Michael Jackson

Quase 15 anos após sua morte Michael Jackson ainda me faz pensar, ainda que involuntariamente.

Quando assisti a Leaving Neverland, o documentário em que dois sujeitos, que dormiram com Jackson quando eram crianças e que décadas atrás serviram como suas testemunhas de defesa, voltam atrás e contam como foram abusados pelo “rei do pop”, incluindo os detalhes sórdidos de suas relações, não vi nada de realmente novo. Um deles, Wade Robson, já tinha sido dedurado por uma das testemunhas de acusação em um dos tantos processos a que Jackson respondeu em vida.

Mas dia desses finalmente li uma série de reportagens de Maureen Orth para a Vanity Fair (que, ela lembra, jamais foram questionadas por Michael Jackson ou por seu espólio), em que a jornalista traça um perfil deprimente de um homem psicologicamente doente, forçado a conviver com a escória da raça humana para satisfazer seus apetites de maneira infantil — afinal Michael Jackson podia ter o que quisesse, desde que estivesse disposto a pagar os preços pedidos.

Era tudo tão obvio, foi tudo tão óbvio desde o começo. Aquelas mães venderam seus filhos. Alguém disse que esses garotos deviam processar suas mães em vez de Jackson, por terem permitido tudo aquilo, e tem razão. Em Leaving Neverland pode-se ter uma visão clara de como elas fecham os olhos para o que pode estar acontecendo, justificando-se para si mesmas por eventuais possibilidades de estarem abrindo oportunidades para seus filhos.

O que me assusta é ver gente defendendo Michael Jackson tentando transformar a defesa de Jackson em uma defesa do movimento negro.

O próprio Jackson já tinha recorrido a isso — em 2002, saiu literalmente às ruas chamando a Sony de racista pouco depois dela cobrar o ressarcimento dos gastos com Invincible. Dizem que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Agora a alegação de racismo também é.

Por alguma razão que só pode ser creditada à crescente estupidez e infantilidade dos movimentos identitários, certos segmentos do movimento negro parecem acreditar nisso também.

Um tal de TI tenta pegar uma carona e garantir seu espaço no noticiário, dizendo que tudo isso é parte de um momento para destruir a cultura negra:

Destroy another strong black historical LEGEND?!?! It’s several examples of pedophilia in American History… if y’all pulling up all our old shit… we gotta examine ELVIS PRESLEY, HUGH HEPHNER,and a whole slew of others guilty of the same if not more!!! BUT WHY US all the time?

Elvis talvez possa ser chamado pedófilo, embora de um tipo socialmente aceito em seu tempo e lugar — Jerry Lee Lewis se casou com a prima de 13 anos; Loretta Lynn casou aos 15. No Brasil colonial, quando a menina menstruasse já podia casar. É algo aceito culturalmente, diferente, por exemplo, das ações de Adam Ant ou Michael Jackson — que ainda têm o agravante da torpeza. Mas ninguém questiona isso, na verdade, e o grito de TI é inócuo, bobo.

Aterrorizante é ver os comentários. As pessoas concordam com o tal TI. Elas se tornam desonestas aos se recusar a admitir que Michael Jackson era um sujeito doente, profundamente perturbado, cujas idiossincrasias faziam com que fosse rodeado por um tipo de gente abjeta que pessoas comuns têm dificuldade em acreditar que possam existir. Em vez disso, é melhor acreditar que ele era a vítima de um racismo inexplicável — talvez o mesmo racismo que fez dele o maior ídolo pop dos anos 80.

A questão é: defender um pedófilo só porque ele é negro? Não se trata sequer de um caso como o de Bill Cosby, que nos últimos anos teve sua imagem destruída por uma série de revelações de abusos sexuais. Ninguém pensou em creditar a denúncia dos crimes de Cosby a uma agenda racista — provavelmente porque a contribuição de Cosby para a afirmação da cultura negra já foi superada há algum tempo pelos atuais movimentos identitários. Assim, as pessoas puderam ver Cosby como ele é realmente: um criminoso, um estuprador. No caso de Jackson, ele ainda é um ídolo para muita gente; e num movimento que se baseia em simbolismos e “ressignificações” como o identitário, atacar sua reputação é o mesmo que enfiar uma faca em seu peito.

Ainda mais curioso é que, apesar da boa vontade dos que parecem tentar transformar Jackson em uma espécie de neo-Malcolm X post-mortem, a verdade sobre ele é mais complexa. O fato de ter vitiligo pode explicar o embranquecimento de sua pele, mas não explica o cabelo cada vez mais parecido com o de Elizabeth Taylor ou o nariz que, em sua última encarnação, prenunciava o da “Noiva Cadáver” de Tim Burton. O discurso de Jackson, em nenhum momento, foi o desses movimentos identitários; em vez disso, em canções como Black and White, nos seus filhos brancos e esposas mais brancas ainda, e nas suas vítimas brancas ou pelo menos latinas, Michael Jackson parecia dar a entender que preferia um mundo onde etnias simplesmente não fossem mais importantes. Se estivesse vivo hoje e mantendo as mesmas posições,  em algum momento certamente seria vítima preferencial desses “social justice warriors” lacradores que pululam nas redes sociais.

(As gerações atuais, mais burras, menos sutis, enfatizam Black or White como hino antirracista. Mas a ponte que Jackson criou se estabelecia em um nível mais alto, menos óbvio, mais artístico: quando Jackson misturava a música negra e a guitarra de Eddie van Halen em Beat It, por exemplo, invertendo o fluxo da música pop. Mas esse tipo de coisa parece sofisticada demais para as novas gerações.)

Imagine-se Michael dentro da cultura de vitimização que se tem criado ultimamente. Coitado, dormia com crianças porque não teve infância e foi abusado física, emocional e talvez sexualmente pelo próprio pai (que numa visita recente ao Brasil teve um piripaque por abuso de Viagra. Pelo visto, ele não gosta de meninos; gosta é de puta, mesmo, como qualquer pessoa decente). Um dos garotos de Suzano perpetrou o massacre na escola Raul Brasil porque tinha pais viciados em crack e gostava de jogos violentos. Tudo é desculpa, tudo é explicação para o que não carece de justificativa nem admite escusa. Num mundo onde todos são vítimas, não existem culpados.

A vida e o ambiente de Jackson eram um circo dos horrores, um pesadelo infantil. Branco ou preto, Michael Jackson era no mínimo estranho, um homem doente mas rico, vivendo num mundo cão. O número de pessoas que vivem vicariamente de seu nome e de seu espólio é impressionante até para os padrões de famílias pobres de superstars. São eles que estão assustados com a perspectiva de perda da galinha dos ovos de ouro. Em seus últimos anos Michael Jackson dava prejuízo. A decadência criativa, o estilo de vida insano, o vício em drogas e provavelmente os meninos não custavam barato — só o Jordie Chandler, que descreveu acuradamente a genitália de Jackson, lhe custou 25 milhões de dólares em um acordo que mostra que o dinheiro, para a justiça dos EUA, está acima do bem-estar das crianças. Morto, em menos de dez anos Jackson se tornou uma marca lucrativa novamente — e essas acusações ameaçam acabar com a renda de muita gente.

10 thoughts on “Michael Jackson

  1. Sobre as alegações de pedofilia em Leaving Neverland, se não há provas, mas inconsistências históricas referentes a datas, locais e outros detalhes, em um documentário suspeito e comprovadamente contraditório, visto o histórico de depoimentos passados dos dois sujeitos, continuar reverberando essas acusações como verdades absolutas, se trata de um linchamento moral. Embora as alegações tenham sido feitas com riqueza de detalhes, se não há comprovação, amigo, o ônus da prova tem que ser levado em conta. Estou falando de alguém cujo trabalho é provar um determinado fato ou alegação em um caso jurídico. Em outras palavras, a pessoa que faz a acusação tem a responsabilidade de provar que a afirmação é verdadeira.
    Se ele tinha vitiligo devido à estresse emocional ou físico, ou outro motivo e, conforme o embranquecimentou, forçou a claridade em outras áreas do corpo e quis alisar o cabelo ou usar uma peruca, parecendo o cabelo da Elizabeth Taylor, é uma outra história. É cada um cuidando da sua vida. Se ele quis ter filhos brancos, idem. Sem falar no nariz que foi se tornando cada vez mais esquisito, aquilo realmente ficou horrível.
    Se Michael Jackson abusou de crianças ou não, não se sabe, mas você parece saber. Mas vamos lá, mesmo que o documentário esteja cheio de alegações perturbadoras, se não há prova, Michael Jackson morreu inocente. No entanto, ele está morto. Me diga, ele abusou de crianças? Bem, vamos às provas e às histórias de todas as acusações, pessoas envolvidas etc. Há provas de que ele fez acordos para calar várias de suas supostas vítimas? Há comprovação irrefutável dessa alegação? Ah, o pai de Jordan Chandler, Evan Chandler, não era um vigarista manipulador que cometeu suicídio alguns meses depois da morte de Michael Jackson? Mais uma coisa: Os pais de Gavin Arvizo, comprovadamente, não eram golpistas? Gavin o acusou de ter mostrado uma determinada revista adulta, o problema era que tal revista foi lançada meses depois das primeiras acusações do garoto. Tudo isso e mais outras questões devem ser analisadas e respondidas. E sobre a genitália do falecido que, supostamente, Chandler chegou a dar uma conferida, né? Uma olhada… Outras fontes afirmam que a descrição foi imprecisa, inconsistente e baseada em suposições, e que os promotores tentaram usar as fotos da genitália de Jackson como uma jogada de relações públicas, sem sucesso.
    Olha, Rafael, em alguns documentos e tratados da ONU, a importância de garantir o devido processo, a presunção de inocência e o direito de defesa de todas as pessoas acusadas de crimes ou violações dos direitos humanos é reconhecida. Se considerarmos um documentário como verdade absoluta, sem prova, mas com inconsistências e contradições de testemunhos passados e atuais, levando em conta a situação financeira dos acusadores, vamos nos dar a liberdade de rasgar qualquer declaração baseada nos direitos humanos e acreditar em qualquer notícia falsa sobre qualquer assunto, como tantas histórias na Internet. Quem sabe, seja necessário reconsiderar a “autotutela do século XXI”, como aconteceu com Fabiane Maria de Jesus, uma dona de casa que foi espancada até a morte por vários moradores do bairro de Morrinhos IV, em Guarujá (SP), em 2014. O que você acha? Vai que ela de fato cometia aqueles crimes… Nunca se sabe. A comparação pode ser exagerada, mas eu só estou dizendo que ambos, talvez, não foram vítimas de um julgamento precipitado e injusto, que não respeitou o seu direito de defesa, por exemplo. A diferença é que a aberração “Wacko Jacko”, o “decadente Rei do Pop”, um “lunático” com síndrome de Peter Pan, tendo a “audácia” de formar uma família (que absurdo!), estava sobre o julgamento moral do ocidente, alimentado pela narrativa norte-americana que levanta e derruba seus ícones da cultura pop, reproduzida por você neste texto, aparentemente movido por uma indignação coletiva, a que não aceita a possibilidade da inocência de um homem que foi absolvido em um julgamento circense, enfrentando até hoje acusações de todo tipo, algumas que beiram ao ridículo.

    • Quem quer derrubar esse monstro que foi elevado a um dos maiores ídolos do planeta e mesmo sendo esse psicopata é defendido por gente como você? Quem?
      É obvio que esse desgraçado fez tudo e mais e acabou com a própria história.

      • Amigo, gostaria de esclarecer que minha intenção não é defender ou absolver o “suposto monstro psicopata e desgraçado que destruiu a própria vida”, mas sim destacar a importância dos princípios fundamentais de justiça, como o devido processo legal e a presunção de inocência, que são um dos pilares dos direitos humanos.

        É crucial que, como sociedade, não nos precipitemos em julgamentos morais sem a devida consideração das provas e do processo legal adequado. A história nos mostrou, em várias ocasiões, as consequências trágicas de acusações infundadas e linchamentos morais. Em verdade, meu objetivo na resposta anterior foi o de refutar Rafael Galvão, fazendo, inclusive, perguntas pertinentes e a utilização de ironia e sarcasmo na busca pela verdade, evitando a propagação de injustiças e danos irreparáveis à dignidade das pessoas. Eu não aceito injustiças. Você percebe a irresponsabilidade quando ele diz “era tudo tão óbvio, foi tudo tão óbvio desde o começo”. Eu não posso considerar como prova irrefutável, um documentário enviesado, protagonizado por dois sujeitos com histórico duvidoso relacionado aos seus depoimentos passados. Inclusive, existem documentos que apontam contradições e inconsistências nas denúncias apresentadas no filme. Por mais que um acusador descreva em detalhes o que, supostamente, ocorreu com ele e por mais que transmita toda a sinceridade possível, se não houver provas, o acusado é inocente. Portanto, meu compromisso é com a defesa dos direitos humanos, não com Michael Jackson.

        O Brasil, com sua rica diversidade cultural e histórico de desafios sociais e políticos, tem a oportunidade de aprender com os erros de outros países e promover uma abordagem mais equilibrada e justa em relação à cobertura midiática e ao consumo de informações. A mídia e o público devem exercer responsabilidade ao compartilhar e consumir informações, especialmente em casos judiciais sensíveis. Você deveria ser mais responsável ao compartilhar opiniões, é essencial que se mantenha um olhar crítico.

        O texto elaborado pelo Rafael representa a influência dominante de grandes veículos de comunicação internacionais, como BBC, CNN, Fox News, The Sun e The Mirror, sobre a mídia de outros países, incluindo o Brasil. Esses veículos, com ampla distribuição global e recursos significativos, podem estabelecer narrativas sensacionalistas ou unilaterais, assim como outros padrões de reportagem, que acabam sendo adotados por jornais e emissoras em outras nações. Sendo assim, reafirmo que minha resposta não foi uma defesa pessoal ao “desgraçado”, o “psicopata, “o monstro que foi elevado a um dos maiores ídolos do planeta”.

      • Só para deixar mais claro ainda, eu assisti o documentário Leaving Neverland e também li uma série de reportagens da Maureen Orth. Para a Vanity Fair. Segundo Rafael Galvão, as reportagens da jornalista não terem sido questionadas por Michael Jackson e seu espólio, prova que as alegações são incontestáveis e confirmam a culpa do falecido, cujo tem sido mencionado com jocosidade por ele, há anos. De todas suas opiniões expressas aqui (aprecio algumas), esta foi manifestada com tanta pomposidade, como algumas outras sobre o “homem que era no mínimo estranho, doente, mas rico), que eu resolvi responder à altura. Já estava na hora. Imagino como esse sujeito se julga a luz que guia a humanidade, assistindo a programas policialescos. Eu pago pra ver ele me responder, quero ver até onde ele é capaz de ir com seu mirabolismo alienativo.

  2. Porra ..
    Mas então é tú a luz que guia a humanidade??
    E nem pra nos contar??
    Sacanagi.

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