Alguém veio parar aqui procurando pela combinação de palavras Chapeuzinho Vermelho e canibalismo.
É um ângulo interessante sob o qual olhar a história, mas o canibalismo que me vem à cabeça é outro.
Para mim (e para o Neil Jordan, que fez um filme inteiro sobre isso), as entrelinhas dizem respeito à sexualidade, e não a hábitos alimentares lecterianos.
Descobrir as delícias do sexo extra-marital — e os horrores da condenação social — é o que acontece a quem não ouve os conselhos de sua mãe. Cabe à Chapeuzinho não repetir o erro da vovó, enganada por lobo semelhante em sua juventude. Lobos são uns cafajestes. Pedem, prometem tudo, até amor.
Mas isso importa pouco. Talvez seja uma teimosia burra, mas por várias razões tento não deixar que o que acho hoje sobre essas histórias atrapalhe a visão mágica que já tive deles.
Eu já sei que Rapunzel é a vítima alegre de uma velha lésbica, que resolveu trancar a pobrezinha numa torre para poder desfrutar sozinha de seus encantos sáficos. Rapunzel, no entanto, se encantou com a beleza fálica do príncipe e renegou a pobre bruxa, que estava velha e desdentada (mulheres desdentadas, como se sabe, são mais adequadas à felação que à cunilíngua). Coladoras de velcro, desde que não masculinizadas, podem e devem ser recuperadas.
Sei que “Para Não Ser Triste” (Quero ver você não chorar, não olhar pra trás…) é a melô do sexo anal.
Que os Três Porquinhos são uma maneira simples de incutir nas crianças a ética protestante do trabalho.
Sei que a Dona Baratinha mostra que mulher que escolhe muito acaba no caritó, que não tem o direito de querer algo melhor do que ela, deve se contentar com o pouco que se lhe oferece.
Que o Gato de Botas, além de uma lição de alpinismo social, ensina que para subir na vida o importante é mentir e ser esperto, porque isto aqui é uma eterna luta de classes e os ricos são o inimigo a ser vencido, ao mesmo tempo que o prêmio a ser conquistado.
Sei também que Cinderela é a prova de que, se você for uma pessoa humílima e comer o pão que o diabo amassou, um dia Deus se apieda e lhe manda uma fada madrinha para fazer com que você deixe de morder beira de penico dizendo que é biscoito. Recomenda-se apenas que você seja bonita, porque Deus não tem dó das feias.
E que a Bela e a Fera mostram que, mesmo que você tenha um pai covarde, egoísta e venal, é melhor aceitar o casamento por interesse que ele te arranja com um homem detestável, porque embaixo daquela máscara de grosseria e maus modos pode haver o doce consolo de uma alma nobre ou, sendo mais realista, um sujeito que que sustente você e o vagabundo do seu pai.
É, eu já sei de todos esses detalhes. O mundo, no entanto, não fica melhor por isso.
Fica combinado assim: Chapeuzinho Vermelho, et nunc et semper, é só a história de uma menina que mora na fímbria da floresta e que, certo dia, vai levar uma cesta de doces para a vovozinha.
Rafa,concordo q o ‘comer’na ‘Chapeuzinho Vermelho’é uma outra história, e tb n quero acabar c a minha ilusão de criança …
Gosto mto destas versões, q desconstróem as clássicas, dando ênfase a outros elementos: ‘Chapeuzinho Amarelo’- Chico Buarque; ‘Fita Verde no Cabelo’- Guimarães Rosa; ‘História Malcontada’- Drummond; ‘Chapeuzinho Vermelho de Raiva’- Mário Prata e ‘Lobo Bobo’, canção de Ronaldo Bôscoli e Carlos Lyra.
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Outras ‘versões’de ‘Chapeuzinho Vermelho'(desconheço a autoria).
CLÁUDIA
“Como chegar na casa da vovozinha sem se deixar enganar pelos lobos no caminho.”
NOVA
“Dez maneiras de levar um lobo à loucura na cama.”
MARIE CLAIRE
“Na cama com um lobo e minha avó”, relato de quem passou por essa experiência.
VEJA
“… fulano de tal, 23, o lenhador que retirou Chapeuzinho da barriga do lobo tem sido considerado um herói na região. ‘O lobo estava dormindo, acho que não foi tão perigoso assim’, admite.”
FANTÁSTICO (Glória Maria)
“… que gracinha, gente, vocês não vão acreditar, mas essa menina linda aqui foi retirada viva da barriga de um lobo, não é mesmo…?.”
JORNAL NACIONAL(Willian Bonner) “Boa noite. Uma menina de 7 anos foi devorada por um lobo na noite de ontem”
(Fátima Bernardes) “Mas graças a atuação de um caçador, não houve uma tragédia”.
CIDADE ALERTA (Luis Datena)
“…onde é que a gente vai parar, cadê as autoridades? Cadê as autoridades? A menina ia para a casa da avozinha. Não tem transporte público! Não tem transporte público! e foi devorada viva. Um lobo, um lobo safado. Põe na tela, primo! Porque eu falo mesmo, não tenho medo de lobo, não tenho medo de lobo, não”.
JORNAL DO BRASIL
“Floresta: garota é atacada por lobo”. Na matéria, a gente não fica sabendo onde, nem quando, nem mais detalhes.
O GLOBO
“Retirada Viva da Barriga de um lobo”. Na matéria, terá até mapa da região. O salvamento é mais importante que o ataque.
FOLHA DE S. PAULO
Legenda da foto: “Chapeuzinho, à direita, aperta a mão de seu salvador”.
Na matéria, um box com um zoólogo explicando os hábitos alimentares dos lobos.
SEXY
(ensaio fotográfico com Chapeuzinho) “Essa garota matou um lobo!”
CARAS
(ensaio fotográfico) “Na banheira de hidromassagem, na cabana da avozinha em Campos de Jordão, Chapeuzinho reflete sobre os acontecimentos: até ser devorada, eu não dava valor para muitas coisas da vida. Hoje sou outra pessoa, admitiu Chapeuzinho.”
Beijos, lindinho!
Chapôzinho, na Terra 7, leva o Mensalão.
Ou drogas, como numa velha HQ do Spacca.
Rapunzel e chapeuzinho vermelho realmente eram putas.
Mas Rafael eu fiquei realmente decepcionada quando fiquei sabendo que o autor de “Alice no país das Maravilhas” – a hiostória infantil que mais gosto- o Lewis Carroll (é isso né?) era um safado de um pedófilo. Ah! isso me deixou irada. Disgraçado não podia ser normal?
Desde quando ‘Alice’ é uma história normal? 🙂
Se você quiser, acha diversos exemplos de perversidade e malvadeza no livro. E é por isso que gosto tanto dele.
Livro bonitinho é o ‘O Leão, a Bruxa e o Guarda-Roupas’ (‘The Lion, the Witch and the Wardrobe’), em breve no cinema. Esse é meu livro de infância. Só de ver o trailer me deu enorme felicidade.
Pois como Bruno falou lá embaixo, eu fico é impressionada com a quantidade de violência e maldade que tem nas histórias infantis, e a gente ouvia isso sem achar nada de mais hehehehe,.
O tema foi explorado (com conclusões poucos diferentes das do Rafael) por um psiquiatra de nome Bruno Bettelheim na sua obra «Psicanálise dos contos de fadas», que eu li sofregamente quando era uma adolescente palerma vidrada em psicanálise. A figura do autor acaba sendo mais interessante que o livro: em tempos prisioneiro num campo de concentração nazi, Bruno Bettelheim foi muito criticado pela crítica feroz que fazia às mães, a quem acabava acusando de todas as taras e manias das criancinhas (e não só…) e acabou se suicidando, não faço ideia dos motivos, a uma idade muito estranha para se cometer tal acto: 92 anos.
Rafael, simplesmente fiquei com medo sobre o que você poderia dizer sobre a Raposa e as Uvas.
acho que o mundo é doente .. complexos de cinderela, sapatinos perdidos, tudo tudo doença .. e pra não ter erro, nos sufocam com estas histórias para que fiquemos tão doentes quanto o mundo!
Mas talvez seja um mal necessário, talvez seja um manual de instrução pra nossa vida futura …
Só sei que de lobos, madrastas, bruxas e rainhas loucas.. aprendemos a soprar, soprar até derrubar, aprendemos a escolher a maçã podre, também a não subir em qualquer torre e muito menos deixar a cabeça dando sopa por aí …
Beijo,
Peter Pan é meu favorito, ele resume o conjunto de todas as fantasias infantis pré-tecnológicas. O menino que nunca cresce, voa pelos céus, enfrenta piratas, brinca com índios, conversa com fadas, se encanta com sereias e vive todas as fantasias possíveis e imagináveis numa terra fantástica, inclusive o amor. É perfeito.
P.S. Olha eu aqui embromando serviço bem no dia que soltaram uma portaria sobre uso de internet… ehhehehe
me retirando da história do chapeuzinho… adorei sua volta, afinal aquela ultima linha em itálico, dava uma sensação de ausencia, e já tava dando saudande. bjs
No quesito descontrução minha obra preferida é “Para ler o Pato Donald”, do chileno Ariel Dorfman que, embora analise os quadrinhos Disney e não as fábulas, nos faz pensar no que há por trás das inocentes estórias infantis.
Bruno eu continuo adorando “Alice”. Mesmo com as peversidades. hehehe!
Só uma ressalva: a suposta pedofilia de Lewis Carroll é tese controversíssima nos meios acadêmicos. Está bem longe de haver consenso entre os biógrafos dele sobre o que alimentava a estreita relação do professor de matemática com a família do reitor. Há quem sustente a tese de uma relação adúltera com a mãe de Alice, explicação bem mais aceita que a da pedofilia.
Me deixou mais aliviada Helena
Legal, gostei deste tipo de espaço para comentarmos de forma tão pacifica,porque fala sério de violência já basta as dos contos de fadas. Depois ainda tem gente que fala que o nosso mundo atualé que é violento
quero saber o que verdadeiramente ha por tras dessas historias e muito obrigado por esta me ajudando a sair da caverna
olha gostei muito de todos os pensamentos
e concordo
mas acho que
ela naum tem culpa de ter uma vizinhaça ruim
e uma familia desnaturada