Todo mundo parece estar com a impressão de que 2022 foi um ano esquisito, em que morreu mais gente do que o costumeiro, descontando-se o ano da desgraça de 2020, aquele a que conseguimos sobreviver a penas duríssimas.
Pois eu tenho uma boa e uma má notícia.
A boa é que não é impressão, não, você não está deprimido, mais mórbido, mais pessimista depois de passar por quatro anos de Bolsonaro com uma pandemia aterrorizante e interminável no meio: morreu mesmo mais gente em 2022.
Deixa eu explicar. Em 1987, li um artigo interessante no Meio & Mensagem — assinado pelo Walter Longo, acho. Era o tempo em que traduzir o que a mídia gringa escrevia era missão chique, porque não havia internet, nada dessas coisas, a informação demorava mais circular.
O artigo era sobre os baby boomers. Eles estavam chegando ao poder: chegavam aos 40, ocupavam posições de decisão nas empresas. Nos anos 60 eles tinham sido os protagonistas de um novo tempo, com protagonismo da juventude e uma mudança profunda nos costumes. Não lembro bem do artigo, mas não é insensato imaginar que se indagasse sobre as mudanças que essa geração iria trazer para o mundo dos negócios.
(Não trouxe nenhuma, claro. O capitalismo continuou avançando, os pobres continuaram pobres e os ricos continuaram enchendo o rabo de dinheiro.)
Não esqueço desse artigo porque eu sequer sabia o que eram baby boomers até aquele momento. Isso foi antes dessa fixação em definir gerações de consumo, X, Y, Z, Flicts: os baby boomers eram um fenômeno de base real, a explosão de nascimentos com que a natureza costuma repor os cadáveres acumulados durante as guerras e um momento singular na história humana.
Mas esse pessoal mandou em um mundo bem diferente daquele que o precedeu. As telecomunicações, e principalmente a internet, aproximaram as pessoas e fizeram com que mais gente se tornasse conhecido de todos, ao menos durante aqueles quinze minutos warholianos. A informação nunca tinha fluído de maneira tão intensa, e fomos mais próximos, de certa forma, de todas essas pessoas. Vivemos a maior parte de nossas vidas sabendo que elas existiam.
Por isso, quando uma Gal Costa morre, morre alguém que fez parte de nossas vidas durante tempo demais, mais tempo do que você tem pela frente. Eu não lembro de um mundo em que Jô Soares, rainha Elizabeth, Pelé, Erasmo Carlos, Godard, não existiam; era gente que já estava no horizonte antes mesmo de eu ser um brilho no olhar de alguém. Outros, como Gorbachev, exerceram um impacto no mundo grande demais para passar em branco.
São eles que estão morrendo agora, e é por isso que você notou. É a troca de guarda do mundo. É uma geração inteira chegando aos 80 anos, idade mais que justa para se bater as botas.
Essa é a boa notícia. Agora a má: é disso para pior.
A partir de agora, toda semana vai ser um tal de gente conhecida morrer. É ordem natural das coisas, simples assim. Os dias que acumulamos, ano após ano, vão cobrar sua conta. Além disso, há a dose normal de extemporâneos: aqueles que morrem cedo demais, como Michael Jackson, ou que extrapolam seu prazo de validade, como Olivia de Havilland.
Envelhecer é, também, ver a morte dos outros. Mas olhe o lado bom: houve um tempo em que você achou que o ano 2000 era algo muito distante e que estaríamos vestindo roupas prateadas e veraneando em Marte. E já passamos por um quinto dele.
Brilhante! Me lembrei de um trecho do Irvin Yalom:
“Fale-me sobre morrer no momento certo.
– Viva enquanto viver! A morte perde seu terror quando se morre depois de consumida a própria vida! Caso nao se viva no tempo certo, entao nunca se conseguirá morrer no momento certo.”