Uma amiga discutiu comigo a respeito da auto-estima do brasileiro. Ela é psicóloga e trabalha com crianças de áreas de risco, que é como quem ganha a vida dessa forma chama aqueles buracos onde o ser humano é triturado (a nomenclatura é legal. Orfanato é abrigo, menor é “criança e adolescente”, ação social voltou a ser assistência social, e órfão é “sem vínculos familiares”. Semântica é tudo, nesses tempos). Ela tem uma visão específica do problema, definida por sua própria experiência de classe média, e pelas características que condicionam seu contato com esse pessoal.
Para ela, esse pessoal das “comunidades”, sem acesso à cidadania, perde toda a sua auto-estima.
Eu discordei. Para mim, o brasileiro tem uma auto-estima grande, talvez grande demais, até. Esse mesmo povo “carente” é capaz de se divertir horas a fio, se acha melhor do que os outros. O Alexandre escreveu um belo post sobre isso.
De qualquer forma a questão ficou na minha cabeça. Cheguei a pensar que estivéssemos falando de aspectos diferentes de auto-estima.
Dia desses, sabatinando a secretária de assistência social de Aracaju, aproveitei para fazer minha consulta grátis. A princípio ela concordou com minha amiga, disse que o sujeito que mora numa palafita não tem mais nada. Mas o resto da equipe discordou: disseram que era impressionante o jeito como eles, ao menor sinal de chance de andar com as próprias pernas, mudavam completamente, adquiriam nova luz.
Eles têm auto-estima, sim. Pode até parecer que não, mas ela está lá, aflorando nas horas em que podem esquecer a vida que levam. Num samba de roda, num boteco em volta de algumas garrafas de cerveja. Este é um povo que tem muita alegria, e não tem vida difícil que destrua isso nele.
Longe dos processos oficiais de adoção, é nas classes mais baixas que o povo tem coração bom o suficiente para acolher o filho da vizinha que morreu, para acolher aquele menino abandonado na porta. Fazem isso sem se vangloriar, sem esperar uma recompensa que sabem que não virá; simplesmente fazem.
Podem alegar que isso é humanidade e solidariedade, não auto-estima. Talvez. Mas eu, pelo menos, não sei se se pode distinguir uns do outro. É preciso uma confiança muito grande em si mesmo, ter uma certeza de que se vai conseguir viver apesar de tudo, para que alguém se disponha a dividir o pouco que tem.
É nos cortiços da Saúde, em Salvador, que 3 gerações de uma mesma família se amontoam num único quarto construído 2 séculos atrás e desde então nunca reformado. É nas favelas de qualquer cidade do país que as pessoas não se importam em colocar um pouco de água no feijão e dividir o pouco que têm porque acham que têm um pouco mais de sorte que um semelhante.
Se isso não é auto-estima, eu não sei o que é.
Minha visão sobre o brasileiro ter ou não auto-estima é a seguinte: nós somos, para usar leigamente um termo psiquiátrico, uma multidão de BIPOLARES. Passamos de “reis do pedaço” a “ameba do piolho do cachorro sarnento” com uma facilidade impressionante.
Segundo a visão desse ignorante em psicologia, a auto-estima independe da classe sócio-econômica. É uma característica individual. Solidariedade, não: ela costuma ser inversamente proporcional ao nível sócio-econômico. E somente quem já sentiu fome, ausência de perspectivas, frio, solidão e humilhação sabe como outra pessoa que passa por isso está se sentindo. E, condoendo-se, pondo-se no lugar dessa pessoa que sofre, faz algo por ela. Porque ele já esteve na mesma situação e poderá estar novamente, no futuro. “Dar para receber”
Hum…
A Mônica tem razão, somos muito dicotômicos… quase dialéticos por natureza. Mas acho que o que resta nestas situações que você descreveu é mesmo a solidariedade. Saber como acontece, saber o que se sente em momentos de desespero. Não somente “dar para receber”. Mas Acima de tudo, doar.