Em 29 de novembro de 1980 eu fui para o cinema sozinho pela primeira vez. Peguei um ônibus no fim de linha da Graça, onde morava. Desci na praça Castro Alves. O filme era “Nós Jogamos Com os Hipopótamos”, com Terence Hill e Bud Spencer, no Cine Guarani, hoje Glauber Rocha.
Não me perguntem como lembro da data. Mas sei por que resolvi falar disso.
No Coisa de Cinema, recomendado pelo Reginaldo, me bati com um banner avisando que o cinema, que tinha fechado em 1998, foi transformado em uma espécie de Estação Unibanco. Um mutiplex moderno, e uma alternativa excelente à segregação dos cinemas em shopping centers.
Enquanto isso, a alguns poucos quarteirões dali (basta descer a Barroquinha e virar à esquerda na Baixa dos Sapateiros), outro cinema agoniza.
Entrei no Cine Jandaia uma única vez, em 1987. Um primo aficcionado por artes marciais foi assistir a um filme de Bruce Lee e me chamou. Eu fingi um interesse que não tinha porque sabia que havia também um filme de sacanagem. Só tinha dois medos, o de ser barrado — ainda não tinha completado 16 anos — e o de o filme de Bruce Lee passar primeiro e meu primo querer ir embora. Medos bobos, como se viu. Ninguém quis saber minha idade e meu primo não foi embora depois dos gritinhos do porradeiro. Ou o filme de Lee passou por último, sei lá.
Quando entrei ali fiquei deslumbrado com os ecos de um passado que tinha sido glorioso. Como todo cinema de centro — principalmente de uma área decadente como a Baixa dos Sapateiros –, o Jandaia há muito tempo é só uma sombra do que já foi. Mas ali estavam as provas, embora esmaecidas.
O Cine Jandaia, como é hoje, foi construído no início da década de 30. Tinha um luxo que só era possível naquela época, em que a Bahia nadava no dinheiro do cacau. Não sei se ele ainda funciona; se funciona, há pelo menos 25 anos exibe diariamente as tradicionais sessões duplas dos cinema poeira — um filme de pancadaria e um filme pornô, para platéias cada vez menores.
Ali perto, e já fechado, está o Pax.
Dia desses um amigo contou como eram as coisas nos últimos dias daquele cinema.
No banheiro homens se postavam em duas filas com seus pênis para fora, como em um corredor polonês, esperando que algum homossexual os escolhesse. Nos cantos, garotos de programa faziam valer o dinheiro que estavam ganhando duramente.
Mais do que simples salas de exibição, alguns desses cinemas são patrimônio de uma cidade.
Todas as capitais do Brasil, hoje, discutem projetos de revitalização dos seus centros. Nenhum desses projetos, no entanto, pode estar completo sem uma iniciativa em favor dos cinemas de centro.
Não é difícil. A maioria deles é gigantesca, com mil ou mais lugares, e pode sofrer reformulações completas, a partir da diminuição de poltronas e o acréscimo de bares ou pequenos centros culturais.
Foi o que a Petrobras fez com o Odeon, na Cinelândia do Rio, e ninguém pode negar que deu extremamente certo.
Nenhum desses cinemas de centro tem alguma chance de sobrevida se não for por iniciativas estatais ou subsidiadas pelo Estado. A lei do mercado é cruel com todos eles.
O problema é que pouca gente iria se aventurar na Baixa do Sapateiro. Experimente ir a um dos cinemas da Estrada do Coco e você vai odiar as novas salas e se lamentar ainda mais pela perda dos velhos cinemas.
Ciao
Rafael, tô ansiosa pra ver o Espaço funcionando. As salas dos shoppings são mesmo um saco, e só temos as Salas de Arte, q são pequenas, mas com programação alternativa excelente. Já sei daonde te conheço… vc morava na Humberto de Campos, por ali? Nesta época, eu morava na Barão de Loreto. De repente, pegávamos o mesmo buzu. Bons tempos da Graça … (rsrsrsr)
Aqui em Floripa os antigos cinemas do centro, agora são da “Igreja Universal”!
E esse seu amigo hem?
Aqui em Rio Preto todos os cinemas do centro fecharam, dando lugar à proliferação cada vez maior de maconheiros sob à Biblioteca Municipal. Os grandes multiplex estão onde? Adivinha?
No shopping, claro.
Pois foi no lendário Cine Jandaia (q era um cine-teatro) onde Elis Regina se apresentou pela primeira vez na Bahia. E o Pax q é o maior cinema de todos foi arrendado pela cantora Daniela Mercury q pensa em transformá-lo numa imensa casa de shows.
A solução do Aeroclube em Salvador me parece bem interessante. Tem lojas, pode ser chamado de shopping também, mas são mais lojinhas para turistas eventuais. O lugar é mais para lazer com barzinhos e casa de show com boate. E um horário de funcionamento mais elástico. Supimpa como diz o Biajoni.
hehehe… supimpa, regi.
;>)
não sei se concordo exatamente com isso. a lei de mercado é cruel com todos, não só com os cinemas do centro. logo as MERCEARIAS DE BAIRRO vão querer algum tipo de subsídio – vcs já viram como andam os HIPERMERCADOS?
Faz algum tempo que não passo pela Baixa dos Sapateiros, mas da última vez o Jandaia ainda funcionava em sessão duplas mas com dois filmes pornôs. E do lado uma Igreja Universal.
Post sensacional, Rafael. Eu também sou do tempo dos cinemões do Rio de Janeiro, de dois andares. Algumas das minhas lembranças mais antigas são de ver “Pequeno Príncipe” e “Se Meu Fusca Falasse” numa sala gigantesca do bairro da Tijuca, se não me engano o América. Por isso, quando surgiram os multiplexes e cinemas de shopping, eu nunca achei a experiência tão boa. As telas eram pequenas, a decoração pobre, e tinha vezes que a parte do meio, em vez de ter poltronas, era o corredor. Aqui onde eu moro atualmente, em Sacramento, há dois cinemas sobreviventes que ainda resistem ao mercado dos multiplexes. São por sinal, os únicos que mostram filmes de arte e filmes estrangeiros. Ambos têm arquitetura lindíssima, art decô, por dentro e por fora (principalmente o Crest, onde assisti Cidade de Deus).
Belo Horizonte também perdeu seus cinemas do centro. Há dois “espaços unibanco”, que funcinam muito bem e são “point” de gente “in” ( tô parecendo o Ibrahim Sued, fazer o quê? ) Há cinemas que se transformaram em estacionamento coberto, outros são templos de evangélicos… O mais famoso de BH, o Cine Pathé, que exibia filmes de arte e “europeus”, hoje é ‘infoshop’. Vejo isso e me lembro do corvo, do Poe: “never more, never more…”
1. Eu ADORO o Aeroclube, mas como diz o meu amigo também baiano Henrique, eu sou paulista e Salvador anda infestado de paulistas.
2. Todos os cinemas do centro de Sampa já viraram Igreja Universal há anos.
3. Um dos cinemas mais sensacionais de São Paulo era o Metrópole. Escadaria de mármores, tapete de veludo vermelho e candelabro de cristal. Nos bons tempos, os homens tinham que entrar de terno e as mulheres de chapéu. Já era, como quase todos os outros:
http://www.vivaocentro.org.br/bancodados/enderecos/cinemas.htm
Tempos modernos, vamos ao shopping.
Ao menos o Aeroclube tem céu aberto e vista para o mar.
Os cinemas de bairro…lembro da primeira vez que fui ao cinema assistir “Branca de Neve”. Eu tinha 5 anos, lá no Irajá. Lembro do de Rocha Miranda e tantos outros que viraram Igreja Universal do Reino de Deus…pois é…
Rafael,
acho que o cinema não existe mais, vou reparar quando passar por lá…
Vc alcançou a época do Cine ART no Politeama?
Cinema bom era o ART, onde eu me refugiava nas tardes de domingo… Olha, esse espaço Unibanco que pretendem abrir no ex-Cine Galuber Rocha parece estar com as obras meio paradas… sei não, será que sai? Agora, a todo vapor mesmo, está a restauração de uma Igreja linda que se vê na Barroquinha do alto da Praça Castro Alves – nome que minha ignorância não permite mencionar aqui.
Oi gente,
Meu nome é Alice, sou neta de Milton Barros de Oliveira, ex dono do cine Jandaia, que ficou em posse de nossa família até acredito que a decada de 70, quando meu avô morreu e ele foi vendido por minhas tias. Sou muito curiosa e estava procurando informações sobre o cinema na internet, quando achei esses comentários de vcs… Alguém poderia me dar novas informações sobre o Jandaia? gostaria de saber se existe alguma maneira dele ser tombado e o que podemos fazer para que isso aconteça.
Desde já, grata.
Alice Oliveira
Alguém poderia me dizer como “esses caras” conseguiram comprar tanto cinema assim. Deviam ou devem ter algum grande projeto em mente. De norte a sul deste país compraram todas as grandes salas de cinema. Pequenas, grandes, não pouparam estados e nem cidades. Das menores as maiores compraram tudo.O que não deu pra restaurar foi destruído … e construiram de novo em cima. Interessante o que o “poder” do dinheiro faz.Nos grandes centros urbanos que antes ofereciam ainda um pouco de lazer e diversão deram lugar a marginalidade e a prostituição. Acredito que um pouco de boa vontade, inteligência e bom planejamento dos governantes até seja possível reverter num futuro próximo esta situação, fazendo com que a cidades voltem a ter espaços onde a cultura possa enfim sobreviver e conviver em paz.
Além do Jandaia, havia perto da ladeira da Saúde, o cine Aliança que na época passou filmes com Niñon Sevila e Maria Antonieta Ponds, Rumbeiras mexicanas, além de outros filmes como O Corvor etc.
O Jandaia tinha ao lado a Ladeira do Alvo, o Aliança tinha a Ladeira da Saúde e o Pax a Ladeira do Pax, como era conhecida. Valeu!