Ainda não ouvi os discos remasterizados dos Beatles que foram lançados na semana passada. Estão demorando muito para baixar (“desculpe, Paul e Ringo, mas você já são ricos o bastante”, escreveu o moço gentil que disponibilizou essas gravações na internet, e eu faço minhas suas palavras). Mas ouvi uns trechos e posso começar a comparar. Pelo menos uma canção parece pior do que sua última versão, Hey Bulldog, tendo perdido um bocado de sua força — na verdade, a versão mono é melhor. Já o álbum Please Please Me parece recuperar a riqueza sonora do antigo LP estéreo, e isso já é uma grande vantagem. Que ninguém espere uma grande revelação, no entanto: são exatamente as mesmas gravações. Ou seja, isso que está saindo agora é interessante, é legal, mas não é fundamental.
Infelizmente, mesmo sem ouvir as canções alguns efeitos colaterais ruins já se fazem notar. Um dos mais curiosos é causado pela avalanche de mídia espontânea gerada pelo lançamento. Isso obriga fãs bobos como o autor destas maltraçadas a ler algumas críticas e comentários que beiram a idiotice. Nenhuma, no entanto, foi tão ruim quanto a matéria assinada pelo Luís Antônio Giron na revista Época desta semana.
A matéria de Luís Antônio Giron é um amontoado de erros crassos e uma coleção de bobagens. Por exemplo, se refere ao Past Masters como uma coleção de “faixas raras”. She Loves You, I Wanna Hold Your Hand, Let it Be, Get Back, Day Tripper são algumas das canções do disco, que basicamente reuniu, em dois discos, os compactos dos Beatles; era em compactos, aliás, que eles lançavam suas principais canções. Por isso não são exatamente raridades. O mais curioso é que Giron parece centrar sua atenção no Past Masters, fazendo-o inadvertidamente parecer a grande novidade do pacote, quando ele existe há 21 anos. A única diferença é que agora, em vez de dois volumes separados, é um álbum duplo (como aliás foi a versão em vinil lançada em 1988).
Giron diz que os Beatles gravaram Komm, Gib Mir Deine Hand (versão em alemão para I Want To Hold Your Hand) porque “sentiram a deficiência” das condições de gravação. É uma grande estupidez. Eles gravaram essa canção — e Sie Liebt Dich, versão de She Loves You — pela mesma razão que Nat King Cole gravou aquele bocado de canções em castelhano: para seduzir um mercado específico, mais nada, e por pressão da Electrola Gesellschaft, o braço alemão da EMI. Gravar canções em língua estrangeira era uma prática comum na era anterior à dos Beatles; eles não queriam gravar essas versões.
Mas a coisa ainda fica pior: os Beatles apenas regravaram os vocais para essa canção, sobre o instrumental original de I Want To Hold Your Hand. Ou seja, mudaram nada, apesar de, segundo o Giron, “terem sentido a deficiência”.
O jornalista diz também que You Know My Name (Look Up The Number) “foi a última faixa produzida pelos Beatles, em novembro de 1969”.
A faixa foi gravada em duas sessões em 1967 (com Brian Jones, dos Stones, tocando sax, entre outras curiosidades) e esquecida. Em abril de 1969 John e Paul fizeram alguns overdubs para a canção. Em novembro (26, mais exatamente), John Lennon, sozinho, se juntou a Geoff Emerick (engenheiro de som dos Beatles que, recentemente, deu uma grande entrevista sobre o Abbey Road) para fazer a edição final da canção, sem nenhum outro beatle presente. Sua idéia era lançar a canção assinada pela Plastic Ono Band. Mas isso geraria problemas com McCartney (é fácil imaginá-lo dizendo : “I’m no part of any friggin’ bloody Plastic Ono Band!“). You Know My Name acabaria saindo como o lado B de Let it Be.
A última gravação dos Beatles ocorreria pouco mais de um mês depois. Em 3 e 4 de janeiro de 1970 Paul, George e Ringo (Lennon estava em férias na Dinamarca) se reuniram no estúdio para finalizar I Me Mine, de George, e essa seria a última vez que mais de um Beatle trabalhariam juntos no estúdio. (Só para constar: a última vez em que os quatro estiveram juntos nos estúdios da EMI, hoje Abbey Road Studios, foi no dia 20 de agosto de 1969, finalizando I Want You [She’s So Heavy]).
Outra informação impressionantemente equivocada é a de que a discografia americana foi lançada no Brasil. Isso é uma das maiores mostras de ignorância que eu já vi. Porque as versões americanas dos discos dos Beatles, com grandes diferenças em relação aos originais ingleses, nunca, jamais, em hipótese alguma foram lançadas no Brasil.
Até 1965 o Brasil lançava suas próprias versões dos álbuns dos Beatles, como acontecia nos Estados Unidos. Lá foram lançados os seguintes discos (descontando outros lançados por outras gravadoras como a Swan e a VeeJay): Introducing The Beatles, Meet The Beatles, The Beatles’ Second Album, A Hard Day’s Night, Something New, Beatles’ 65, The Early Beatles (basicamente o Introducing The Beatles com outra ordem de músicas, agora lançado pela gravadora Capitol), Beatles VI, Rubber Soul, Yesterday and Today e Revolver. Todos esses discos trazem diferenças em relação aos originais ingleses. Daí em diante os discos seriam iguais aos ingleses, com exceção do Magical Mystery Tour; a Capitol não gostou do EP duplo original, e transformou-o em um LP, agregando os compactos lançados na época, como Strawberry Fields Forever, All You Need Is Love e Hello, Goodbye. O álbum ficou tão melhor que o lançamento original que os ingleses, ao unificar as discografias em todo o mundo em 1976, substituíram o lançamento original por ele.
No Brasil foi lançada uma série diferente de discos, com nomes, capas e músicas diferentes do orignial inglês: o “Beatlemania” (1963), “Beatles Again” (1964), “Os Reis do Iê, Iê, Iê” (1964; era o único com as mesmas canções do original inglês, o A Hard Day’s Night), “Beatles 65” (1965) e “Help!” (1965); só a partir do Rubber Soul os discos passaram a ser iguais aos originais. São versões diferentes das inglesas e também das americanas. A propósito, algumas das gravações americanas eram levemente diferentes das inglesas. As brasileiras eram iguais.
Mas a maior barbaridade escrita pelo Giron nesse artigo absolutamente ignorante diz respeito à versão de Love Me Do presente no Past Masters: “o compacto [a versão incluída no disco, com bateria tocada por Ringo, diferente da versão do LP Please Please Me, que tem bateria tocada por um músico de estúdio chamado Andy White] traz a versão lenta do primeiro sucesso da banda, com um arranjo mais acústico. Bem diferente da gravação percussiva que figura no LP de estréia.”
É uma das idéias mais estúpidas ditas sobre os Beatles ao longo dos anos, quase igual a uma matéria antológica de Ruy Castro sobre a banda na Folha de São Paulo há uns 20 anos, um samba do crioulo doido escrita por alguém que ouviu o galo cantar mas não sabe onde.
A pergunta que eu faço, nesse caso, é simples: custava pelo menos ouvir a droga da música? Porque as duas versões são virtualmente iguais, e eu duvido que um ouvinte médio consiga distinguir uma da outra. Tudo isso que o Giron falou só existe na cabeça dele. Não seria um grande trabalho se informar um pouquinho sobre as canções antes de falar essas bobagens.
Giron se pergunta ainda se faz sentido lançar esses discos apenas em CD, e não nos sites de música como o iTunes. O volume de vendas devia ser uma boa resposta. Dos dez CDs mais vendidos da Amazon hoje, oito são dos Beatles. A caixa estéreo está no top 100 há 60 dias — quase dois meses antes de ser sequer lançada. Me desculpe, Giron, mas isso faz todo o sentido do mundo. O que os Beatles perceberam foi que, ao não oficializar as canções em downloads, pelo fato de serem ícones da cultura pop, valorizam momentaneamente o produto que estão lançando, que tem alguns diferenciais em relação ao já disponível e que agrega muito mais valor que os downloads. Essa estratégia não deve voltar a funcionar, mas por enquanto tem dado muito certo. Provavelmente, quando a empolgação pela novidade passar, as músicas irão para o download.
Minha sorte é que eu não leio a Veja. Tenho a impressão de que seria ainda pior. Porque essa é a situação atual do jornalismo cultural pátrio: os jornalistas são os mesmos de 20, 30 anos atrás, com os mesmos vícios e a mesma ignorância. Mas agora há a internet, e as pessoas não podem mais escrever esse tipo de besteira (ou cópias como a matéria da Veja sobre o lançamento do Anthology, em 1995; o jornalista Celso Masson basicamente traduziu uma matéria da Newsweek) impunemente.
ah rafael… tu ainda se importa com essas materias? é tanta barbaridade…
ontem eu vi os cds, fisicamente na loja. cara, os cds tão lindos. imprimiram as capas numa qualidade melhor, com encarte decente, embalagem decente… faz a gente realmente ver que aqueles cd’s que existiam antes eram um trabalho tosquíssimo.
a proposito. rola mó questionamento se Paul canta ou não em Come Together. o que vc acha?
jv, na entrevista do Emerick que eu citei — vale a pena ler, é muito boa — ele diz que não. E ele tava lá. 😉
valeu..
a propósito 2, terminei de ler a bio de Bob Spitz e continuo não entendendo porque vc acha que Paul é um grande fingidor, um lobo em pele de cordeiro.
jv, entendi não. Tenho a impressão de que é algo que eu disse, mas eu não lembro. Me explica, porque minha memória anda uma droga. 🙂
Já que eu falei a respeito no post anterior, dou continuidade agora: “The Beatles: Rock Band” é uma homenagem do cacete. Passei o sábado curtindo o jogo. E tem uns extras bem legais, uns áudios e fotos meio resgatadas dos Beatles. Recomendo!!
bicho, tb não lembro de onde tirei isso que achei que vc tinha dito. procurei e não encontrei… deixa pra lá, devo estar viajando.
jv,
Pensando um pouquinho no assunto, acho que sei a que você se referia. McCartney tem uma aura de “o beatle bonzinho” que não combina exatamente com o seu caráter.
Tem a imagem de grande pai de família — e aí as pessoas esquecem seus filhos não reconhecidos. Quando os Beatles voltaram a Liverpool, em 1964, Brian Epstein quase teve um enfarte porque alguém espalhou panfletos na multidão pedindo que “um beatle” assumisse o seu filho ilegítimo. Isso foi só o ponto alto de uma rotina que incluía dar dinheiro constantemente para que moças fizessem abortos. Tem uma moça alemã — a essa altura, senhora — que até hoje pede que McCartney lhe reconheça como filha.
McCartney é conhecido como um ditador no estúdio, o sujeito que exige que todos toquem exatamente como ele quer. Isso pode até funcionar com músicos de estúdio, mas não em uma banda.
Ele passou a perna nos outros Beatles ao comprar secretamente cotas da Northern Songs, sem avisar aos outros. Dizem que mandou um recado anônimo racista para Yoko, embora quem dê essa informação seja uma ex-namorada meio maluca que até hoje vive nos grupos usenet detonando o rapaz, uma tal de Francie Schwartz. Embora tivesse razão, sua insistência em colocar o seu sogro, Lee Eastman, como empresário dos Beatles foi um dos motivos para a separação da banda.
Finalmente, ele já encheu o saco insistindo naquela coisa de “ah, eu era o avant garde dos Beatles”. A gente já sabe, precisa ficar repetindo isso toda vez, não.
ontem chegou alguns cd’s que havia comprado pela internet. ‘Please Please Me’ (a música) remasterizada tá uma coisa absurda. na verdade, o baixo tá tão grave que nem sei se isso é bom… preciso ouvir mais pra ter uma opinião formada.
Daqui a pouco termino de baixar os discos. Vou ouvir com atenção (pelo menos tem isso de bom: eu vou voltar a ouvir Beatles com atenção) ao longo dessa semana e ver se a minha primeira impressão se confirma.
-Minha nossa, ainda bem q não leio a Época. Não sei como é essa edição nova do Past Masters, mas na versão em CD anterior tinha um livreto que explicava todas essas coisas que o Giron errou na matéria. Então ele não precisava nem ir até o Google, bastava ler o encarte!
-Quando a versão anterior dos CDs dos Beatles foi lançada (faz uns 20 anos?), foi seguindo a discografia inglesa. Mas na época eu não sabia disso e achei que estava faltando disco, já que a tia de um amigo tinha o Beatles Again e um outro vinil brasileiro q eu não lembro qual era. Eu via e pensava:”ué, esqueceram desse nos CDs?” Nenhuma discografia oficial tem o “Live at Hollywood Bowl”, mas bem que podiam lançar de novo.
-Nas versões “baixáveis” vêm junto os vídeos que fizeram para essa reedição?
e quem é mesmo Rafael Galvão?
Daniel,
Vêm não. É só a música. E não tem as capas bonitinhas, também.
Marcos,
Rafael Galvão é um homem muito bonito e sexy que pelo menos sabe as informações básicas sobre os Beatles.
Acho que o grande mérito desse “novo” lançamento são mesmo as embalagens, finalmente decentes e à altura da obra do grupo. O que se fez em 1987 foi um CRIME, não sei como deixaram lançar os CDs naquelas embalagenzinhas chinfrins (com exceção do Sgt. Pepper’s). Aqui no Brasil então nem se fala, as capas eram desbotadas e o encarte do Please Please Me tinha páginas trocadas com o A Hard Day’s Night.
Quanto ao som, muita gente reclama dos CDs originais, e acho que vai continuar reclamando. As novas edições soam praticamente iguais às antigas, a diferença é sutil. E os engenheiros dizem que é “o mais perto das fitas originais que se pode chegar”. Então a limitação está nas fitas mixadas nos anos 60, o único jeito de realmente melhorar o som das gravações é através de remixagens, como foi feito em Yellow Submarine Songtrack, Love e Anthology.
Boa Rafael,
continue a detonar o Paul
A música dos Beatles que está registrada no estúdio
é a música mais maravilhosa que eu ouvi na vida
E olha que eu já estou com uns aninhos de janela….
Mas tenho dúvidas (muitas) sobre quem fez tudo aquilo.
Houve uma reunião depois dos Beatles gravarem a demo
em Abbey Road.
George Martin disse que queria falar com eles e com o Brian.
O que foi dito na reunião nunca foi divulgado
Umas poucas coisas a gente sabe..
O que foi dito pelo Martin é que Love me do era uma das poucas coisas
que dava prá ouvir e assim mesmo era bem ruinzinha
Se você ouvir a gravação original vai ver que “Love me do” era uma merda.
Com a “mão” do Martin ela ficou maravilhosa. Um hit.
O George achava eles muito fracos. A música que eles
produziam era uma merda e que eles não iam chegar a lugar
nenhum porque na Inglaterra inteira ninguém queria saber deles
O Brian já estava de saco cheio de ser recusado em todas as gravadoras
e olha que o Brian tinha uma “estrutura” que não era brincadeira
Simplesmente 9 lojas vendendo discos, tá bom prá você?
E nem com o poderio todo dentro das gravadoras ele conseguia
Mas o Martim um mestre estava procurando um projeto para
vender muito porque ele precisava “subir” dentro da EMI prá
ganhar dinheiro pois afinal ele já estava há anos no negócio e
só tinha feito para o cafezinho com leite (promovendo gente
como o Peters Selers e afins) e sabe como é…
a família perguntava quando é que ele ia ganhar dinheiro
Isso tudo e mais as “puta” sacanagem que havia dentro da EMI contra ele
por ele ser honesto.
Sabe né, o honesto sempre se fode!
Bom Rafael,
se quiser me contatar…. por favor fique à vontade…
abração
até
Rui