Para falar a verdade, faz quase 20 anos que não assisto a novelas. Normalmente não sei sequer o que está passando na TV aberta, porque a Sky em Sergipe não traz a Globo e eu tenho preguiça de comprar uma antena para assistir a canais que não me fazem falta; mas mesmo antes disso eu já não via novelas, não via desde que surgiu a internet.
Telenovelas, portanto, não fazem parte da minha vida. Mas de certa forma, já fizeram.
Durante muito tempo, eu as odiei de coração. Mas eu tinha irmãs, e assim os “folhetins eletrônicos”, como já foram chamados, faziam parte do cotidiano lá de casa. Quando éramos crianças o conflito entre gostos diferentes — eu gostava de filmes e seriados, elas gostavam de novelas e de alguns programas de auditório, como o “Recreio” da Tia Arilma, em Salvador — fez com que tivéssemos “dias de TV”. Os delas eram segunda, quarta, sexta e sábado — esses dois últimos, afinal, eram os dias dos capítulos mais importantes das novelas. O resto ficava comigo.
Por isso, mesmo detestando aquelas coisas, houve um tempo em que eu podia recontar a passagem do tempo através da seqüência das novelas das 6, das 7 e das 8. Sabia a sua ordem de exibição, e acabava sabendo também uma sinopse básica da maioria delas. Funcionavam como um referencial cronológico. (O site Teledramaturgia traz excelentes cronogramas e informações sobre novelas ao longo dos últimos 60 anos. É uma enciclopédia brilhante e a melhor fonte de informações sobre telenovelas e séries.)
Passei a assistir novela mesmo em 1983, com “Guerra dos Sexos”, uma novela na época considerada revolucionária para o padrão. Deixei de ver em 1986, depois de “Roque Santeiro”, embora de vez em quando assistisse a alguma coisa aqui e ali — normalmente porque simplesmente estava passando, de vez em quando porque havia algo realmente bom, como “Bebê a Bordo”.
Olhando para trás, vejo que esse período coincidiu com uma certa legitimação intelectual das novelas, quando o preconceito dos anos 70 foi definitivamente superado e as pessoas passaram a assumir que assistiam a elas e gostavam. Mas eu via novelas apenas por ver, de certa forma: gostava mesmo era de algumas minisséries, como “Anos Dourados” (que revi há alguns anos), “Grande Sertão: Veredas” e “Memórias de um Gigolô”. E desde 1995 (quando assisti a muitos capítulos de “Quatro por Quatro”, uma das novelas mais engraçadas que já vi) eu simplesmente não sei o que está sendo exibido — quer dizer, lembro de assistir a uns capítulos do remake de “Cabocla”, em 2004, assim que voltei a morar em Aracaju.
O fato de não gostar de novelas não quer dizer que eu não reconheça a sua importância. Durante algum tempo, principalmente entre os anos 70 e o começo dos 90, elas foram a verdadeira expressão dramatúrgica do país, muito mais do que um cinema divorciado da vida real e da qualidade técnica, ou um teatro feito e pensado para a elite sociocultural. Assim como americanos faziam cinema, nós fazíamos novelas. Nosso problema, durante muito tempo, foi não entender nem admitir isso.
Mas isso foi há muito tempo.
Durante a campanha eleitoral de 2010, saí mais cedo que de costume num sábado, e fui para a casa de minha mãe. Assisti a três novelas seguidas, a das 6, 7 e 8 (eu sei que os horários mudaram e a novela das oito agora é a novela das nove, mas não é agora, depois de velho, que vou mudar o padrão a que me acostumaram).
Eu saí chocado.
Não lembro da novela das seis. Mas a das sete falava de dois “irmãos” que iam para a cama e a das oito tinha Tony Ramos falando com um sotaque italiano pior que o nordestino que a Globo faz. Não lembro seus nomes e, cá entre nós, não quero lembrar. Fiquei impressionado com o nível exacerbado de sexualização de novelas exibidas às sete da noite, porque depois de anos vendo apenas TV por assinatura me acostumei ao padrão americano. Também me chamou a atenção a mera passagem do tempo: os atores que eu conhecia estavam velhos, e os novos eu não sabia quem eram; percebi apenas que quase todos eram muito ruins. Muito.
Mas o que me chocou, mesmo, foi o baixíssimo nível das novelas, dos diálogos, de tudo. É terrível. Pobre de uma forma impressionante. Ainda lembro da época em que debochávamos das novelas mexicanas. Duvido que hoje estejamos em nível melhor. Idéias recicladas à exaustão, diálogos de pobreza imensurável, desempenhos abaixo do medíocre. Telenovela é uma das coisas mais medíocres, mais ruins que alguém pode conceber. Nem sempre foi assim, claro: em 2011 vi um pedaço de “Vale Tudo”, reprisado pelo Viva. Fiquei impressionado com a qualidade dos diálogos, com a ligação natural com a realidade.
Eu sinceramente acho que o cinema se esgotou. Que nos últimos 15 anos tentou compensar em avanços tecnológicos o que lhe falta em novas idéias — não apenas de roteiro, mas de técnica cinematográfica, até mesmo de simples movimentos de câmera. É tudo mais do mesmo, e até entendo quando um Martin Scorsese diz uma sandice como “o 3D é redentor e revolucionário”, ou algo assim. Acho que o momento que vivemos é, com sorte, de transição; sem sorte, é o esgotamento total da capacidade de reinvenção das grandes formas de arte de massas do século XX.
Mas nem o pior de Hollywood se compara hoje às novelas. Pode ser que aqui e ali apareça alguma coisa que chame a atenção — me falaram tanto de Félix Bicha Má, vi tanto sobre ele no Facebook — mas não é a mesma coisa. O nível caiu. Imagino que coloquem a culpa na fragmentação da audiência, numa mal compreendida popularização do público. Tudo isso são desculpas. Novelas hoje são ruins. E me parece impossível que alguma geração volte a fazer delas o referencial que a minha, por exemplo, fez.
Eu não confio na memória e tendo a achar que o que a gente gostava antes não era muito diferente de agora, apenas (a) a gente tem uma nostalgia daquele tempo e pinta as coisas melhores do que eram, ou (b) as de hoje a gente não gosta tanto porque são apenas repetição de antigamente.
De qualquer modo, na época em que a novela Avenida Brasil conquistou os ~formadores de opinião~ eu passei a assistir, até porque todo mundo no Twitter estava assistindo também. Achei bastante boa, e os capítulos em especial que marcaram a virada da trama achei excelentes, com uma atuação soberba de Adriana Esteves e algumas cenas até cinematograficas, como quando a “Carminha” ameaçou enterrar viva a “Nina” de Débora Falabella.
Mas acho que essa novela foi exceção.
Marcus, eu costumo achar isso também. Mas ver um capítulo de Vale Tudo me fez abrir uma exceção para as novelas. Elas eram realmente melhores, com texto melhor.
Eu gosto de novelas. Das séries americanas, gosto das de humor que passam na Warner, Fox e Sony, mas também não assisto mais: a concorrência da patroa e filhos. Assim, assistimos juntos à novela, ao jornal e ao que o tempo e o cansaço permitem. Realmente estão ruins, mas ainda assim gosto e, se me interessar pela “trama”, sigo. Mas está terrivelmente inverossímeis: não é possível que existam pessoas e situações retratadas nas novelas. Quanto aos demais aspectos, de fato não chamam minha atenção. Nunca capto as “mensagens”, e a técnica então, sou aleijão. Para mim é apenas uma maneira de esperar a hora de dormir chegar, após um dia de cansaços, dentro e fora de casa. 🙂
É .. estão, ok? Estão.