Lennon e McCartney

Se alguém quer saber por que John Lennon virou ícone do rock and roll e Paul McCartney entrou para a história como o grande baladeiro comercial é só prestar atenção às últimas declarações de Macca.

É uma imagem que não tem muito a ver com a realidade. A noção de Lennon como o roqueiro irredutível, agarrado a suas raízes, não sobrevive a uma olhada mais atenta a sua obra. Não é à toa que sua música mais conhecida é justamente uma balada, Imagine. Alguns discos, inclusive, têm faixas românticas até demais, como o chato Mind Games. Finalmente, quando voltou à cena musical em 1980, depois de um hiato de 5 anos, Lennon já dava indícios de ser um músico dos anos 60, que ainda não tinha se situado direito em um mundo transformado pelo punk.

Mesmo nos Beatles, a percentagem de rocks e baladas de cada um é parecida. E Lennon, um letrista indiscutivelmente superior, tem sua cota de bobagens, assim como McCartney tem sua cota de grandes letras. Enquanto isso, cada disco de McCartney tem a mesma divisão básica entre baladas e números mais rápidos que os discos de Lennon. Na fixação do arquétipo de cada um, as pessoas esqueceram que Helter Skelter — o rock mais pesado que os Beatles gravaram — foi composta por McCartney, e que Julia é uma balada de Lennon. É mais fácil caracterizar cada um de acordo com um estereótipo estanque. E nesse reducionismo McCartney, musicalmente mais ousado que Lennon, sai perdendo. Esquecem até que durante a melhor e mais experimental fase dos Beatles, a liderança da banda era claramente exercida por McCartney.

Mas Lennon tinha uma coisa que McCartney nunca teve: atitude. Lennon dizia que era roqueiro e todo mundo acreditava. McCartney se limitava a fazer grandes canções que, por serem brilhantemente simples, eram imediatamente subestimadas, e virou o Engelbert Humperdick que Lennon gostaria que ele fosse.

Essa diferença entre as atitudes de Lennon e McCartney ficou mais do que clara de 2001 para cá. Em reação à destruição do WTC, McCartney compôs uma música chamada Freedom, cujo refrão diz que “we will fight for the right to live in freedom“. É um dos momentos mais baixos de sua carreira. Enquanto Lennon provavelmente seria o primeiro a fazer oposição à invasão do Iraque, só agora, depois das fotos de Abu Ghraib, é que McCartney considera a possibilidade de aquilo ter sido uma péssima idéia. E mesmo assim hesitante, com medo de tomar uma atitude dura demais.

McCartney deu a sorte e o azar de ter sobrevivido em algumas décadas a Lennon; provavelmente não vai morrer assassinado por um fã enlouquecido, e sua aura não vai ser imediatamente mitificada. Mas ainda que sofresse todo aquele processo que faz de meros cantores ícones culturais absolutos, sem aquela verve que caracterizava seu parceiro ele continuaria eternizado como o sujeito que estava à sombra de Lennon.

One thought on “Lennon e McCartney

  1. leu “many years from now”? apesar de ser a bio autorizada tem um tom bastante realista… o macca conta como, em que circunstâncias, foram compostas a maioria das músicas. e mostra uma puta sinergia entre os dois, coisa de brother mesmo. tinha aquela competiçãozinha mais ególatra por parte do john. mas já se falou e se escreveu tanto sobre isso, né? o importante é que os caras fizeram a diferença.

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