The Sound of Metal parece um daqueles filmes para a TV que passavam na Sessão da Tarde antigamente, como “A Família Que Ninguém Queria”, ou “Meu Filho, Meu Mundo”, o tipo de filme que busca sensibilizar o expectador através da identificação com o drama pessoal do protagonista — aqui, a surdez de um baterista de música estranha. Direção, edição, roteiro, tudo aqui está completamente dentro dos padrões conhecidos do cinema dito independente, mas ouça bem: ele não tem nada de especialmente notável ou brilhante além da interpretação de Riz Ahmed, e se está na lista do Oscar deve ter sido por lobby da APADA. Muito melhor é assistir a Plemya, de 2014.
Minari não leva a lugar nenhum. Alguém deve ter dito ao diretor que o mais importante é o que se deixa de dizer, e ele levou isso ao pé da letra. Superficial, é apenas mais um filme de memórias de um menino criado no campo (durante os anos Reagan — não que isso faça alguma diferença neste filme), e inferior a obras que abordaram o tema com mais vigor, como “Um Lugar no Coração” ou “O Rio do Desespero” ou “Amor à Terra”, para não falar de “Vinhas da Ira”. É quase como se o diretor soubesse que histórias semelhantes já foram contadas tantas vezes que basta dar pinceladas bem leves sobre o assunto que o espectador vai entender. É simpático e suave, o que alivia um pouco sua barra; mas o fato é que a única coisa digna de nota no filme, mesmo, são as excelentes atuações de Will Paxton e Youn Yuh-jung. A impressão que fica é que depois de Parasite ano passado, coreano passou a ser obrigatório no Oscar. Não tem problema, isso acaba ano que vem.
Promising Young Woman poderia ser mais do que é. Baseado em uma visão infantil e esquisita do que andam chamando sororidade (a vingança da protagonista pelo estupro, humilhação pública e posterior suicídio de sua melhor amiga, e que redefine a sua vida, é abrir mão de sua vida e todo final de semana se fingir de bêbada em bares, atrair predadores sexuais e, na hora H, fazê-los colocar a mão na consciência. Surreal). O filme tem um ponto de vista a defender, e isso até o valoriza um pouco, mas não o suficiente. Além disso, seria melhor sem o twist final, que diminui o impacto da tese que defende ao fazer o bem vencer o mal e, no fim das contas, apenas reforça a sensação que permeia todo o filme: o machismo mata, mas tem umas psicopatas autodestrutivas, como a personagem de Carey Mulligan, que complicam tudo.
The Trial of the Chicago 7 é um excelente filme de tribunal, gênero que já deu boas obras ao mundo, e um dos dois concorrentes deste ano que tratam de um mesmo momento da história política americana, embora com um viés menos identitário e muito mais frouxo. Tem contra si o fato de que, embora seja correto, ter tantos clichês quanto uma tipografia antiga. Bom filme, mas não mais que isso. Ele também parece ter uma pinimba contra Tom Hayden enquanto celebra Abbie Hoffman e Jerry Rubin. E a bem da verdade histórica, não custa lembrar que, alguns anos depois do julgamento, Jerry Rubin era o sujeito cuja namorada deu para John Lennon debaixo do seu nariz, e Tom Hayden era o sujeito que comia a Jane Fonda, quando Jane Fonda era Jane Fonda.
Mank é um belo filme, mas é bom mesmo para cinéfilos, que conhecem a história de Mankiewicz (e do seu irmão mais talentoso, Joseph). David Finch fez um filme tradicional, com recursos fáceis a velhos gimmicks (como as marcas artificiais que tentam reproduzir o desgaste de celuloide antigo, algo que deveria ser objeto de um novo Código Hays e banido do cinema) para glamourizar a velha e boa Hollywood. Nesse aspecto, é um filme que poderia ser feito nos anos 50, inclusive em suas falsificações da verdade. É cinema de primeira qualidade, mas é praticamente a antítese de “Cidadão Kane”: dialoga com o velho enquanto “Kane” trazia o novo.
(Nota: se seguir os passos do Golden Globe, o Oscar de melhor ator vai para Chadwick Boseman, o que na minha opinião só não é injusto porque o cabra está morto e de defunto a gente não fala mal; mas é bom registrar que seu desempenho em Ma Rainey’s Black Bottom [que traz Viola Davis — talvez a mais importante atriz americana da atualidade — num papel que mostra que ela chegou à maturidade e conquistou o direito de representar Viola Davis] não foi o suficiente para me fazer esquecer a atuação estelar de Gary Oldman aqui.)
Por pouco Judas and the Black Messiah não é o melhor filme do ano. Bem feito, com uma trilha sonora brilhante e algumas atuações impressionantes, é uma história contada com competência e foco pelo diretor Shaka King. Já vi gente falando deste filme como uma biografia de Fred Harman, o que significa que elas não viram o filme: é uma crônica da ascensão e queda dos Panteras Negras em Chicago, de um modo de fazer política e de como se destrói um movimento social. Como bônus, o filme é também uma aula de política, e deveria ser visto por toda essa renca de chatxs identitárixs de Facebook.
The Father é surpreendente. Em outras mãos o filme desapareceria sob a interpretação estupenda, incomparável, absolutamente fantástica de Anthony Hopkins, e seria a típica fita pequena que antigamente fazia a festa de quem apostava em zebras diante de superproduções. Mas o filme que Florian Zeller entrega é surpreendente, ao dar uma dimensão reveladora, instigante e cheia de suspense do que é a demência, ele consegue mostrar o que ela é ao mesmo tempo em que faz cinema com C maiúsculo.
Nomadland consegue extrair poesia de onde menos se espera. Chloé Zhao, com um olhar curiosamente distante mas não frio, mostra a vida de uma legião de deserdados do sonho americano com empatia, mas sem compaixão ou pieguice. É esse paradoxo que faz a beleza do filme. Estrelado por Frances McDormand (cada vez mais parecida com Steve McQueen) em uma atuação irrepreensível, o filme é, de longe, o melhor dentre os concorrentes deste ano, e o favorito desde que ganhou o PGA, talvez porque é o único que consegue apresentar uma visão bem própria do mundo que nos cerca hoje.
Rafael:
Que se fala do “cinema dito independente” esta se falando do cinema com a pior dependência que uma obra de arte: ter que estar sempre alinhada com algum tipo de identidarismo.
Na verdade, não. Até onde sei, o cinema independente pode ser extremamente reacionário.
Rafael:
Que se fala do “cinema dito independente” esta se falando do cinema com a pior dependência para uma obra de arte: ter que estar sempre alinhada com algum tipo de identidarismo.
“Mank, se o Orson Welles não escreveu o roteiro, porque ele ganhou um Oscar por isso?”
Essa pergunta capiciosa que um reporter faz ao Mank e a cara que o Mank faz em vez de responder a pergunta, vale o filme.
Corr. …pergunta capciosa..
Obs. Escrever no smartphone é uma merda, pra mim.
Vi 3 filmes dessa safra (Nomadland, Os 7 de Chicago e A Voz Suprema do Blues) e concordo com sua avaliação.
Dois filmes eu parei no meio. O Som do Silêncio porque achei chato, e Bela Vingança logo nos primeiros minutos, porque achei um sofrimento terrível ver aquela cena de assédio / estupro. Pelo seu relato, acredito que houve um twist na cena, mas não cheguei a ver.
Estou numa fase da vida em que não faço a menor questão de sofrer vendo um filme.
Os 7 de Chicago é divertido, mas muito quadrado.
Nomadland eu achei lindo, e tive uma intuição de que era o melhor, antes mesmo de começar a ganhar tudo na pré temporada.
Às vezes eu tenho essa intuição, mesmo sem ter visto nenhum trailer ou lido nenhuma crítica. Só vendo as entrelinhas do que as pessoas estão falando.
Aconteceu no ano de Moonlight. Eu tinha certeza que era o melhor, e quando o vi, fiquei tão impressionado que nem consegui ver direito os restantes, pareciam todos convencionais demais perto dele.
A Voz Suprema do Blues é muito ambicioso, e talvez por isso os atores estejam tão apaixonados pelo texto que o falam num tom bem acima do recomendado. Parece que eles estão gritando por dentro, e parece que todos os personagens têm que dar lições de vida a cada pessoa com quem conversam.
Viola Davis salva o filme com uma interpretação pé no chão. Mas ainda assim achei um semi fiasco.
Eu deixei de confiar na minha intuição há um tempo. O que foi bom, porque The Father é um filme muito melhor do que eu esperava.
Quanto a Viola Davis, eu não concordo. Acho que neste filme ela interpretou a sim mesmo. Acontece com grandes atrizes.
O twist vem depois, no final.
Quanto ao Ma Rainey’s, eu acho meio complicado. O filme é o segundo de uma decalogia de peças que o Denzel Washington quer filmar. Eu adorei o primeiro, e fiquei embasbacado com as atuações dele e de Madame Davis. Mas este eu já achei mais forçado, menos verdadeiro. E acho o assassinato final, ainda que metafórico, uma má solução.
“Frances McDormand cada vez mais parecida com Steve McQueen.” Ganhei o dia com essa. Genial!
E o pior é que depois de ler isso fui conferir: e não é que está mesmo?
O pior é que eu não sei se estar parecida com um ídolo sexual de tempos idos é elogio ou não.
Nesse caso, sendo ela uma mulher, não.
Os humoristas Mike Nichols e Elaine May (depois ele virou diretor, e ela, roteirista) tinham uma esquete sobre um filme biográfico sobre Gertrude Stein: Spencer Tracy deveria fazer o papel principal.
https://www.washingtonpost.com/archive/lifestyle/1980/10/06/one-woman-wonder/e9efd490-61eb-40bc-9359-bb787ee58dc8/
Eu não vejo o oscar desde crash. Se eu fosse esperto, tinha parado de ver quando premiaram o paciente inglês.
…no Ben Hur seria melhor ainda. kkkk
Ah, eu gosto de ben hur (conferi aqui e não vi nenhum dos concorrentes, nem anatomia de um crime, que me parece o mais comentado dentre os outros indicados depois dessas décadas todas. Mas gosto dele)
Eu me expressei mal. Eu quis dizer após o Ben Hur, como se esse fosse o último que valesse a pena. kkkk
Nada, até depois de crash teve filmaço premiado (onde os fracos não têm vez foi pouco tempo depois e é um filmaço). Só que crash me mostrou que não é uma premiação séria, sendo que eu podia ter percebido isso na adolescência com o paciente inglês ou Shakespeare apaixonado, por exemplo. Mas adolescente sempre é burro, até por falta de referências
É que o Serge é um saudosista.
Depois de Ben Hur, entre os que lembro: The Apartment, West Side Story, Lawrence of Arabia, The Godfather, The Deer Hunter, Platoon, Unforgiven…
Quanto a ser ou não séria, eu acho complicado. É uma premiação da indústria americana, com padrões próprios. Eventualmente um estúdio como o Miramax consegue fazer um trabalho de lobby tão bom que leva àquelas barbaridades de 99.
Em tempo: Paltrow, devolva o oscar que você roubou da Fernanda Montenegro!
(É óbvio que não iam premiar a Montenegro, mas tinha a Blanchet concorrendo, né? A reclamação não existiria se tivessem premiado a Blanchet, mas a Paltrow é intragável: uma atriz limitada num personagem ruim de um filme horrível, foi isso que premiaram)
Óbvio por quê: Premiaram o Benigni, não premiaram?