It's a man's world

Mônica me pergunta:

— Rafael, a Nova ainda existe?

— Existe. E vai existir enquanto existir mulher mal comida neste mundo.

Um dia eu descubro por que este país não tem sequer uma revista feminina decente. A Marie Claire começou bem, mas descambou rapidinho para matérias do tipo “Fiz uma suruba com o meu neto e minha nora”. A Cláudia, que se segurou bem durante décadas, desceu o nível e hoje é uma vendedora de alface na feira. E a Nova, que sempre foi isso mesmo, consolo intelectual para mulheres mal comidas e mal empregadas, deve continuar a mesma coisa, com artigos traduzidos da Cosmopolitan onde americanas neuróticas e semi-histéricas ante o “tic-tac do relógio biológico” tentam ensinar as bobas a segurar o seu homem com 1.375 posições sexuais.

De repente dá até saudade daquelas fotonovelas italianas da Gande Hotel, Sétimo Céu e Capricho.

E por tudo isso eu tenho a impressão, cada vez mais forte, de que revista boa era a Mini Fiesta, com suas fotonovelas de putaria e seus relatos “verídicos” de casos eróticos.

A Mini Fiesta, pelo menos, era honesta.

Meu beatle preferido

Agora é minha vez de dizer qual o meu beatle preferido.

Todos.

As razões basicamente são as mesmas alegadas pelo Allan. Os Beatles são um caso raro em que a banda só funciona com seus quatro elementos, em que o resultado final é muito maior que a soma dos quatro. Os Stones são os Stones sem Brian Jones ou Bill Wyman; os Beatles não seriam os mesmos sem George Harrison ou Ringo Starr, mesmo descontando-se o domínio claro de Lennon/McCartney. O melhor exemplo está nos discos solo de John e de Ringo: em alguns deles os ex-beatles tocaram, mas o som não era igual ao que faziam na banda. Era o som de Lennon ou de Ringo. Por outro lado, mesmo quase 40 anos depois do fim, quando fizeram aqueles caça-níqueis chamados Free as a Bird e Real Love, o som era inegavelmente beatle. Isso é mágica, e não dá para explicar.

Já em termos de carreira solo, acho a de McCartney mais consistente, mais ousada, ainda que com resultados variáveis. Mesmo que seja encarado como o conservador da banda, McCartney é quem historicamente mais se aventurou musicalmente — rock, baladas, music hall, música erudita, standards. Dentro e fora dos Beatles.

Isso não quer dizer sempre melhor, necessariamente. McCartney tem discos deprimentes como o Wings at the Speed of Sound e o Off The Ground. Mas quem fala da superioridade de Lennon deveria lembrar que boa parte de sua produção solo foi medíocre, que depois de dois discos geniais, John Lennon/Plastic Ono Band e Imagine, ele gravou uma sucessão de discos ruins como o Mind Games e o Walls and Bridges. Já George Harrison, em que pese um início maravilhoso, viu sua produção decair consistentemente a cada novo disco e ficar cada vez mais rarefeita, lançando apenas dois discos solo inéditos nos seus últimos 20 anos — um deles póstumo, a propósito.

O Victor está errado ao dizer que Harrison era quem tinha mais vontade de refazer a banda. Na verdade, era exatamente o contrário. Até Lennon, quando se acalmou aí perto da metade dos anos 70, admitia a hipótese remota da banda voltar. Harrison, nunca: quando Lennon morreu ainda estava brigado com ele (dizem que saiu até tapa, foi uma baixaria, rapaz), e até o fim da vida manteve uma relação tensa com McCartney (ele dizia “cármica”), muito semelhante à de um irmão caçula em relação ao mais velho. Foi Harrison quem disse que tudo o que os Beatles lhe deram foi “um sistema nervoso em frangalhos”. E só aceitou participar do projeto Anthology porque estava quebrado, graças à sua Handmade Films.

Já o Bruno justificou a sua preferência por George Harrison de maneira engraçada. Harrison não era hippie — nenhum deles era. E o seu relato de sua única visita a Haight-Ashbury (que Hunter Thompson chamava, brilhantemente, de Hashbury), no Verão do Amor, é interessantíssima pelo horror que aquilo tudo lhe causou. É verdade que era o menos pedante, provavelmente o mais generoso; ao mesmo tempo, era o sujeito que cantava a mulher de Ringo na frente dele e que ofereceu a própria esposa a Eric Clapton para poder comer a cunhada. E que me desculpe o Bruno, mas dos quatros beatles acho o pior instrumentista. Melhorou muito depois do fim da banda, quando praticamente migrou para o slide guitar, mas ainda assim fica atrás de gente boa como Duane Allman. Por outro lado Ringo, um baterista forte, econômico, é relegado a quase nada pelos críticos.

Mas o mais curioso nessa pequena enquete é o número de pessoas que preferem McCartney. Alguém devia dizer isso a ele, porque o velhinho tem um problema sério em relação à afirmação do seu passado. McCartney é um gênio musical, um dos poucos que ainda restam. É um homem capaz de, aos 65 anos, lançar um disco cheio de frescor e ao mesmo tempo pungente como Memory Almost Full, e que em 2 anos lançou dois grandes discos pop, um de música clássica e vai lançar agora mais um de música lounge, dance, ambiente, sei lá. Não conheço muita gente com sua idade capaz de fazer isso. E dos mitos dos anos 60, é (junto com Dylan) o único que ainda lança grandes discos, e o único que ainda explora frentes novas.

O diabo é que o melhor disco de McCartney não pode ser, por convenção, melhor que o pior dos Beatles. Se a convenção está certa ou não — e eu acho que não está; Band on the Run é muito melhor que o Beatles For Sale —, não interessa. Quando o Chaos and Creation foi lançado, o produtor Nigel Godrich declarou que não queria McCartney soando como os Beatles. Basicamente, repetiu o que todo crítico diz sobre o ex-marido de Heather Mills. E aí está o seu drama, coitado. Para qualquer banda, dizer que lembram os Beatles é um elogio. Para McCartney, que mais que qualquer outra pessoa no mundo tem o direito a esse título, é um crime.

E a culpa é dele mesmo. Dele, de John, de George e de Ringo.