Ao contrário do que o Bia disse nos comentários ao post anterior, não é uma questão de discutir se ateus são mais ou menos tolerantes — eu acho que são, pelo menos por enquanto, mas isso não importa aqui. A questão é o teor classista no texto mencionado no post anterior e no que eu considero ser parte bem significativa da abordagem da classe média em relação aos evangélicos.
O Bia disse que os católicos não são tão intrusivos, “ficam lá na igreja deles”. Isso não é totalmente verdade, e me lembrou aquele branco que diz não existir racismo no Brasil porque pretos podem ir para a escola pública como qualquer branco.
Se a Igreja Católica não parece tão intrusiva é por algumas razões. A primeira é que a gente simplesmente não percebe, porque já faz parte do nosso cotidiano. A segunda é porque ela não precisa. Por exemplo, não precisa criar seu próprio canal de televisão (embora faça isso), porque na maior de todas ela exibe a Santa Missa em Seu Lar há décadas. (Alguém já percebeu que se fala muito do bisonho “Fala Que Eu Te Escuto”, mas ninguém questiona uma aberração como a missa televisada?) Além disso, nenhum meio de comunicação de porte tem coragem de se posicionar claramente contra os valores que ela prega, bons ou ruins. Jornais, rádios — essas mídias não precisam pertencer à ICAR nem vender espaços a ela para lhe dar voz.
Mais que qualquer coisa, no entanto, a Igreja Católica se beneficia de um certo tipo de inércia característico de quem exerce poder há tempo demais.
Os filhos de quantos ateus são batizados na boa e velha Santa Madre Igreja, apenas porque não faz diferença para eles atender a esse desejo do pai ou da mãe ou dos avós? Quantos ateus são padrinhos de crianças, e fazem isso apenas porque gostam de seus pais e querem fazer parte dessa homenagem mútua?
Em tudo isso, são os valores católicos que estão em questão. E sua presença é tão grande que não conseguimos mais ver. A Igreja Católica não precisa ser tão obviamente intrusiva porque seus valores estão tão entranhados na sociedade brasileira que isso seria redundante.
Isso não quer dizer que não seja ativa. E incomoda ver as pessoas continuarem a insistir nessa falsa dicotomia: igreja evangélica ruim, igreja católica boazinha. É essa insistência em ver o diabo nas igrejas evangélicas e os anjinhos na Igreja Católica (e olha que nem mesmo estou falando de padres gulosos e bispos coniventes) que na minha opinião denota o viés classista presente em determinado tipo de abordagem.
Alexandre, nos comentários:
(…) São pobres os eleitores da maioria do legislativo – por óbvio – já que vivemos num país de miseráveis. Há muitos “candidato dos pobres” muito embora todos – ou quase todos, incluindo os bispos – pertençam às elites. O que assusta, Rafael, é que a bancada evangélica está usando a influência e o dinheiro que possui para financiar uma política de retrocesso, de preconceito e de cunho evidentemente religioso. Nada além disso.
Eram pobres também os eleitores de Lula em 2006, e boa parte dos de Dilma em 2010. Mas pobre só vota certo quando vota com a gente. Já os ricos que votam em candidatos identificados com a Igreja Católica, bem, desses ninguém lembra. Ou, se lembra, eles são ruins não porque defendem o ideário da Igreja Católica, mas porque pertencem a partidos reacionários.
O Alexandre certamente não acompanha a influência católica sobre as bancadas parlamentares (os links incluídos no post anterior mostram padres fazendo política rasteira e reacionária em seus púlpitos, mas não parecem ser suficientes). Pois a Igreja Católica exerce muito mais poder sobre os parlamentos do que as bancadas evangélicas. Só recentemente as bancadas evangélicas passaram a ter poder. Mas o atraso não precisava delas: o divórcio civil só foi legalizado há pouco mais de 30 anos, o aborto não foi até hoje. As igrejas evangélicas apenas parecem mais conspícuas e conseguem mais propaganda — por interesses de classe ou comerciais, ou porque sua militância é mais ostensiva. E elas assustam a classe média.
E tem o exemplo do cigarro.
Ele foi usado para mostrar que não é exatamente o proselitismo que incomoda, porque eu sabia que alguém viria defender o antitabagismo ao mesmo tempo em que condenaria o antiateísmo ou anticatolicismo ou anti-qualquer coisa. Se é verdade que o Brasil está ficando menos cordial, a responsabilidade não é apenas dos evangélicos. Alexandre e Daniel acharam que o exemplo do cigarro não se aplicava, porque fumar é ruim. E assim demonstraram o básico: que ninguém se incomoda com pressão social, nem vê ameaças à cordialidade nacional, se são as suas idéias empurradas goela abaixo das outras pessoas.
Cigarro faz mal? Faz, claro. Mas religiões também fazem; a diferença é que cigarros fazem mal a indivíduos que fumam por escolha própria, enquanto religiões fazem mal a sociedades inteiras. A questão, no entanto, não é essa. Quando o Alexandre justificou a perseguição social sofrida pelos fumantes — e como ex-fumante eu sei bem do que estou falando — mas continuou a atacar as igrejas neopentecostais, justificou perfeitamente a escolha do exemplo, demonstrando que quando é a sua fé que está no ataque, ninguém se incomoda muito com essa tal de cordialidade. Ou seja: o evangélico não é cordial quando tenta me fazer abraçar a fé dele, algo que ele sinceramente acha que vai me fazer bem, por errado que esteja, porque certamente lhe fez; mas o anti-tabagista tem toda a razão do mundo quando tenta me proibir de fazer algo que afinal só prejudica a mim.
Tanto o Alexandre quanto o Daniel, imbuídos da ideologia de sua classe — cada vez mais laica, por sorte, e chata, por azar –, se apressaram a defender o bullying que fumantes sofrem, e que é basicamente o cerceamento ao exercício de um direito. Eles não entendem que, assim como para o ateu o militante evangélico é intrusivo, desagradável e burro, para o fumante o antitabagista materializa os mesmos adjetivos. E por isso, quando um certo setor da sociedade reclama do efeito deletério da falta de cordialidade do pobre evangélico que não sabe o seu lugar, mas não vê problemas na agressividade e intrusão dos militantes antitabagistas, definitivamente reflete, também, os valores de uma classe social.
Sério que você vai ignorar completamente os efeitos extensivamente pesquisados pelos cientistas nos fumantes passivos? Se for para fazer uma analogia, a correta é que tanto religião quanto fumo não deveriam ser permitidos pois ambos saem do escopo de decisões pessoais e entram no escopo de mal a terceiros.
Obrigatório:
Aleluia, irmão.
Eu acho que o autor inverteu as coisas quando afirmou serem intrusivas tanto a ICAR como os protestantes, de várias vertentes.
O cristianismo faz parte da formação cultural brasileira e está presente em todas as classes sociais. As nossas leis são em grande parte baseadas em valores cristãos, mesmo se alguns se tornaram universais. Eu observo que a presença e influência do cristianismo no Brasil supera em muito, e desde sempre, qualquer tradição laica. Assim não creio ser verdadeira a premissa defendida na postagem de que a Igreja Católica é intrusiva, e nem que os sejam os protestantes no que tange ao apoio, de ambos, as legislações presente relacionadas a temas como aborto, casamento gay, e outras materias comportamentais. Afirmar que as denominações cristãs são intrusivas, citar como exemplos o apoio delas a manutenção de leis específicas que regem certos assuntos, desde que foram sujeitos a legislações, equivale a dizer que a gema é intrusiva ao ovo. O argumento correto no meu entender é aquele que enxerga como intrusivas pregações pela mudança das legislações referentes aos temas citados, independetemente se seriam mudanças positivas ou não.
O autor cometeu um segundo erro: afirmou que a Igreja Católica, ao apoiar politicos de direita, demonstra sua verdadeira face intrusiva. Emenda em seguida dizendo que pessoas de classe média deveriam perceber isso antes de julgá-la inofensiva e concluir que os intrusivos são apenas os evangélicos. O interessante aqui foi o uso do apoio da Igreja Católica a politicos de direita como prova de intromissão numa argumentação que incluío também ações da ICAR contra a mudança da lei sobre o aborto, e outros posicionamentos. Não vejo sentido no que diz o autor. A Igreja Católica e seus membros já apoiaram politicos de diversas colorações, eu diria que num passado recente até favoreceram aqueles de esquerda, ligados a teología da libertação, o que parece ter diminuido bastante. Mais o que interessa é descobrir se a Igreja Católica mudou sua posição sobre esses temas (aborto, casemento gay, etc) quando decidiu apoiar qualquer cadidato, seja de esquerda ou direita. Acredito que a resposta seja negativa. Na verdade a igreja sempre apostou que os politicos apoiados não seriam INTRUSOS e defenderiam a manutenção das leis sobre assuntos caros a ela, como comportamento sexual e reprodutivo.
Assim o que tirei das últimas duas postagens do autor é a impressão de que é ele quem possui um preconceito em relação a sociedade brasileira. Só que na verdade é também ele o intruso já que deseja mudanças profundas , e quando a Brum não enxerga a Igreja Católica como um empecilho enorme, e até maior do que os evangelicos, a aquilo que ele deseja ver modificado então ele aponta um preconceito de classe por parte da moça, por não exergar um vilão onde ele enxerga.
Não estou julgando a valor das mudanças desejadas pelo autor e sim dizendo que o intruso é ele. Já a Brum está bem mais sintonizada com o status quo brasileiro, o engraçado é que parece que ela nem percebe isso. E o autor está certo quando aponta a própria cegueira dela em não o perceber.
É, amigo. Não mencionou os fumantes passivos. Que tal revisar todo o seu texto?
péraí: ex-fumante????
Ex-fumante. 🙂
Pois eu continuo fumando e bebendo pra caralho! Prazer do lê-lo de novo. O sacana do Bia eu não achei, nessa minha volta como leitor de blogs(vida corrida, pouco tempo na net nos últimos 3 ou 4 anos). Já vi o Idelber na fórum, os outros vou achando aos poucos. Se eu continuar com tempo, mais cedo ou mais tarde vou acabar discutindo contigo sobre SEARA VERMELHA e The Godfather, vai dizer?
Sobre o comentário ali em cima: dizer que as religiões devem ser proibidas porque faz mal a terceiros é sacanagem. Não gosta? Não vá à missa, não sintonize canal de crente e bata a porta na cara da testemunha de Jeová.