A última noite de Evariste Galois

Eu nunca tinha ouvido falar em Evariste Galois até ontem.

Nada de espantar, considerando-se que o meu conhecimento matemático restringe-se à certeza de que 2+2=5. Mas ontem, enquanto me contavam sua história, perdi alguns minutos imaginando a vida aventurosa do rapaz, vida que as pessoas associam a qualquer tipo de pessoa, menos a um matemático. Porque paixões não combinam com números, é o que diz a sabedoria popular.

Foi assim que me contaram a história, e é assim que eu a conto agora.

Evariste Galois foi um matemático francês brilhante, fundamental para a teoria dos grupos e estudado ainda hoje, quase dois séculos depois de sua morte.

Ele foi morto aos 20 anos de idade pelo marido da amante, o melhor atirador da França. Parece que, depois de agüentar a maneira meio esquisita de sua mulher se divertir, ele cansou dos amantes dela, infelizmente quando era a vez de Galois. Essas coisas acontecem, são dessas eventualidades a que as pessoas costumam estar sujeitas quando suas paixões são maiores que elas mesmas. O marido tantas vezes traído o desafiou a um duelo e Galois, homem honrado em um tempo em que a honra valia alguma coisa, não soube simplesmente dizer não.

Galois sabia que não tinha chance. Sabia que ia morrer, e que sua vida seria curta e que ele não teria chance de completar sua teoria. E decidiu passar sua última noite colocando no papel aquilo que vinha desenvolvendo. Essa pressa, essa necessidade de eternizar uma vida que iria acabar dali a algumas horas, é uma das coisas que fazem a história de Evariste Galois soberba.

Mas tem mais. Enquanto escrevia febrilmente, ele deixava escapar o que realmente estava ocupando sua cabeça naquela noite, misturando sua revolta às fórmulas frias:

“Raiz quadrada do seno pela tangente eu vou morrer por causa daquela vagabunda. Dez xis elevado à quinta potência eu vou morrer por causa daquela cadela.”

No dia seguinte, o marido deu-lhe um tiro na barriga e Evariste Galois morreu.

Na verdade, uma busca rápida pela internet mostra que a história não é exatamente essa, que embora a vida de Evariste Galois tenha sido mesmo agitada os fatos são narrados de uma maneira levemente inventiva. Mas o amigo que me contou a história já disse, e eu concordo: não interessa contar a história verdadeira, porque ela não chega aos pés da lenda que se criou. Quando a lenda é mais bela que a verdade, que se publique a lenda.

13 thoughts on “A última noite de Evariste Galois

  1. ‘ … uma coisa é o fato acontecido, outra coisa é o fato contado … escrito precisa ter umas invenções …’ mais ou menos isso, diz Antônio Biá, personagem do grande filme ‘Narradores de Javé’, da baiana Eliana Caffé.
    Bom post, Rafa!
    Bjos!

  2. Li uma pequena biografia desse sujeito, certa vez. Era muito parecida com essa que você conta, Rafa. Muitas vezes é melhor mesmo alterar a história, fica muito mais interessante. Me lembro quando Paulo encontra Jesus, em A Última Tentação de Cristo, e diz, com desdém: ” meu jesus de nazaré é maior do que você”, ou algo desse tipo. E pra usar um exemplo que você já deu: me lembro também dos judeus dizendo que o final de A Lista de Schindler é um retrato razoavelmente fiel do que aconteceu. O que é uma pena, pois estragou o filme. Eu preferia “ficcionar” e deixa a história contada mais interessante.

  3. Ouvi essa história exatamente do mesmo jeito, quando tinha 16 anos e cursava o preparatório para a faculdade. Quem contou foi o nosso melhor professor de matemática (eram 4). A única diferença é que na versão que eu ouvi a moça não tinha tido outros amantes além de Galois.

    A história é tão impressionante (e é verdadeira), que ficou marcada na minha memória. Tentei lembrar agora de qualquer outro fato marcante daquele ano inteiro de aulas do Prof. Leite e não consegui.

  4. O nome da gata que lhe custou um buraquinho na barriga era Stephanie-Felice du Motel. Um nome que era já todo um programa. Com um nome assim só podia dar confusão mesmo.

  5. lendo seu blog, achei vc uma pessoa interessante ecom quemgostaria de conversar…se puder…

  6. Realmente a forma como uma história é contada e como ela se propaga faz toda a diferença. Assim como os seus posts, muito bem escritos. E como eu já disse, o final diz tudo. E eu adorei mais esse. Bjs.

  7. Pobres Galois. Se vivesse nos dias de hoje teria aprendido que mais valhe um covarde vivo que uma teoria incompleta.
    Ciao

  8. “Quando a lenda é mais bela que a verdade, que se publique a lenda.”
    bela frase!
    me deu ideia d começar um filme com ela =P
    tem dono??

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