Agora que o impacto da morte de Reagan já passou (e Ford morreu e ninguém notou), ficou uma impressão esquisita.
A mais abrangente definição do sujeito é a de “o homem que devolveu o otimismo à América”. Mas isso só é verdade em parte, graças àquela edulcoração que mortos cujos tempos foram melhores que os atuais — e o passado coletivo é sempre melhor que o presente — sofrem à medida que o tempo passa.
Lembro, sim, de uma onda de ufanismo nos primeiros anos de Reagan na presidência. Mas isso se deve menos à sua figura do que a uma reação natural à turbulência dos anos 60 e 70, os anos em que Johnson e Nixon quebraram a magia que sempre rodeou o sonho máximo da democracia americana.
A gente fala que os argentinos são naturalmente saudosistas e dramáticos, mas americanos, em que pese seu dinamismo e seu individualismo, parecem ser, também. A impressão que se tem é que, a menos que tenham feito grandes besteiras, seus presidentes serão julgados muito favoravelmente pela história. Roosevelt foi acusado de comunista e destruidor do american way of life em seu tempo, mas hoje é considerado o homem que salvou o país da Depressão. Eisenhower é o símbolo máximo daquela América rockwelliana dos anos 50, o país da fartura e da liberdade em oposição aos russos tristes (como se um russo pudesse ser triste) e oprimidos. Kennedy e sua Camelot são o símbolo da sofisticação americana.
Todas essas são imagens, embora não falsas, bastante melhoradas da realidade. O país de Roosevelt foi também um país de crise, fome e pobreza; o de Eisenhower, um país onde as tensões raciais chegaram ao seu limite; Kennedy viu um número absurdo de crises diplomáticas, a menor das quais não foi a dos mísseis soviéticos em Cuba.
Agora é a vez de Reagan. Oliver North, John Poindexter são nomes convenientemente esquecidos em suas eulogias. Osama bin Laden é cria sua, mas e daí? A URSS caiu por não se agüentar sobre suas pernas, mas agora Reagan é apontado como o homem que venceu o comunismo.
Resta esperar o que vão dizer de Clinton após sua morte. Talvez lembrem o longo período de expansão econômica, tão longo que se chegou a pensar que as leis da economia haviam mudado. Talvez louvem sua virilidade satiromaníaca. Talvez apontem, no episódio Monica Lewinski, uma ruptura importante na cultura de hipocrisia política americana. Talvez apontem o fato de ele ser um dos mais perfeitos animais políticos de que já se teve notícia.
Como todo bobo que tira conclusões rápido demais, eu não preciso da história para definir minha opinião sobre Clinton. Para mim, ele vai ser o homem que, mesmo vindo da Alagoas de lá, mostrou ao mundo que há mais refinamento em um charuto do que sonha a nossa vã pornografia. E isso é mais importante que qualquer outra coisa.