Amor é prosa; sexo é poesia

Da coluna do Arnaldo Jabor de hoje:

Amor é propriedade. Sexo é posse. Amor é a lei; sexo é invasão.

O amor é uma construção do desejo. Sexo não depende de nosso desejo; nosso desejo é que é tomado por ele. Ninguém se masturba por amor. Ninguém sofre com tesão. Amor e sexo, são como a palavra farmakon em grego: remédio ou veneno — depende da quantidade ingerida.

O sexo vem antes. O amor vem depois. No amor, perdemos a cabeça, deliberadamente. No sexo, a cabeça nos perde. O amor precisa do pensamento. No sexo, o pensamento atrapalha.

O amor sonha com uma grande redenção. O sexo sonha com proibições; não há fantasias permitidas. O amor é o desejo de atingir a plenitude. Sexo é a vontade de se satisfazer com a finitude. O amor vive da impossibilidade — nunca é totalmente satisfatório. O sexo pode ser, dependendo da posição adotada. O amor pode atrapalhar o sexo. Já o contrário não acontece. Existe amor com sexo, claro, mas nunca gozam juntos.

O amor é mais narcisista, mesmo entrega, na “doação”. Sexo é mais democrático, mesmo vivendo do egoísmo. Amor é um texto. Sexo é um esporte. Amor não exige a presença do “outro”. O sexo, mesmo solitário, precisa de uma “mãozinha”. Certos amores nem precisam de parceiro; florescem até na maior solidão e na saudade. Sexo, não — é mais realista. Nesse sentido, amor é uma busca de ilusão. Sexo é uma bruta vontade de verdade. O amor vem de dentro, o sexo vem de fora. O amor vem de nós. O sexo vem dos outros. “O sexo é uma selva de epilépticos” (N. Rodrigues). O amor inventou a alma, a moral. O sexo inventou a moral também, mas do lado de fora de sua jaula, onde ele ruge.

O amor tem algo de ridículo, de patético, principalmente nas grandes paixões. O sexo é mais quieto, como um caubói — quando acaba a valentia, ele vem e come. Eles dizem: “Faça amor, não faça a guerra”. Sexo quer guerra. O ódio mata o amor, mas o ódio pode acender o sexo. Amor é egoísta; sexo é altruísta. O amor quer superar a morte. No sexo, a morte está ali, nas bocas. O amor fala muito. O sexo grita, geme, ruge, mas não se explica.

O sexo sempre existiu — das cavernas do paraíso até as “saunas relax for men”. Por outro lado, o amor foi inventado pelos poetas provençais do seculo XII e, depois, relançado pelo cinema americano da moral cristã. Amor é literatura. Sexo é cinema. Amor é prosa; sexo é poesia. Amor é mulher; sexo é homem — o casamento perfeito é do travesti consigo mesmo. O amor domado protege a produção; sexo selvagem é uma ameaça ao bom funcionamento do mercado. Por isso, a única maneira de controlá-lo é programá-lo, como faz a indústria da sacanagen. O mercado programa nossas fantasias.

Não há “saunas relax” para o amor, onde o sujeito entre e se apaixone. No entanto, em todo bordel, finge-se um “amorzinho” para iniciar. O amor virou um estímulo para o sexo.

O problema do amor é que dura muito, já o sexo dura pouco. Amor busca uma certa “grandeza”. O sexo é mais embaixo. O perigo do sexo é que você pode se apaixonar. O perigo do amor é virar amizade. Com camisinha, há “sexo seguro”, mas não há camisinha para o amor.

O amor sonha com a pureza. Sexo precisa do pecado. Amor é a lei. Sexo é a transgressão. Amor é o sonho dos solteiros. Sexo, o sonho dos casados.

Amor precisa do medo, do desassossego. Sexo precisa da novidade, da surpresa. O grande amor só se sente na perda. O grande sexo sente-se na tomada de poder. Amor é de direita. Sexo, de esquerda — ou não, dependendo do momento político. Atualmente, sexo é de direita. Nos anos 60, era o contrário. Sexo era revolucionário e o amor era careta.

E, por aí, vamos. Sexo e amor tentam mesmo é nos fazer esquecer a morte. Ou não; sei lá…

O que eu poderia comentar?

9 thoughts on “Amor é prosa; sexo é poesia

  1. Rasti, o duro é convencer as mulheres de que nós, homens, não confundimos amor com sexo…. rsrsrsrs É duro descobrir que o seu casamento está marcado a partir da primeira transa. :c)

  2. O Arnaldo Jabor conseguiu me fazer torcer pelo sempre injustamente acusado de “bandido” sexo. Amor? Sei lá. Não gosto muito de dar nome aos bois. Prefiro simplificar imaginando que temos sentimentos diferentes por pessoas diferentes, sejam bons ou ruins. E “amor” acaba sendo usado tão em vão, nessa nossa compulsão por dar nome a tudo, que acaba se tornando um ruído a mais no meio de tantas palavras. Fora tudo isso, eu MORRO DE PREGUIÇA dessa mania de hipervalorizarem o amor em detrimento do sexo. Amor é sentimento. Sexo é ato gerador de prazer. E ainda insistem em colocá-los na mesma prateleira. Sobretudo as mulheres-que-acham-que-devem-ser-certinhas-para-serem-amadas-e-admiradas-e-que-só-admitem-sexo-com-amor. Vou falar uma frase babaca que adoro: “isso é falta de homem”.

  3. Primeiro: não acredito que são só as mulheres que pensem em amor como “platônico”, há homens que sabem amar, fato extremamente considerável e louvável, amor é vem de dentro e sexo vem de fora, pode-se ter as duas coisas, consilia-las, mas depende dos desejos das partes envolvidas, não há como ter sexo e amor, mas pode-se ter amor e sexo…

  4. Rafael parabéns pela escolha dos textos, afinal, Arnaldo Jabor tem o dom de usar as palavras certas, os sentimentos certos e as explicações perfeitas, e os textos falam desse complemento perfeito que é o amor e o sexo, como o bem e o mal, acredito na eternidade do amor e mais ainda na intensidade do sexo, e os dois juntos, uau… nem se fala.
    Bjos

  5. Cheguei a ler o livro todo, gostei muito, possui criticas e elementos abordados hoje ja esquecidos, como o valor de um sentimento, e aborda de uma forma muito agradavel e interessante muitas vezes engraçadas certos asssuntos ditos de hoje em dia. Rafael você fez uma otima escolha e num momento comu pdoemos dizer, “algi” do livro um dos momentos que mais atrai a atenção ao livro e a cronica do glorioso Arnaldo Jabor.

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