Bom dia, todes e todes
Defensores dessa estupidez que chamam de “linguagem inclusiva” adoram dizer que “a linguagem só existe em movimente, que nomear é dar pertencimente, que linguagem é instrumente de dominação”.
A desculpa da mobilidade é boba, e profundamente elitiste. Do contrário, haveria esforço para normatizar gramaticalmente os pobremas que o povo enfrenta, as abrobas que comem sentados em táubas debaixo de uma arve, depois de assentar uns broco, enquanto houve os jogos do Framengo. Quem se mete numa discursão defendendo a imperiosidade de falar todes não se importa se isso é uma excessão que só faz sentide para uma pretensa elite cultural cevade nos campi país afora. Para eles, falar todes vai mudar a sociedade. Eles têm fé de que um homofóbico não vai encher um gay de porrada se ele invocar a palavra mágica — LGBTQIAPN+! — e problematizar os seus pronomes.
O problema é que esquecem também de dizer que esse movimento é elitizado porque nada disso é fundamental, é apenas reflexo de uma situação estrutural mais importante. E agora que a esquerda finalmente parece começar a enxergar que perdeu quase totalmente sua ligação com o povo, que a direita tem se apropriado de grande parte dos temas realmente relevantes, talvez haja uma chance de que finalmente entendam isso e busquem caminhos mais sólidos.
Essa é uma discussão que nasceu nas universidades americanas; veio para o Brasil junto com o binarismo que domina a discussão racial hoje em dia, e que obriga os mais radicais a fazerem malabarismos inimagináveis nos Estados Unidos, como a transformação de mulatos e morenos em uma supercategoria de “pretos” e a inclusão de pessoas com experiências, privilégios e dificuldades totalmente diversas num só balaio para justificar a adoção de táticas que só fazem sentido dentro do one-drop rule.
Trata-se de uma elite intelectual — e por elite intelectual eu me refiro, abrindo mão de meu próprio conceito de “elite”, ao pessoal acadêmico que só existe em função da universidade, que retira dela o seu sustento e seu próprio significado e se especializa em nichos cada vez mais estreitos do conhecimento que se retroalimentam num movimento de falso moto-perpétuo e se tornam cada vez mais distantes da sociedade em volta.
É esse pessoal, que mexe essencialmente com a palavra, que lhe dá uma importância muito maior do que a real. E o resultado é que, distanciada das pautas estruturais da sociedade, essa esquerda não se vê capaz de oferecer uma alternativa que consiga se impor como confiável, e se vê vítima de sua própria incapacidade de acreditar nos princípios que sempre a nortearam.
Enquanto isso a direita se apropria da mensagem de mudança. Enquanto essa esquerda canta loas à cultura da favela, a direita diz o óbvio: favela é uma droga, o que a gente tem que fazer é tirar as pessoas dela. Enquanto uma elite branca — e esse foi o dado mais curioso do último Censo — embarca nas religiões de matriz africana em busca da remissão de pecados de seus antepassados, o negro pobre deixa seu dinheiro nas caixas de dízimo das igrejas protestantes, que variam entre a direita, a extrema direita e a picaretagem.
A direita radicaliza com AR-15 e um discurso de conservadorismo de costumes e rebelião social contra inimigos imaginários, cada vez mais racista, e principalmente cada vez mais fascista. A esquerda radicaliza falando todes. Sei não, mas acho que não vamos ganhar essa guerra.