O décimo-sexto cigarro do dia

Pela primeira vez, demorei muito tempo para comprar um livro de Rubem Fonseca. Comprei “Diário de um Fescenino” dia desses apenas porque, já com uma coletânea de contos de I. B. Singer nas mãos, vi o livro e pensei que era uma indignidade relegar um livro do “Zé Rubem” a tamanho esquecimento. Troquei os livros, mesmo sabendo que em algum lugar iria me arrepender da escolha. Mas ingratidão é um dos raros defeitos que não consegui desenvolver, e eu devo muito a Rubem Fonseca.

Acho Rubem Fonseca um dos maiores escritores brasileiros do século XX. Ler “O Cobrador” foi um choque; e choque parecido tomei alguns anos depois quando li “Lúcia McCartney”. Este é, para mim, o melhor livro de contos já escrito em língua portuguesa.

Livros como esses e “Feliz Ano Novo” e “A Coleira do Cão” fizeram de um mim um sátiro e um glutão — quer dizer, fizeram de mim um viciado em Rubem Fonseca. É por isso que ano após ano ele vem lançando seus livros e eu os venho comprando. Já não faço mais como antigamente, quando comprava seus livros no dia em que chegavam à livraria; mas ainda compro. Mesmo sabendo que estou apenas alimentando meu vício fonsequiano, mesmo sabendo que dali a algumas horas vou terminar o livro que não consegui abandonar no meio com aquela mesma velha sensação de fastio, como o décimo sexto-cigarro do dia.

A boa notícia é que “Diário de um Fescenino” não é patético como “O Doente Moliére”. A má notícia é que não chega aos pés de nenhum outro romance seu — não consegue sequer ser superior ao “Mundo Prostituto”, mesmo com sua narrativa paródica.

A primeira coisa que qualquer pessoa nota ao ler o “Fescenino” é que o diário não é exatamente uma forma que Rubem Fonseca domine. Talvez se possa alegar que a estrutura que basicamente dá datas à mesma velha narrativa ficcional que Fonseca vem repetindo ano após ano é uma decisão consciente do autor; não parece ser, e de qualquer forma seria uma saída muito fácil. No final, o que se tem é apenas mais um romance fonsequiano, apenas com datas no lugar dos números dos capítulos. Mas ele tenta sempre lembrar que é um diário, e é nisso que se perde.

Depois vem a sensaçao de que você conhece o protagonista: é apenas Gustavo Flávio empobrecido espiritualmente e com outro nome, homem com outra linguagem mas com o mesmo espírito. E tantos outros personagens espalhados por tantos outros livros.

Fica a impressão de que Rubem Fonseca quis subverter o tema do livro, aparentemente encomendado por sua editora, falando menos de putaria do que de literatura. Se foi isso, Fonseca não conseguiu. Não há a crueza do Cobrador cuspindo na boceta da mulher que vai estuprar, nem Rufus é um esteta utópico como o velho e bom Morel; há apenas diluição, a repetição de uma fórmula gasta há muito tempo.

E restam os personagens, péssimos personagens. Nenhum deles é mais que uma caricatura; de Virna a Elizabeth, de Clorinda a Gouvêa&Soares, são todos apenas esboços tracejados em um guardanapo de bar, com o agravante de serem esboços já conhecidos. Finalmente o livro é resolvido com um deus ex machina medíocre e inconcluso, com um adendo final — o ressurgimento de uma personagem que, durante todo o clímax do livro, ficou de fora inexplicavelmente — que não é apenas dispensável, mas também improvável.

É por isso que Rubem Fonseca, hoje, é apenas o décimo-sexto cigarro do dia. Você espera por ele depois que fuma o décimo-quinto; mas depois, quando você está no trigésimo, o décimo-sexto sequer existiu, porque não é sequer um traço na memória: sumiu completamente no ar, se esvaiu em fumaça azulada.

4 thoughts on “O décimo-sexto cigarro do dia

  1. parabéns, se não me engano o candidato pelo qual vc trabalhou ganhou no 1 turno não é?

    parabéns

  2. PARABENSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSSS!!!! AGORA VEM EM MARINGÁ FAZER O PT GANHAR!!!
    BEIJAO
    LULU

  3. Grande Rafa! Parabéns pelo trabalho aí! Embora eu seja um PSDBista, tenho poucas restrições contra o PT em ALGUNS lugares. hehehehehe

    Só espero que você continue aí e não venha pra Sampa, tentar turbinar a campanha da Martaxa. Deixa o Serra ganhar aqui, ok? :c)

    Abraços,
    Valdemar

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