou na cama de Basílio, mas isso é outra história.)
Basicamente, enquanto outros países institucionalizavam o separated but equal ou o apartheid, nossa política de Estado sempre foi a de reconhecer a igualdade na teoria, enquanto não dávamos condições econômicas para que eles superassem sua condição de cativos.
Para muita gente essa tolerância é uma prova de que o problema do negro do Brasil não é racial.
Eu cresci ouvindo uma frase em Salvador: “O maior inimigo do negro é o mulato”. É uma frase verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Verdadeira porque, sim, como disse o Roger, uma pele mais clara é um passaporte para uma posição social mais elevada. Mas é também uma mostra da divisão que a sociedade branca impõe aos negros — regra geral mais incultos e mais frágeis em termos de organização social.
É uma frase da mesma escola que diz que o racismo no Brasil é um problema econômico, e não racial. É racismo, sim. Em “Ser Escravo no Brasil”, Kátia Mattoso comenta que a sociedade baiana, após a Abolição, passou a ser mais preconceituosa e rígida em relação à “mistura”, porque já não tinha mais a instituição da escravidão a servir como anteparo.
Há uns três anos, a cunhada de um primo meu passou uns dias conosco, enquanto esperava o seu visto para os Estados Unidos. É uma negona baiana, com tererê no cabelo e tudo. Num sábado à noite fomos no Plaza Shopping de Niterói e entramos na Taco, porque eu queria comprar umas camisetas para as caminhadas que só comecei há pouco tempo.
O Plaza não é exatamente o Fashion Mall. É o destino de 10 entre 10 habitantes de São Gonçalo no fim de semana, e por isso é desprezado pela “elite” de Icaraí. E a Taco não poderá, jamais, ser acusada de rivalizar com as Kenzo e Gucci da vida.
Quando saímos, ela contou o comentário que entreouviu de um dos vendedores da Taco, em meio a risadinhas:
“Ih, vamos ter reggae hoje”.
Ainda tenho raiva dela por não ter me contado isso na hora, porque eu teria ido direto à gerência, dizer que enquanto ela estava passeando o sujeito estava trabalhando num sábado à noite numa loja vagabunda, e que ou ele era despedido ou nós processaríamos a loja por racismo.
E depois vêm me dizer que racismo é problema social. Então tá.
que implicancia! esse seu serviço de comentarios nunca lembra de mim, mesmo eu clicando em remember me sempre! deve ser implicancia!
belo post! mas de que historia minha vc falou? nao entendi, e nem devem ter entendido seus leitores… dê o link direto… abraços!
Olha, eu já vi casos detestáveis de racismo(Com coisas nojentas como alunas adoráveis negras meio que esquecidas pela professora) mas acho que o problema é mais social sim.
Em primeiro lugar porque diferenciar o mulato do negro é complicado muitas vezes e porque o pobre branco também sofre preconceito. Aliás, eu nunca vi o pessoal de periferia depreciando ninguém como “branquelo”, mas sim como “playboy”.
André, claro que o branco pobre também sofre preconceito. A questão é que o negro pobre sofre ainda mais.
Não é que o preconceito social não exista, nem mesmo que às vezes seja determinante, como um sintoma às vezes se torna mais grave que a causa da doença; mas que o preconceito racial existe e está na origem do problema, inclusive do econômico.
Quanto aos termos pejorativos usados, desde quando xingar alguém de branco é ofensa? Xingar de “neguinho”, “crioulo” e “negro imundo” é. Nao se pode ofender alguém chamando-o de algo que se reconhece superior. A linguagem é a mais fiel tradutora da psique de um povo, e aqui ela cumpre admiravelmente bem esse papel. Linguagem é tudo.
Eu também sou vítima de racismo, por ser meio japonês. As ninfomaníacas garantem: a supremacia é dos negões! Racismo sexual é uma modalidade a ser levada em conta! :cP
Qual é a do racismo? Ele não faz sentido, ele só prejudica, separa e diferencia …pq a sociedade o cultiva?
Não faz sentido!
Boas colocações, Rafael.
É como eu disse, penso que se fossemos graduar o racismo brasileiro ele seria do tipo “light”, existe, não é lá tão escondido assim, mas, ninguém está disposto a matar ou morrer por isso. O que, ao contrário do que muitos pensam, considero uma situação infinitamente melhor do que um apartheid. Agora, sofrer mesmo, sofre quem é pobre e preto… O preto rico pelo menos é poupado das piadinhas cara a cara, já o pobre, mesmo branco é “barrado no baile”, se for preto então…
Eu não. Eu sim.
Mesmo não gostando de extremismos, quando o assunto é racismo sou radical. Mesmo sendo branco e jamais ter sofrido algum tipo de racismo, acho abominável. Por outro lado, a coisa é uma epidemia pior que o terrosismo. Não se trata de sentimento exclusivo das Américas. Voltaremos ao assunto…
Ciao.
Mesmo não gostando de extremismos, quando o assunto é racismo sou radical. Mesmo sendo branco e jamais ter sofrido algum tipo de racismo, acho abominável. Por outro lado, a coisa é uma epidemia pior que o terrosismo. Não se trata de sentimento exclusivo das Américas. Voltaremos ao assunto…
Ciao.
Basta prestar atenção em certas expressões utilizadas sem a devida atenção:
“A coisa está preta!”
“O meu dia foi negro!”
Aos racistas tenho sempre uma pergunta:
-Acreditas em Deus?
Sendo a resposta positiva,concluo:
-Já pensou qdo vc empacotar,e dar de cara com um Deus Negro?…rs
Pessoas virem dizer que o preconceito no Brasil é só social e não racial são néscios ou agem de má-fé.
A própria revista Exame, porta-voz do empresariado nacional, já fez uma matéria mostrando que um empregado negro numa grande empresa brasileira (não nas múltis) precisa mostrar o triplo de rendimento de um branco para conseguir uma promoção e subir na carreira. Nesse caso específico não tem nada a ver com o “social”, pois o cara é um “incluído”, tem um salário bom, mas não consegue chegar a executivo por puro e simples racismo.
O problema é tentar resolver o racismo com soluções de pé quebrado, como a história das cotas nas Universidades… mas isso é outra discussão, muuuito longa…
essa coisa de racismo nunca foi e nunca vai ser legal!nao é bom jugarmos uma pessoa pelo fato dela ser negra ou ser deficiente!todos somos iguais e temos direitos iguais
contra o racismo jaaaaaaaaaaaa!
Excelente artigo. peço-lhe por gentileza, se possível, se ha alguma diferença em cor negra e preto.
Em meus poucos conhecimentos, negro se refere a raça, já a cor não. estou certo?
obrigado
Olá Rafael, parabéns o texto é útil pois ajuda a desconstruir o conceito de “democracia racial” invenção de Gilberto Freyre a serviço do Salazarismo Português que no final das contas só fez piorar a situação do Negro no Brasil ao ter uma cortina de fumaça téorica escondendo a real situação e dando munição aos racistas disfarçados que insistem em dizer que o problema não é de recorte racial mas sim social… .
Mas no ponto em que vc fala que não houveram leis discriminatórias.. “há controvérsias” :
Existiram leis oficiais proibindo o acesso de escravos e negros libertos a um monte de coisas por exemplo:
Estudar , utilizar roupas vistosas ou jóias, atingir oficialato nas forças armadas, etc.. .
Fora as leis “não escritas” que impediam o acesso a locais determinados, e até que os negros pudessem jogar futebol em clubes… um exemplo é o Fluminenses que não permitia negros e mulatos no time, alguns mulatos mais claros eram aceitos mas eram obrigados a usar “PÓ DE ARROZ” para “clarear” motivo pelo qual o time é conhecido por “pó de arroz” até hoje… , Na Bahia houve um concurso para Delegados de Polícia que limitava o tamanho das “medidas glúteas” dos candidatos aprovados na prova escrita ( para evitar que negros (geralmente “bundudos”…) que eventualmente passassem pudessem entrar… .
Pois é … mas o importante é dizer que há racismo sim no Brasil e é perverso pois tenta se esconder atrás de uma “cordialidade racial” que dificulta o acesso real as condições igualitárias… e mais importante ainda é combater as práticas racistas (claras ou veladas) e o principal caminho é a EDUCAÇÃO (tanto de brancos quanto de “Não Brancos”), mas também as outras Ações Afirmativas que o governo pode tomar para “corrigir” e ajustar as distorções causadas por séculos de exploração e discriminação. Não basta reconhecer a dívida histórica com os Afrodescendentes(NEGROS=Pretos + Pardos) é preciso salda-la …
SÉRÁ QUE NO FUNDO NÓS SOMOS RACISTAS? POR FORA NAO SOMOS E POR DENTRO?
FALE COMIGO