Em 1989 eu estava em Salvador e morava em Nazaré.
Tinha que chegar na agência onde era redator júnior às 9. Quando acordava cedo, atravessava devagar a Saúde, descia a Ladeira do Alvo, subia o Pelourinho e ia ao Paço Municipal esperar o ônibus que me deixaria na Ladeira da Barra. Enquanto ele não chegava eu aproveitava para me debruçar na amurada e contemplar a vista da baía, a Ladeira da Montanha, o Mercado Modelo e o Forte de São Marcelo. Era por esses poucos minutos que eu subia e descia aquelas ladeiras de pé de moleque.
Num desses dias um grupo de ciganos saiu do Elevador Lacerda e uma cigana velha, gorda, veio falar comigo. Disse que leria a minha mão, que não custaria nada. Declinei mas ela insistiu. Certo, então.
Estendi a mão e ela me disse as coisas de praxe, que eu ia ser feliz e rico e feliz e rico. E então ela me disse para colocar o meu dinheiro na mão, fechar com força que ela ia benzê-lo e ele se multiplicaria espetacularmente, ad seculum per seculorum.
Eu não usava carteira e carregava meu dinheiro em dois bolsos separados, amassado como dinheiro de bêbado. Em um deles guardava o dinheiro miúdo, em outro as notas de 50 cruzados novos.
Peguei o dinheiro trocado e coloquei na mão.
“Só tem isso?”
“Só.”
“Tá desconfiando de Mãe Qualquer-coisa do Espírito Santo?”
“Nao, só tenho esse, mesmo. É o dinheiro do ônibus.”
Ela insistiu, eu continuei dizendo que só tinha aquilo. Mas minha expressão devia me desmentir, porque ela largou minha mão com um gesto de impaciência e saiu bufando, sem esquecer de me mandar para lugares que eu não gostaria de conhecer.
A cigana, no entanto, me enganou. Ainda não fiquei rico. Talvez devesse ter dado o dinheiro a ela.