Dia desses vi um pastor falando do Jesus revolucionário (nessas horas eles esquecem do “a César o que é de César”), que andava com a escória da sociedade (e eu, besta, pensando que os apóstolos eram gente boa, o que me faz pensar agora que Simão assaltava caravanas, Tomé pedia esmola se fingindo de cego, Filipe vendia muamba, Tiago era estelionatário e João filho de Zebedeu, bem, João filho de Zebedeu era michê. Judas Iscariotes, claro, era X-9 da polícia, mas isso a gente já sabia). Outros falam do Jesus quase zelote que expulsou os vendilhões do templo, pouco condizente com Aquele que mandava dar a outra face.
É aquilo que todo mundo já sabe: Jesus é o que a gente quer que Ele seja.
Mas pouca gente fala da mensagem estranhamente retrógrada, reacionária de Jesus em relação às mulheres — fora, é claro, o bom gesto em relação a Maria Madalena ao salvar sua pele de umas pedras que andaram querendo jogar nela, ou a outra Madalena de quem Ele expulsou sete demônios.
Os judeus aceitavam o divórcio. Era muito simples: não dava mais certo, você oficializava a coisa com uma carta e cada um seguia o seu caminho, de acordo com a lei de Moisés. Mas então veio Jesus e disse que não, que casamento era sagrado, que se você fizesse isso estava cometendo adultério. O casamento era indissolúvel, era pior que tiro na boca.
Ninguém se pergunta por quê?
Eu me pergunto. E por isso cheguei a uma teoria que é tão válida quanto aquelas que dizem que Jesus era budista, que Jesus viveu na Índia, que Jesus escapou da cruz, pegou Sua nega Madalena e se mandou para a França porque sabia que um dia viraria tema de filme do Tom Hanks: é uma teoria que, como essas, não vale nada, mas a gente joga e espera que algum bobo acredite nela. Sei de gente que ficou rica acreditando que bobos não faltam neste mundo.
Minha teoria é a de que José largou Maria. Aquele safado. Cafajeste. Homem cis hétero canalha, como todos eles.
Antes que alguém se erga em suas patas traseiras e diga que essa ideia é idiota como as outras que ando tendo por aí, quero reafirmar que ela faz sentido e é profundamente lógica. Os evangelhos falam tanto de José na infância do Cristo, mas quando Jesus começa a pregar não há mais nenhum sinal dele. Nada. Citam Maria e Tiago, citam até seu primo maluco que batizava as gentes no Jordão, mas necas de José. É como se, em algum momento entre os 13 e 30 anos de Jesus, José tivesse saído para comprar mirra e não tivesse voltado. O pessoal supõe, claro, que ele morreu, que morrer é coisa comum até hoje e naquela Judeia as pessoas ainda por cima caíam no gládio. Mas isso não justifica a ausência absoluta de referências ao carpinteiro.
A mim, que não entendo dessas coisas de religião, me parece pouco cristão obliterar dessa forma a memória de um ancestral. Então José não ensinou nada a Jesus? Então o coitado estava ali apenas para aturar as piadinhas de corno e os risinhos disfarçados quando ele passava com aquele menino que, por não parecer com o pai, devia parecer com um vizinho cachaceiro?
Eu fico imaginando José vendo aquele menino crescer. Sentado à mesa, partindo o pão ázimo, ele olhava para Jesus e olhava para Maria. E uma raiva surda crescia dentro dele. “Esse guri é filho do pedreiro”, ele devia pensar, engolindo a dor e a frustração junto com o pão, ajudado por uns litros de vinho. Até o dia em que disse que ia comprar falafel e não voltou mais: chegou o momento em que José não aguentou mais o peso dos chifres, ainda que putativos porque chifre de Deus é ainda mais honroso que chifre do chefe, e largou Maria com o filho que não era dele e também os filhos que eram.
Não deve ter sido fácil para Maria, uma moça de seus vinte e poucos anos, de repente obrigada a sustentar o legado que José lhe deixou. Tendo que se virar para criar aquelas crianças, lavando roupa para fora, costurando tarde da noite à luz mortiça de uma vela, fornecendo marmitas. Imagino que naqueles dias de sofrimento e ocupação romana, o único alívio que a pobre Maria tinha eram os encontros de sábado à tarde com a prima Isabel, cada uma falando do desgosto que seu filho lhe dava.
Mas tampouco foi fácil para Jesus. Imagine o trauma que aquele menino sofreu. De repente, lá estava sua mãe, abandonada como adúltera e sabendo-se inocente. Os amiguinhos de Jesus, enquanto brincavam de apedrejar apóstatas, faziam piadinhas sobre ela. Contavam para Ele seus pensamentos impuros quando a viam passar pela rua, carregando na cabeça a trouxa de roupa que lavara nos dias anteriores nas margens do rio Jordão e que agora levava para Caifás.
Para piorar, que nessas horas o diabo tem artes do cão, cumpre lembrar uma das verdades universais: tudo sempre sobra para o filho mais velho. Pense naquele garoto que até uns dias antes estudava para ser rabino, impressionava os doutores no templo, e agora rodava as ruas de Nazaré carregando aquele bocado de marmitas nos braços. Ele tinha passado os primeiros anos de vida com algum conforto; Seu pai (“Pai coisa nenhuma!”, gritou José) era carpinteiro, ou mais exatamente um technon, artesão, mas isso não vem ao caso: Jesus era de classe média, José conseguia botar comida na mesa. A vida não era fácil, mas tinha peixe e tinha mel na mesa, e umas tâmaras para a sobremesa. Agora tudo havia mudado, e imagine Jesus se perguntando no meio da rua, debaixo do sol do meio-dia: “Mas poxa, Eu sou tataraneto do rei Davi, Eu sou um sujeito de família tradicional, e agora tenho que entregar essas marmitas.”
Ser abandonado pelo pai putativo não cai bem para um filho de Deus; cai menos ainda a mácula no passado de Sua mãe, a dúvida sobre um mau passo, como se dizia em tempos d’antanho. Não admira que o menino tenha ido atrás do primo, aquele que enchia Santa Isabel de desgosto, e o resto é história. Uma história que mostra a pobre Maria correndo atrás do filho pregador, tentando fazê-lo abandonar sua missão divina, desesperada, e só quem não tem coração consegue não derramar uma lágrima pela pobre mulher, que passava as noites angustiada pelo seu filho, sem poder ao menos rezar uma Ave Maria.
Claro, contra mais essa teoria rafaeliana há um detalhe complicador. Os evangelhos, a começar pelo de Marcos, apareceram pelo menos uma década depois das epístolas de Paulo, que não conheceu Jesus, e mesmo o lendário Q não deve ter aparecido muito antes. É bem possível que a mensagem original de Jesus, seja ela qual fosse, já tivesse sido corrompida pela visão paulina das coisas; certamente foi pela transmissão oral ao longo de umas poucas décadas, a ponto de, a essa altura, o profeta que precisou da chancela de João Batista para se legitimar como pregador já ter virado o filho de Deus e ser o responsável por uns milagres bem batutas. E não é bom esquecer que Paulo tinha uns problemas aí com as mulheres. Minha teoria, portanto, depende muito da visão paulina, do Paulo criador do cristianismo e dono de uma misoginia que faria envergonhar o Bolsonaro.
Mas ela ainda é válida. E isso leva a mais uma explicação necessária. Diz respeito ao dia em que Jesus foi crucificado.
Ali, entre ladrões, sufocando aos poucos pelo peso do Seu próprio corpo, Jesus filho de José agoniza. Uma dor lancinante vem de Seus pés, das Suas mãos presas ao patibulum. Ele não consegue enxergar direito, cego pelo sangue que a coroa de espinhos faz escorrer pelos Seus olhos. Ele lembra de sua trajetória, de tudo o que fizera até ali, Sua vida passa diante de Seus olhos como um filme que ainda não haviam inventado. Então Ele lembra de José mais uma vez, como se algum dia tivesse deixado de pensar, como se José não estivesse presente em cada um dos Seus pensamentos, como se a angústia e a dor em algum momento O tivessem abandonado. E Ele grita para um Gólgota que não pode entendê-lo:
“Pai, por que me abandonaste?”
Boa Rafael, você conseguiu explicar a pergunta mais sem sentido imputada a Jesus pela bíblia; o tal pai era José.
“Então Ele lembra de José mais uma vez, como se algum dia tivesse deixado de pensar, como se José não estivesse presente em cada um dos Seus pensamentos, como se a angústia e a dor em algum momento O tivessem abandonado. E Ele grita para um Gólgota que não pode entendê-lo: ‘Pai, por que me abandonaste?'”
Não garanto que seja verdade, mas, em retrospecto, parece a ideia mais óbvia do mundo. Na verdade, eu me sinto surpreendido por não ter ouvido isso antes. Mas, quanto à escassez de menções a José na Bíblia, acho normal para os padrões gerais dos Evangelhos: imensa pobreza de menções à infância de Jesus (a não ser fatos que exaltem seu papel profético/messiânico, como a visita ao Templo, a estrela de Belém e os presentes), à sua vida familiar e à sua vida pessoal em geral (José, o carpinteiro, só é citado pelos inimigos de Jesus quando se discute se aquele Zé Ninguém pode ser um messias/profeta, Maria só é citada quando está por perto e os irmãos só quando não o entendem e se opõem a ele). Nesse contexto, um parente morto, mesmo o pai oficial, não tem muito espaço.
Thiago, embora o post não seja sério, e eu não goste de falar a sério sobre religião, porque não levo religião a sério, a verdade é que história é outra coisa. 🙂
Eu acho que numa situação normal seria mais estranha a ausência de José do que a presença de Maria. Porque aquela era uma sociedade patriarcal, e acima de tudo patrilinear. É José o descendente de Davi, e não Maria. (Embora, com aquele monte de esposas, eu desconfie de que todo judeu é descendente de Salomão.)
Mas há uma série de problemas que os evangelistas tentam resolver, e isso cria umas contradições estranhas.
A primeira coisa que levo em consideração quando se fala de Jesus é que o Evangelho mais antigo, o de Marcos, foi escrito ao menos 40 anos depois de Sua morte, posterior mesmo às epístolas de Paulo. Isso quer dizer que o que eles colocaram no papel é o resultado de décadas de tradição oral e de construção ideológica e teológica do cristianismo, e certamente refletia os exageros típicos do contar de histórias, ainda mais em um ambiente de fanatismo crescente, bem como as mudanças que o apostolado de Paulo tinha trazido, principalmente o direcionamento aos gentios. São os 40 anos necessários para transformar o que vejo como mais um dos tantos pregadores apocalípticos que existiam naquela época em deus. Não acho sequer que Ele tivesse muito mais seguidores que outros em seu tempo, nem fossem os únicos heréticos naquele momento. Sem negar o carisma do próprio Jesus, acho que a grande diferença é que o cristianismo teve Paulo, na minha opinião a figura humana mais importante da história.
Dentro desse contexto, não é maluquice definir que tudo o que se diz nos Evangelhos sobre a infância do cidadão em questão é uma construção posterior, feita para justificar a Sua deificação. Não tenho nenhuma dúvida de tudo o que se fala sobre a infância de Jesus é invenção, feita para adequar a posteriori o seu perfil ao do messias judaico. O nascimento improvável e rocambolesco em Belém e não em Nazaré, os reis Magos, o brilhantismo na infância, a transformação de José em pai putativo. Assim como a transformação de João Batista — provavelmente o pregador mais importante da época de Jesus, a ponto de os evangelistas precisarem legitimar Jesus com um batismo — em seu primo.
Duvido até que ela fosse muito conhecida pelos primeiros cristãos—até porque não era importante. Mas o processo de transformação de Jesus no Messias exigiu, certamente, uma série de “retcons”. Nesse caso, é possível que dois processos tenham corrido paralelamente. De um lado, a presença de Maria me parece necessária para dar a Jesus o caráter humano necessário à imagem que estavam construindo e justificar a própria transformação da ideia do Messias vingador, concreto, em prometedor vago da ressurreição, ou então por um eventual respeito aos fatos. (Mais tarde, dariam um caráter quase divino a Maria, aproximando-a das tradições de deusas-mãe que se via no império romano.) Da mesma forma, a ausência de José é imprescindível para que Jesus se legitime como filho de Deus.
O mais provável é que José já tivesse mesmo morrido, já que com um Jesus de 30 anos ele teria pelo menos 55; a expectativa de vida naqueles tempos não devia chegar a tanto. Mas isso simplesmente não importa.
Obrigado pela explicação. Entendo que não é a sério, mas ainda acho fantástico que, em um tempo posterior ao Código da Vinci, Je vous salue, Marie, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Dogma e todas as tentativas, artísticas ou não, sensatas ou nem tanto, de desmistificar Cristo, eu não tenha ouvido essa ideia defendida a sério ou quase (mesmo jocosamente, acho que foi a primeira vez que ouvi). Fora isso, já ouvi ou li de tudo: que Jesus foi o primeiro dos marxistas, um iniciado na religião egípcia ou no Hinduísmo, gay, baixinho, ariano (segundo Houston Stewart Chamberlain), que ele morreu no Japão já velhinho (https://www.atlasobscura.com/places/tomb-of-jesus-christ), etc.
“Eu acho que numa situação normal seria mais estranha a ausência de José do que a presença de Maria. Porque aquela era uma sociedade patriarcal, e acima de tudo patrilinear. É José o descendente de Davi, e não Maria. (Embora, com aquele monte de esposas, eu desconfie de que todo judeu é descendente de Salomão.)”
Até aí concordo. Só acho que, feito o trabalho de fornecer-Lhe um pedigree nobre e uma cobertura legal (como pai oficial de Cristo), os Evangelistas não saberiam mais o que fazer com José, vivo ou morto. Na melhor das hipóteses, sobrar-lhe-ia a figuração junto com o resto da família, que aparentemente só servia para pedir milagres e testar a paciência do Filho de Deus.
Rafael:
José era um homem bem mais velho que Maria, portanto na época da morte de Jesus é mais provável que ele já estivesse perto dos 80 anos, ou mais. Lembrando que Maria não era mulher de José, mas somente esposa, ou seja, na época, alguém que se toma para se cuidar e não para viver em matrimonio.
Levando-se em conta que os Evangelhos (e não temos outra fonte mais ou menos contemporânea sobre o trio) apresentam Jesus como filho legal de Maria e José em uma relação legítima, qual a diferença entre matrimônio e o que havia entre José e Maria? Não estou sendo irônico, eu realmente não sei o que o relacionamento de José e Maria significava de acordo com as normas da época e do lugar. Poderia me explicar, por favor?
Eu também não entendi, Serge. Eu nunca tinha ouvido falar nisso.
Sim, explico Thiago e Rafael: em vez de haver um casamento normal, que não houve, entra Maria e José, foi feito uma espécie de acordo me que Maria, e Jesus, ficariam ao cuidados de José, mas este não teria obrigações maritais em relação a mesma. Por isso a esposa (alguém se se toma ao seus cuidados), em vez de mulher. Isso tudo devido as dúvidas geradas pelo concepção de Jesus que colocaram José em situação duvidosa e vergonhosa perante a igreja judaica. Segue abaixo uma passagem que, de certa forma explica o quero dizer.
“Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, Sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo”.
A Bíblia de Jerusalém assim o traduz:
“A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria Sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo”.
Esta mesma Bíblia traz a seguinte nota no rodapé para este verso:
“Trata-se de um compromisso de casamento, isto é, de um noivado, mas o noivado judaico era um compromisso tão real que o noivo já se dizia ‘marido’, e não podia desfazê-lo senão por um repúdio”.
Em última análise, o problema com esta passagem é o seguinte: Traduções antigas apresentavam os pais de Jesus como sendo casados, porém, hoje, traduções mais afinadas com o original não o fazem. O verbo grego mnesteuo significa: pedir em casamento, noivar, estar comprometido; refere-se ao prévio contrato de casamento.
Broadus, em seu Comentário do Evangelho de Mateus, pág. 64, escreveu: “Desde o momento que se faziam noivos, cada uma das partes se achava legalmente ligada à outra, podendo ser chamados de marido e mulher”.
As palavras do Comentário Bíblico Adventista, sobre Mateus 1:18, são precisas, e trazem luz para a solução do problema:
“O noivado constituía um relacionamento legal, um pacto tão solene que apenas poderia ser desfeito por processos legais, isto é, pelo divórcio”.
Entre os judeus, uma moça noiva era chamada de esposa, e, como tal, era tratada. O período que ia do noivado às bodas, propriamente ditas, era mais ou menos de um ano, quando o jovem casal deixava a casa dos pais para viver juntos (Gênesis 24:55; Juízes 14:8; Deuteronômio 20:7). A quebra do sétimo mandamento, neste período, por qualquer um dos noivos, era considerado adultério, e a união só poderia ser desfeita através do divórcio.
A noiva, se ela fosse culpada, como parecia no caso de Maria, aos olhos de José devia ser apedrejada (Deuteronômio 22:23 e 24). Mas José podia legalmente escolher dois caminhos, de acordo com as leis do Velho Testamento:
1º) Expor a sua noiva à vergonha pública, acusando-a de adúltera (Deuteronômio 22:21), para depois ser apedrejada.
2º) Desquitando-se “secretamente”, sem mencionar na carta de desquite as razões para sua atitude.
Mateus, no verso 19, apresenta José como justo, mas, apesar disso, não queria viver com uma mulher que lhe tinha sido infiel, pensava ele; mesmo assim, por ser de coração magnânimo, não queria a sua morte. Por essa razão intentou deixá-la secretamente; ou optou pela segunda alternativa, que não foi consumada porque a intervenção divina fez com que o problema fosse solucionado (Mateus 1:20).
A palavra que aparece traduzida por infamar ou difamar do verso 19 é a forma verbal grega “deigmatisai” – que significa fazê-la um espetáculo (público). Há manuscritos gregos que trazem “paradeigmatisai” – fazê-la um exemplo.”
Obrigado pela explicação.
Afastado pela intervenção divina o motivo para repudiação discreta ou pública de Maria, a situação não evoluiu (pelo menos legal e socialmente) para um matrimônio normal (mesmo supondo que não consumado sexualmente)? Em Mateus 13:55, os adversários de Jesus se referem ao novo pregador como “o filho do carpinteiro” (ou como quer que se traduza a profissão de José) e mencionam a família (como quer que se entenda a referência a irmãos e irmãs – irmãos de sangue, meio-irmãos, parentes próximos, etc.).
Marcos 6:3, porém, relata a mesma situação, mas os adversários referem-se a Jesus “como o carpinteiro” (ou como quer que se etc.) e se refere à mãe, aos irmãos e irmãs (comomquer que se entenda etc.). Pelo menos uma das versões da fala dos críticos de Jesus parece aceitar como público o conhecimento de que José era pai biológico de Jesus, a outra simplesmente ignora José (o que nos leva de volta ao problema da asuência de José) e nenhuma das duas capitaliza a deliciosa fofoca sobre uma possível ilegitimidade de Jesus (e as restrições que, se não me engano, pensavam sobre filhos ilegítimos) e, apesar da hostilidade a Jesus por parte de quem fez as referências, as menções à família e a Maria são neutras, mesmo que não pareçam ser consideradas especiais o bastante para gerar um profeta e menos ainda um Messias. Por isso eu pergunto, legalmente, não era um matrimônio comum?
Sim, explico Thiago e Rafael: em vez de haver um casamento normal, que não houve, entra Maria e José, foi feito uma espécie de acordo em que Maria, e Jesus, ficariam ao cuidados de José, mas este não teria obrigações maritais em relação a mesma. Por isso a esposa (alguém se se toma ao seus cuidados), em vez de mulher. Isso tudo devido as dúvidas geradas pelo concepção de Jesus que colocaram José em situação humilhante e vergonhosa perante a seus pares na igreja judaica. Segue abaixo uma passagem que, de certa forma, explica o quero dizer.
“Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, Sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo”.
A Bíblia de Jerusalém assim o traduz:
“A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria Sua mãe, comprometida em casamento com José, antes que coabitassem, achou-se grávida pelo Espírito Santo”.
Esta mesma Bíblia traz a seguinte nota no rodapé para este verso:
“Trata-se de um compromisso de casamento, isto é, de um noivado, mas o noivado judaico era um compromisso tão real que o noivo já se dizia ‘marido’, e não podia desfazê-lo senão por um repúdio”.
Em última análise, o problema com esta passagem é o seguinte: Traduções antigas apresentavam os pais de Jesus como sendo casados, porém, hoje, traduções mais afinadas com o original não o fazem. O verbo grego mnesteuo significa: pedir em casamento, noivar, estar comprometido; refere-se ao prévio contrato de casamento.
Broadus, em seu Comentário do Evangelho de Mateus, pág. 64, escreveu: “Desde o momento que se faziam noivos, cada uma das partes se achava legalmente ligada à outra, podendo ser chamados de marido e mulher”.
As palavras do Comentário Bíblico Adventista, sobre Mateus 1:18, são precisas, e trazem luz para a solução do problema:
“O noivado constituía um relacionamento legal, um pacto tão solene que apenas poderia ser desfeito por processos legais, isto é, pelo divórcio”.
Entre os judeus, uma moça noiva era chamada de esposa, e, como tal, era tratada. O período que ia do noivado às bodas, propriamente ditas, era mais ou menos de um ano, quando o jovem casal deixava a casa dos pais para viver juntos (Gênesis 24:55; Juízes 14:8; Deuteronômio 20:7). A quebra do sétimo mandamento, neste período, por qualquer um dos noivos, era considerado adultério, e a união só poderia ser desfeita através do divórcio.
A noiva, se ela fosse culpada, como parecia no caso de Maria, aos olhos de José devia ser apedrejada (Deuteronômio 22:23 e 24). Mas José podia legalmente escolher dois caminhos, de acordo com as leis do Velho Testamento:
1º) Expor a sua noiva à vergonha pública, acusando-a de adúltera (Deuteronômio 22:21), para depois ser apedrejada.
2º) Desquitando-se “secretamente”, sem mencionar na carta de desquite as razões para sua atitude.
Mateus, no verso 19, apresenta José como justo, mas, apesar disso, não queria viver com uma mulher que lhe tinha sido infiel, pensava ele; mesmo assim, por ser de coração magnânimo, não queria a sua morte. Por essa razão intentou deixá-la secretamente; ou optou pela segunda alternativa, que não foi consumada porque a intervenção divina fez com que o problema fosse solucionado (Mateus 1:20).
A palavra que aparece traduzida por infamar ou difamar do verso 19 é a forma verbal grega “deigmatisai” – que significa fazê-la um espetáculo (público). Há manuscritos gregos que trazem “paradeigmatisai” – fazê-la um exemplo.”
Genial! A propósito, tem um livro muito interessante chamado “Caesar’s Messiah” onde se especula que Jesus não existiu, que foi mera criação dos romanos para desmobilizar o judaísmo. Eu, de qualquer modo, gosto muito mais do Brian…
Já ouvi falar nessa tese. É altamente improvável, no entanto. Seria muito difícil construir uma narrativa dessas sem uma pessoa real por trás, sobre a qual criar a lenda. Pra mim, a queestão da existência de Jesus é ponto pacífico, embora ele possivelmente não tenha absolutamente nada a ver com o Jesus dos Evangelhos. Mas na verdade, acho mais interessante tentar entender como o cristianismo conseguiu se tornar a religião oficial do império em uns poucos.
Essa questão do Cristianismo ter se tornado a religião do Império Romano também me intriga. A grosso modo, seria como se Wall Street adotasse o marxismo.
Ou como o Império Russo, conservador e ortodoxo, virar marxista? O golpe bolchevique à parte, está claro que largas fatias dos trabalhadores e dos soldados tinham aderido a partidos que geralmente seriam classificados de extremistas de esquerda, especialmente os social-revolucionários, que queriam fazer a reforma agrária na lei ou na marra. Partidos burgueses como o dos Outubristas e o ds Cadetes tinham sido marginalizados. A questão era quem iria levar no final, e os bolcheviques, por obra de Lenin, eram o grupo mais organizado e mais ousado, além de ter ótima penetração nas guarnições militares mais importantes. A pressão de baixo, coordenada por elementos de cima (da intelectualidde radical) fizeram o sistema (já enfraquecido pela guerra) ir pelos ares.
Wall Street é um grupo de pessoas cujo trabalho só faz sentido dentro do sistema capitalista e que lucra ou espera lucrar com esse sistema. Interesses claros e restritos, portanto. Teoricamente, nada impede que alguém acredite em mais-valia, que o trabalho aplicado ao produto define seu preço, que o mundo ficaria melhor sob um regime comunista e, mesmo assim, continue a ganhar dinheiro em Wall Street em vez de sair por aí panfletando.
Um império, por sua vez, é um conjunto de povos conquistados, classes sociais, muitas delas subjugadas. Em retrospecto, talvez a religião romana (que tinha um caráter principalmente cívico) tivesse pouco a oferecer à população em geral. Dá para imaginar uma doutrina mais universalista, mais preocupada com o indivíduo e seu destino, retratatando um deus amoroso e infalível (em vez daqueles neuróticos deuses greco-romanos) conquistando as massas e seções relevantes da intelectualidade (os chamados Pais da Igreja). Mesmo os aspectos mais crus, misóginos e violentos da Bíblia não devem ter impressionado muito um romano dos tempos do Império.
Um Judaísmo universalizado pode ter tido mais ou menos a mesma atração que o Islã vem apresentando para muitos dos esquecidos do mundo. A partir daí, o Cristianismo deve ter parecido cada vez mais algo mais a ser cooptado do que vencido. Com as divisões que ameaçavam o Império, a tentação de usar o Cristianismo, com seu prestígio ascendente, como arma ideológica para reunificar o Império e aumentar o prestígio do poder central deve ter sido irresistível. Stalin, durante a Segunda Guerra Mundial, afrouxou o controle sobre a Igreja Ortodoxa para mobilizar o entusiasmo religioso contra o invasor nazista. Não é difícil imaginar que Constantino deve ter imaginado que era melhor se pôr à frente de um Cristianismo ascendente (séculos de perseguições de variáveis intensidade não o abateram) do que se amarrar ao cadáver das instituições antigas do Império.
Rafael:
Sobre o como o cristianismo se tornou a religião do império romano em tão pouco tempo eu tenho uma suspeita, de certa forma até religiosa. A mensagem, a palavra, de Jesus, por ser quem era, foi muito contundente, mas tão contundente!, (muito mais que essa diluição que recebemos através da bíblia, que é sempre adulterada de concilio em concilio), que teve a força de suplantar as crenças do romanos nos deuses pagãos de então, e esses os substituíram por Jesus Cristo. O que acha?