Uma pequena bibliografia dos Beatles

Uns anos atrás publiquei aqui uma pequena bibliografia dos Beatles. Alguns anos e alguns livros depois, é hora de atualizar a lista.

The Complete Beatles Recordings
Mark Lewisohn
Comissionado pela EMI como parte das comemorações do seu centenário, em 1988, acabou se transformando no livro definitivo sobre os Beatles no estúdio de gravação — e foi ali, no estúdio, que os Beatles se tornaram o que são. The Complete Beatles Recordings é um diário de todas as sessões da banda, provavelmente o livro mais acurado que já se escreveu sobre ela. Infelizmente fora de catálogo há muitos anos, se tornou uma bíblia de beatlemaníacos, o livro a que se recorre para dirimir dúvidas. Ainda espero a chance de colocar novamente minhas mãos sobre um exemplar, é o único fundamental que falta na minha estante. Mas essa espera já foi pior: os anos passaram e veio a internet, um repositório muito maior de informações. O livro mostrou ter lacunas e erros. Mas continua sendo o livro mais importante já escrito sobre o dia-a-dia dos Beatles, e necessário para que se entenda a dinâmica que fez da banda a maior de todos os tempos.

The Complete Beatles Chronicle
Mark Lewinsohn
Lançado depois do Complete Beatles Recordings, é basicamente um roteiro das atividades dos Beatles ao longo de sua existência. Inclui as gravações, descritas de maneira mais resumida, assim como um relato das apresentações ao vivo e gravações de filmes, apresentações em TV, etc. Tem também uns bons resumos históricos e críticos sobre cada ano da banda, com excelente critério de julgamento. Foi relançado há alguns anos e vale muito a pena.

The Beatles Anthology
The Beatles
Parte do projeto Anthology — que incluiu também o documentário hoje disponível em DVD e os três CDs duplos (ou álbuns triplos em vinil) –, é a história dos Beatles contada por eles mesmos. É aceitável, e certamente uma fonte inestimável, apesar deles, claramente, saberem bem os limites da verdade a que podem chegar e evitem tocar em temas polêmicos. Há pouca coisa realmente nova, mas serve como um resumo definitivo do que cada um deles tem a dizer sobre sua história, a sua versão edulcorada para a posteridade. Independente disso, é um livro fantástico como objeto, com um projeto gráfico de fazer cair o queixo. Alguém já disse que, antes que uma biografia, é uma celebração dos Beatles; e como perguntaria McCartney, o que há de errado nisso?

The Love You Make
Peter Brown
Brown era funcionário da Apple (citado por Lennon em The Ballad of John and Yoko), e este é um relato de insider. Foi o primeiro livro a revelar, de forma confiável, o lado menos aceitável da banda que dizia que tudo o que você precisa é amor. As chantagens sexuais sofridas por Brian Epstein, os maus negócios feitos por ele em nome da banda, a promiscuidade generalizada, os problemas graves de Lennon com heroína, os processos de paternidade sofridos por McCartney, as picuinhas internas e brigas por dinheiro que levaram ao fim. Longe de ser o melhor livro para se ter, se você vai ter um só, é um daqueles livros necessários para que se tenha uma visão mais completa da história da banda.

Shout
Phillip Norman
Foi a primeira biografia realmente decente dos Beatles. Lançada no começo dos anos 80, apresentava um panorama abrangente sobre a banda. Infelizmente tem muitas falhas factuais, e até mesmo investe numa teoria conspiracionista absurda sobre a morte de Brian Epstein. Além disso, como Norman tem aparentemente ligações mais próximas com Yoko Ono, tenta passar uma visão excessivamente deletéria de McCartney. No início dos anos 2000 o livro sofreu uma revisão geral, mas sua essência continuou. Mais recentemente Norman escreveu uma biografia insípida sobre John Lennon, lançada no Brasil.

The Lives of Lennon
Albert Goldman
O livro de Albert Goldman foi recebido como um exemplar particularmente imaginativo do Notícias Populares, e o paradoxo que o cerca é curioso. Parece ser universalmente desprezado, mas é utilizado como fonte por todos os biógrafos posteriores dos Beatles. Goldman é malévolo, perverso, publica muitos erros factuais e de avaliação, muitas suposições absurdas que tenta passar como fatos, e dá ouvidos demais a fofocas e mentiras puras e simples; mas sua capacidade como pesquisador é reconhecida, e ele fez um livro importante para a compreensão do maior mito dos Beatles. O livro é achincalhado por todos, mas no que diz respeito à maior parte dos fatos nunca foi desmentido — Yoko Ono, por exemplo, nunca ousou processar o autor, e processos na época eram o café da manhã dos ex-beatles. Sem demonstrar simpatia ou compaixão por nenhum dos seus personagens, o autor revelou alguns detalhes sujos sobre a banda e sobre Lennon e Yoko que, apesar de inicialmente descartados como pura fofoca maldosa, por não se adequarem à imagem idealizada de Johnandyoko que eles tentaram passar, foram mais tarde comprovados. É também um bom mergulho sobre a personalidade de Lennon; e Goldman foi o sujeito que deixou claro a todos que o ídolo que ele tenta destruir aqui era uma mistura única e fascinante de carisma e talento gigantescos e uma personalidade complexa e muitas vezes detestável.

Here, There and Everywhere
Geoff Emerick
Emerick foi o engenheiro de som da maioria das gravações dos Beatles a partir de Revolver, e peça importante na evolução sonora da banda. É o relato de um sujeito que não apenas os conheceu, mas trabalhou com eles onde realmente importava, o estúdio. É um livro fundamental para entender a dinâmica e os processos das gravações, assim como a evolução da sua visão musical e, incidentalmente, de suas relações pessoais. Por outro lado, Emerick é ligado a McCartney até hoje, o que o leva a proteger em demasia a imagem do seu amigo. Isso faz com sua visão seja deturpada em vários aspectos, e o livro acaba se encaixando muito facilmente no esforço de revisionismo de McCartney. Emerick está na lista, e George Martin não, por uma razão: ele parece compreender melhor o seu papel real na história do que Martin, embora aqui e ali dê a impressão de tentar diminuir o papel do ex-patrão.

Beatles Gear
Andy Babiuk
É o livro mais específico dessa lista: uma história dos instrumentos e equipamentos de som utilizados pela banda desde a sua formação — indo do Zenith de McCartney e o violão “garantido contra rachaduras” de Lennon ao Fender VI usado nas últimas sessões. É um acessório importante para quem tenta entender o que havia na música dos Beatles. Incidentalmente, é o livro que melhor explica, em termos cronológicos, o processo de desligamento de Stuart Sutcliffe da banda.

Many Years From Now
Paul McCartney
Oficialmente a autoria é de Barry Miles, mas isso é apenas um disfarce para a autobiografia de Paul McCartney até o fim dos Beatles; o ghost writer apenas levou um crédito maior, provavelmente para que Macca pudesse agregar credibilidade a algumas de suas opiniões, se sentir mais livre para falar as bobagens que quisesse e soltar as farpas que bem entendesse. Isso quer dizer que é um relato parcial em que omissões e distorções dos fatos formatam melhor a versão de McCartney. De qualquer forma, abrangente e bem detalhado, é importante para a compreensão da história dos Fab Four.

You Never Give Me Your Money
Pete Doggett
Livro recente, dedicado às relações comerciais entre os Beatles a partir do começo do fim e os 25 anos de processos e contraprocessos posteriores. Cobre uma lacuna existente nas outras obras a respeito da banda, que tratam do período de maneira normalmente mais superficial e se apoiam nos estereótipos do Allen Klein ladrão, do Brian Epstein incompetente mas devotado e dos meninos que só queriam fazer música. Apesar de alguns erros crassos, o livro tem um bom senso de história dos Beatles, um bom nível de imparcialidade e boa apreciação musical; mas falha em não voltar atrás e detalhar a maneira como os contratos de Brian Epstein foram firmados. É um livro importante para entender o processo de separação da banda.

The Beatles: The Biography
Bob Spitz
Spitz se beneficiou da passagem do tempo e da abundância de material biográfico para escrever um livro abrangente e bem equilibrado, que tenta fugir dos mitos sem explorar em excesso aspectos sensacionalistas. O resultado é a biografia mais completa dos Beatles, com um excelente grau de neutralidade. De modo geral Spitz tenta sempre ver todos os lados de uma questão, e mostra um bom entendimento do que era a dinâmica interna da banda. Consegue ter os fatos em boa perspectiva e evita dourar pílulas. Tem um número talvez excessivo de erros factuais — alguns graves, como errar a data da reunião em que Lennon “pediu o divórcio” ao resto da banda, e muitos outros menores; mas com exceção de Many Years From Now, Anthology e Can’t Buy Me Love (de Jonathan Gould, e recomendado de modo geral), é o único traduzido para o português, o que faz dele a melhor biografia dos Beatles disponível no Brasil.

***

O livro definitivo sobre a banda ainda não foi publicado — está sendo escrito neste exato momento. Todas as biografias dos Beatles, sem exceção, contêm erros, e muitas têm defeitos de interpretação e compreensão; mas há alguns anos, Mark Lewisohn anunciou que estava escrevendo uma biografia que deveria se estender por três volumes. Lewisohn é o sujeito que mais entende de Beatles no mundo, é próximo de todos os ex-beatles e é um bom historiador. O primeiro volume deveria ter sido publicado em 2008 e o último em 2016; a Amazon inglesa agora promete o livro para setembro deste ano, e o título será The Beatles — The Biography: Tune In, Vol. 1 (o que me leva a crer que o segundo se chamará Turn On e o terceiro, Drop Out; títulos adequados, a propósito). Quando finalmente for publicado, vai dispensar virtualmente todas as biografias dos Beatles, o que inclui a maioria dos livros recomendados aqui.

2 thoughts on “Uma pequena bibliografia dos Beatles

  1. Com tanta coisa disponível como ainda podem sobreviver os estereótipos sobre a banda? A falta de compreensão musical e histórica de alguns jornalistas tupiniquins sobre os Beatles beira o ridículo! É uma pena.
    Abs.

  2. Recomendo o livro de Clinton Heylin ” Sgt Pepper’s Lonely Hearts Club Band e seus amigos”, uma notável análise do que estava rolando nas paradas de sucesso no ano de concepção do clássico dos Beatles e como isso influenciou a obra.

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