Abercrombie, Fitch e os idiotas

Uma campanha diferente foi deflagrada semana passada no Brasil, seguindo os moldes de campanha semelhante nos Estados Unidos. É uma resposta à declaração de Mike Jeffries, dono da marca Abercrombie & Fitch, de que não faz roupas para gordos porque quer apenas gente descolada e invejável usando seu produto.

Para mostrar o quão inadequadas as pessoas consideraram essas declarações, grupos nos EUA e aqui resolveram doar roupas da marca para mendigos, em protesto à discriminação e ao preconceito de Jeffries.

Essa campanha é uma das coisas mais idiotas e hipócritas que vi em muito tempo, e é prova cabal da imbecilidade generalizada neste início de século.

Seu problema central é que a Abercrombie & Fitch tem o direito de focar seu produto no target que quiser. Se não quer vender para gordos, problema dela. Mas ela só faz isso — abdicar de um nicho em crescimento rápido e constante — porque funciona, porque é assim que o rebanho age: ele está disposto a pagar um ágio bem razoável por uma simples imagem, e nada mais que isso.

O erro do dono da Abercrombie não foi ser canalha — até porque não fazer roupa para gordos não é canalhice, é opção de mercado, assim como não é canalhice da Chanel não fazer roupas para pobres. Seu erro foi explicar a lógica do que faz. Numa sociedade cada vez mais hipócrita, que transforma uma alucinada como a Angelina Jolie em heroína, você pode fazer o que quiser, desde que não assuma publicamente.

A Abercrombie & Fitch não é uma grife de preços excessivamente exorbitantes. Segundo dizem, suas camisas custam em torno de 80 reais. São caras para o que realmente valem, mas não são inacessíveis (parece ser, por exemplo, a marca preferida do bom Nissim Ourfali — que é magro). É uma roupa para a classe média metida a besta. Mas isso é o beabá da propaganda: posicione bem o seu produto, faça-o parecer melhor do que é, e eles virão até você.

O posicionamento da Abercrombie & Fitch é válido do ponto de vista do mercado. Funciona porque entende o comportamento da humanidade. Mas as mesmas pessoas que compram, ou gostariam de comprar, suas roupas por serem pretensamente elitistas não admitem que ela assuma sua postura, porque isso as forçaria a admitir que esses também são os seus valores.

Em vez de protestar, as pessoas deviam era procurar entender o que faz a marca se posicionar dessa forma, esnobando a legião de gordinhos que atravancam as filas do McDonald’s, e entender o que as faz desejar uma camiseta comum com uns retalhos costurados em cima. Mas é difícil que façam, porque não iam gostar muito das conclusões. Assim como Mike Jeffries, elas também querem roupas que não sirvam em gordos e que façam delas, automaticamente, pessoas mais “cool” do que jamais conseguiriam ser sem ajuda. É por isso que tem coisas na vida que a gente simplesmente não deve falar: este é um século que recompensa a hipocrisia e pune a honestidade.

Mas é a campanha em si, nascida nos EUA, que me incomoda — ao resto já estou me acostumando, anos exposto ao Facebook me acostumaram a esse macaquear impostor. Me incomoda não apenas porque esse pessoal não passa muito de um bando de idiotas fúteis que se mobiliza para brigar com uma marca direcionada a gente que se pretende bonita, magra e rica e, portanto, ignorada pela grande maioria da humanidade. Mas porque a própria ação é ainda mais elitista que a Abercrombie & Fitch.

O foco aqui não é o bem-estar desse pessoal que está no extremo oposto do público-alvo da marca: é só protestar contra o posicionamento assumido por ela, diminuindo seu valor ao associá-la a mendigos. O recado é simples: “Vocês não são ‘cool’ porque mendigos vestem suas camisas. Mendigos, ora. E isso me faz mais ‘cool’ que vocês”

Pelo preço que se compra uma camisa da Abercrombie & Fitch o sujeito que está fazendo essa campanha poderia comprar alguns cobertores para proteger os mendigos paulistanos no frio que se aproxima. Era isso que o faria melhor que o Mike Jefrries, não um protesto que humilha seres humanos destituídos, utilizando-os apenas para desvalorizar uma marca de roupas.

Isso é o mais triste nesse protesto: esses assim chamados militantes, com sua “ira justa” de classe média estultificada, dão mais valor à marca que à dignidade das pessoas. Mas quem está preocupado com eles? Mendigos não são tão importantes quanto uma marca que não gosta de gordos, nem quanto a mídia gratuita que se pode conseguir às suas custas. Mas pelo menos agora eles dormem na rua vestindo uma camisa da Abercrombie & Fitch.

8 thoughts on “Abercrombie, Fitch e os idiotas

  1. Rafael, compartilhei este texto no grupo do facebook para a campanha, com destaque no corpo do texto para o penúltimo parágrafo. O dono do grupo é daquelas pessoas cuja intolerância o levou a deletar o próprio comentário, quando percebeu a incoerência em seu discurso.

  2. Pô Rafael, escreve mais no seu blog. Seus textos são ótimos e este, especialmente, traduziu tudo o que eu queria dizer sobre esta tal de abercatso (na verdade não perdí mais que 2 minutos pensando nisso), que eu nunca havia ouvido falar. Quando ví fotos de mendigos com estas merdas de roupas pude notar em seus olhares a marca da humilhação.
    Muitas vezes admirei como empresários (muitos brasileiros) conseguem vender roupas de quinta categoria (péssimo tecido, costuras tortas, etc.) para pessoas que só procuram por grifes.

  3. Também postei umas críticas no perfil dele no facebook. Ele se limitou a dizer q minha opinião era babaca como a de “alguns”, excluiu meus comentários e me bloqueou. Por isso não há críticas no perfil dele, só elogios… O cara é um completo idiota!

  4. Parabéns pelo texto Rafael! Compartilho do mesmo pensamento que você. Esta campanha imbecil só serviu para promover o marketing da marca e humilhar os menos favorecidos…

  5. Parabens pelo texto. Uma pena que, como vc ja disse, vivemos numa epoca em que mais vale a hipocrisia que a sinceridade.

  6. Competente o marqueteiro desta grife. Os magros, principalmente os de poucos neurônios, vão comprar para serem “cool”, Óbvio. Mas os gordinhos também vão tentar “caber” nas numerações disponíveis, para, mais que parecerem “cool”, parececerm magros. Que merda!

  7. compartilhei seu texto e recebi diversas críticas pelo “alucinada” à Angelina Jolie. desconfiava que você não seria leviano de adjetivar alguém a troco de nada, pelos anos que leio seus textos. E confesso que não me intero de notícias de famosos, mas fui checar. E o que achei sobre ela me deixou apavorado! “alucinada” é pouco

  8. Quantos empresários já deram um tiro no pé como esse? Vez ou outra passa um programa (não sei o nome nem em qual dos trocentos canais italianos passa) que mostra como produtos e empresas foram destruídos por um comentário, um anúncio ou uma ação de marketing infeliz. O tipo da coisa que não dá pra pegar pelo rabo antes que se espalhe.

    Tomara que tenha tido camisetas suficientes para todos os mendigos.
    🙂

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