Cine Privé

Relendo “O Conde de Monte Cristo”, e vendo como a filha de Danglars é uma aplicada discípula de Safo, parei para pensar na obviedade do sexo no cinema.

Graças ao Código Hays, disparado pelo escândalo de Fatty Arbuckle e sua garrafa de Coca-Cola, o cinema americano passou por décadas de auto-censura ferrenha (ao mesmo tempo em que a MGM mantinha a Cat House, estábulo de starlets e modelos bem pagas e submetidas periodicamente a exames ginecológicos para evitar que seus astros contraíssem doenças venéreas ou, pior, dessem escândalos públicos). O Código Hays chegou a absurdos como mostrar casais em camas separadas. E cenas de sexo eram sugeridas invariavelmente por um beijo ardente e um fade out oportuno.

Certo, sexo faz parte da vida (alguns pervertidos e devassos chegam a achar que a vida faz parte do sexo). Mas porque faz não quer dizer que tenha que ser necessariamente mostrado.

Vi muitos filmes antigos na infância (a verdade é que filmes velhos são mais baratos para a rede de TV). Em todos eles, sempre havia uma cena em que o beijo e o fade out apareciam. E para mim, aquilo era tudo. Era adequado ao meu nível de compreensão do mundo e me permitia compreender exatamente o que estava acontecendo, ainda que não totalmente. Ou seja, para mim o simples beijo era a concretização do amor ou pelo menos atração física que os dois sentiam. Eu não precisava saber que a partir dali aconteciam coisas de fazer corar o diabo.

Esse tipo restrito de abordagem de sexo é mais abrangente do que a descrição gráfica, e portanto mais livre. O tal beijo/fade out pode ser visto por qualquer um, e entendido de acordo com a compreensão de cada um. É clichê? É. Mas aqueles longos rituais de desnudamento, aquelas cenas de sexo lento e romântico em chiaroscuro também são. A diferença é que eu não mostraria as tais cenas para uma criança de 7 anos; mas posso lhe mostrar “Casablanca”. Ela não precisa saber que quando Ingrid Bergman baixa o revólver Bogart mostra a ela a razão pela qual eles sempre terão Paris; mas sabe que ela o ama e pode ter perfeita compreensão do filme.

Falar nisso me deixou pensando numa coisa. Acho que em Wings, de 1929 — o primeiro ganhador do Oscar — aparece um peito de mulher. Sem contar filmes europeus com “Êxtase”, isso talvez indique que a estética cinematográfica, já no início do século passado, tinha uma abordagem mais liberal em relação à nudez. Pode-se imaginar que, sem o Código Hays, nudez no cinema fosse se tornando coisa cada vez mais banal.

Tavez o cinema tenha colaborado para o estabelecimento de uma estética sexual mais conservadora durate o século XX, e não o contrário.

De lobos e cordeiros

E o tempo todo aparecem posts ou artigos falando de como o Iraque está bem, como os iraquianos estão felizes com a nova situação.

Não duvido — pelo menos não com muita convicção. Não duvido porque não sei, e prefiro ficar quieto a fazer como tanta gente que não sabe e diz que ele está melhor ou pior.

O problema é que esses posts e artigos geralmente incluem loas aos Estados Unidos. O último que eu li, e que me deu mais náuseas, foi no Socialism in an Age of Waiting, blog inglês que se diz socialista.

Eis o trecho que me fez ter vontade de correr para o banheiro:

After all, Americans fought and died in Europe during the 20th century to save France from Germany (twice), and save Germany from Fascism and Communism, but hatred of America is a reflex action in both countries. Still, the French and the Germans who rant and rave are able to do so in freedom. Just as the Iraqis can now do. Hitler didn’t triumph, Stalin didn’t succeed, Saddam lost. One year after, this is a better world.

Alguém precisa lembrar ao idiota que escreveu isso que a vida é muito mais complexa do que lambedores de bota acreditam. Os Estados Unidos não lutaram para salvar a França; lutaram para evitar que Hitler chegasse aos seus calcanhares (aliás, se é para ser chato, não custa lembrar que eles não declararam guerra à Alemanha; declararam ao Japão depois de Pearl Harbor e a Alemanha, em solidariedade ao Japão por força do acordo que formou o Eixo, declarou guerra a eles). Não lutaram para salvar a Alemanha do comunismo: Stálin fez isso em 1927. Finalmente, ao contrário do que o retardado dá a entender, Stálin teve sucesso, sim — morreu em um país socialista e mais forte do que nunca, que tinha recuperado tudo o que havia perdido no início dos anos 20 e ainda mais. E se o socialismo fracassou lá não foi por causa dos esforços dos Estados Unidos, mas por não conseguir resolver suas próprias contradições. Basicamente, acreditar que países lutem por outra razão que não seus próprios interesses é merecer ser chamado, por um sujeito de um país do terceiro mundo, de completo imbecil.

(O debilóide ainda reclama que a França devia ser grata aos Estados Unidos. Pois gratos deviam ser os americanos, sempre profundamente ignorantes em história, porque sem a França seu país sequer existiria.)

E este é realmente um mundo melhor, um ano depois? Onde? Países onde o terror islâmico nunca tinham atacado são vítimas de assassinatos em massa. Os Estados Unidos conseguiram destruir a melhor organização diplomática que os mundo conseguiu construir em séculos de esforço: hoje a ONU é uma sombra do que foi. Nos próprios Estados Unidos, que sempre admirei por serem um modelo de liberdade individual, os direitos civis estão escoando pelo ralo. A África continua agonizando de fome e Aids. Este é um mundo melhor porque Bush mentiu ao seu país e invadiu outro?

O Socialism in an Age of Waiting está sendo escorraçado do meu OPML. Eu gosto de ler o que dizem os lobos e gosto de ler o que dizem os carneiros, mas tenho uma antipatia incontrolável a lobos disfarçados de carneiros.

Os bobos do Blogger.br

Ainda estou tentando compreender o que se passa na cabeça do pessoal que dirige o Blogger.br.

Entendo a necessidade da holding de fazer a Globo.com dar algum dinheiro. E o Blogger.br é um escoadouro sério de dinheiro: ocupa recursos, e não são poucos. Entendo até que tomem a decisão arriscada de cobrar pelo uso do Blogger.br, embora ache que enquanto o Blogger americano for gratuito e houver sites de hospedagem gratuita em algum lugar no mundo, essa talvez não seja a coisa mais sábia a fazer. E mesmo que não existam mais, é só fazer a conta. Com 180 reais por ano, pode-se alugar espaço de sobra em um servidor de hospedagem, comprar um domínio e ainda sobra dinheiro no fim do ano. Na verdade pode-se gastar ainda menos: o Motime é gratuito, o mBlog é gratuito, o Blog-City é gratuito. Ou seja, se alguém quer escrever um blog não precisa gastar mais que um pulso telefônico no final de semana.

Mas ele fizeram tudo errado.

Acho que o principal erro do Blogger.br não foi se fechar a assinantes da Globo: é a maneira como vêm tratando os usuários antigos. Claro que foi feita uma promessa que não foi cumprida, mas até com isso eles poderiam se safar.

Só é difícil justificar o fato de apagarem os blogs dos não assinantes sem nenhum aviso prévio.

Se fizeram o acordo com a Pyra e trouxeram o Blogger para o Brasil foi porque acreditavam que ele seria um chamariz para novas assinaturas. Estavam corretos. Talvez eles não saibam, mas o que faz de blogs um fenômeno é fato de serem criadores de comunidades e multiplarem opiniões. É aquela promessa das primeiras homepages finalmente cumprida, da comunicação instantânea.

E é essa comunidade que a Globo está irritando agora. Eu, como tantos outros, não consigo ver para que vai servir uma ferramenta que a “comunidade blogueira”, como chamam, passou a odiar e desprezar. No fim das contas, os blogs estão servindo apenas para trazer propaganda negativa para a Globo.

A impressão que dão é que se inspiraram na estratégia de fechamento do UOL. Mas não dá para fazer uma analogia entre os dois processos. Leitores de revistas não fazem necessariamente uma comunidade. Mas um blog faz. Fiquei sabendo de vários de vários blogs, que eu nunca tinha visitado, pela única razão de terem sido cancelados pela Globo. Posso estar enganado e eles podem ser gênios, o que eu acho improvável, mas o resultado provavelmente será absolutamente inverso ao que pretendiam.

A atitude da Globo, em simplesmente ir tirando do ar os blogs que hospedava sem aviso, é de uma burrice que não conhece limites.

Eu sempre admirei a competência da Rede Globo, mesmo quando era o alvo favorito da esquerda. Mas parece que essa competência em TV, rádio e jornal não se transferiu para a internet. Aqui eles são apenas bobos.

DoCauê

Cauê é publicitário, escritor, poeta, dramaturgo (tem um monólogo para estrear) e um dos melhores marketeiros políticos que conheço. (É também jornalista, mas para não envergonhar o sujeito não digam que eu contei.)

E agora tem um blog, DoCauê, direto de Brasília. Uma crônica bem humorada sobre o que acontece na Novacap.

Vale a pena.

Eu não sei nada sobre leis

Mas se não me engano, qualquer pessoa pode comentar fatos. E qualquer pessoa pode relatar sua experiência pessoal desde que não impedida por ordem judicial.

Foi baseado nessa presunção que o frouxo aqui tomou coragem para comentar o absurdo que vem acontecendo aqui na última fronteira.

Um grupo de advogados e relações públicas está correndo a Internet em busca de possíveis alvos de achaque infrações dos direitos autorais de seus clientes.

Acharam o Amarula com Sucrilhos. A empresa que fabrica o licor mandou um e-mail para ela pedindo para parar de usar sua marca no blog. A Cora Rónai já declarou que não bebe mais aquilo.

Acharam o Cris Dias. Um relações públicas mandou para ele um e-mail cheio de erros ortográficos bisonhos, exigindo que retirasse determinado post do ar. Bastou o Cris Dias falar grosso que já foram amaciando.

Nos Estados Unidos isso tem um nome bonito, racketeering. Aqui é só ameaça, e deve ser tratada como tal.

Acharam o Edney do Interney. Ali o nível de ameaça desceu ao mesmo das utilizadas por traficantes e outros bandidos sem curso universitário. O pessoal da Dow Right utilizou a “Técnica Don Corleone de Persuasão Aplicada”:

“Meu irmão eu só quero que vc tire algumas informações de seu site que estão nos prejudicando, se vc não quiser discutir esse assunto perante um Juiz, FUI CLARO.”

Na verdade o que a está prejudicando são as suas práticas, de acordo com a revista Você S. A e com a TV Bandeirantes. Mas isso não é problema deste blog, é problema deles com a mídia e com a justiça. Isso aqui é só um comentário sobre fatos de domínio público — ressalto isso para mais tarde não ter que discutir com um advogado da Dow Right ou de qualquer outra empresa. Mas fico pensando se a Dow Right não perdeu alguns futuros clientes com isso.

Exemplo da extrema inteligência com que se portaram foi o fato de, do dia para a noite, o Interney se tornar ponto de encontro de pessoas que se consideram lesadas pela Dow Right. Fizeram questão de dar seus depoimentos, dizendo como teriam sido iludidos e enganados pela Dow Right e — em menor número — outras empresas de RH. O adjetivo mais bonito que deram à Dow Right foi o de estelionatários; e ofereceram sua solidariedade e ajuda jurídica. Foi exemplo cabal de marketing negativo.

Eu não sei nada sobre leis; não porque goste da ignorância, ainda mais quando não posso alegar seu desconhecimento, mas porque carrego traumas da faculdade que me fizeram desprezar e generalizar (às vezes injustamente) advogados como seres de parca inteligência e menor senso de ética. Infelizmente ainda lembro de algumas, e recomendaria que os advogados dessem uma olhada nelas antes de saírem ameaçando as pessoas por aí: título II, capítulo I, art. 5º, incisos IV e IX e título VIII, capítulo V, art. 220, parágrafo 1o da Constituição Federal; lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967; e lei n nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.

No seu lugar, eu faria isso antes de dar incertas na internet como justiceiro sem razão.

Destruindo Hellblazer

Já falei aqui do quanto gosto de Hellblazer.

Agora, no blog do Neil Gaiman, fico sabendo que o filme baseado no meu personagem-espelho vai ser estrelado por Keanu Reeves.

É revoltante.

Eu tenho um ator preferido para fazer o papel de John Constantine. Seria o Christopher Walken, talvez um pouco mais novo.

Mas a indústria cinematográfica tem uma mania esquisita de escolher as pessoas erradas para o papel de personagens aos quais as pessoas já estão acostumadas. Às vezes acertam — Humphrey Bogart não tinha nada a ver com o Sam Spade de Hammett, mas alguém consegue imaginar outro no seu lugar? –, mas geralmente o resultado é deprimente.

É por isso que só fui assistir a “Batman” mais de 10 anos depois dele ser lançado; na época, eu achava que deveriam filmar “O Cavaleiro das Trevas” com Clint Eastwood no papel principal, e não fazer aquele pastiche com Michael Keaton recontando toda a história de maneira porca. Mais tarde eu até entenderia a escolha de Keaton por Tim Burton, por ser um ator que transmite loucura facilmente; mas ainda acho que o princípio de tudo está errado.

Para não dizer que não gosto de nenhum filme de super-heróis, tem o “Homem-Aranha”. Embora eu tenha sentido falta de Betty e de Gwen Stacy (que bem poderia aparecer no segundo), eu não tenho muitas queixas do modo como apresentaram a história; a idéia de transformar a aranha radioativa em geneticamente modificada é excelente. Reclamações, só da idéia de teia orgânica, da palhaçada que fizeram com o Duende Verde e da escolha de Kirsten Dunst para o papel de Mary Jane. E, finalmente, das relações de amizade de Peter Parker, que nos quadrinhos originais eram muito mais complexas e desfavoráveis para ele.

E agora, vão fazer nova palhaçada com John Constatine. É provável que o filme acabe se tornando uma espécie de Harry Potter para crianças um pouco mais velhas. Pena.