Cena baiana II

Salvador, 1989.

Em Aracaju eu tinha encontrado um amigo de escola, ele disse que também estava morando em Salvador. Ficamos de nos encontrar qualquer dia daqueles.

Dia daqueles saio da agência e vou até um bar na Pituba, onde nos encontramos, ele com um amigo meio bobo mas gente boa. A noite avança entre cerveja e tira-gosto. Xangai aparece por ali e dá uma canja, marido se alevanta pra nóis fazer um calamengau. Uma mulher de seus trinta e poucos anos dá mole e eu me levanto para ver no que vai dar. A coisa promete, ela faz pose de quem faz pose de mulher recatada, e então Paulo me chama e avisa: “A gente tá saindo e não vai pagar”.

Eu devia ter lembrado de quem era Paulo antes de aceitar o convite. Ele era expulso da sala com uma freqüência ainda maior que a minha. Foi ele quem subiu em seu buggy na porta do Arqui, depois de conseguir uma transferência para o Unificado, e xingou Marlene Chagas de todos os palavrões imagináveis — e para a nossa felicidade também dos inimagináveis. Era ele que tinha uma cara de marginal, cabelos louros escorridos encimando uma cara comprida e um olho meio torto.

Agora só me resta ir atrás do sujeito, eu que nunca gostei de sair sem pagar de lugar nenhum.

Daqui a pouco chega o garçom, correndo esbaforido, dizendo que a gente vai ter que pagar. E Paulo manda o sujeito à merda, e o garçom sai correndo dizendo que vai chamar a polícia.

A gente também sai correndo pela Pituba na direção contrária, e em poucos metros eu, que nunca corri senão de cachorro grande e de mulher feia, já estou botando os bofes pela boca, puta merda, puta merda. Viramos uma esquina onde dois homens tocam violão; adivinhando que não vou mais agüentar muito tempo, pulo o muro e me escondo, encostadinho entre o muro e as plantas. Ouço o garçom passar correndo, mas espero. A cara enterrada no canteiro, terra preta de vez em quando tem um gosto muito bom.

Alguns minutos depois uma mão me levanta pela gola. É um dos homens que estavam na esquina. O sujeito diz que é policial, me revista, pergunta o que aconteceu.

“Moço, eu tô morando aqui há um mês. Não conheço ninguém na cidade. Moro em Sergipe, sabe? Vim estudar pro vestibular.” Mostro a minha carteira de identidade, que é de Aracaju, para comprovar que tudo o que eu digo é a mais pura verdade. “Aí hoje eu tava no Porto da Barra, conheci aqueles dois sujeitos, a gente começou a conversar, e me chamaram pra cá, e a gente começou a beber, eu levantei pra ir no banheiro e quando voltei eles tavam saindo dizendo que não iam pagar. Eu não tinha dinheiro pra pagar a conta toda, aí tive que vir com eles.”

“Qual o nome deles?”

“Um é Márcio, o outro é Roberto. O senhor já viu eles por aqui?”

“Eles te ofereceram drogas?”

“Não, não, só cerveja, mesmo.” Mas me arrependo, devia ter inventado que o filho da puta do Paulo é traficante para ver se a polícia lhe dá umas porradas, que ele merece.

Me mandam esperar para ver o que farão comigo. Enquanto o tal policial conversa com o outro, que deduzo ser um vigia noturno, resolvo que minha cara de menino não é o bastante. Peço o violão, toco um pouco, faço a maior cara de puta arrependida que consigo fazer, e então o sujeito diz para eu ir embora, mas que a partir de agora devo ter cuidado que aqueles baianos não valem nada, que é um povo muito descarado, tá cheio de marginal pela rua, você deu muita sorte, e percebo que ele não tinha lido minha carteira de identidade direito e não viu que eu também era um daqueles baianos. Só não era descarado.

E enquanto eu saio atrás de um táxi, pensando em ligar para esculachar aquele filho da puta do Paulo, o sujeito passa e pergunta para onde eu estou indo, e eu digo e ele me dá uma carona, enquanto continua a falar desses baianos que não valem nada, quando é justamente um policial baiano que me dá a carona.

Mas isso não é nada. Nunca mais vi a balzaca. Não deu tempo de pegar o telefone dela. Ela era uma lourona bonita, bem interessante. Tinha uns peitões sugestivos, ah, muito sugestivos, e o seu jeito de olhar me fazia algumas das mais belas promessas que eu já tinha visto naqueles meus dezoito anos.

10 thoughts on “Cena baiana II

  1. ah, não termine o texto com uma lamentação pela trepada não dada. é uma boa história pra contar aos netos, uma dessas aventuras que te faz rir depois… ou pelo menos faz OS OUTROS rirem 🙂

  2. Oras,
    Que história! Eu digo oras! porque diabos eu nunca tenho alguma história emocionante para contar. Completando dezoito anos e não me acontece nada de fantástico
    Talvez meu genêro seja mesmo ficcção…

  3. Como é mesmo q se chama na Bahia essa modalidade de sair de um bar sem pagar? “dar um birro”? ou something like that?

  4. Essa historia estah otima!! Rafael, licao numero 1: fazer mais exercicios pra conseguir correr mais da policia quando precisar, hihihihihihi!!
    🙂

  5. Eu adorei isso: “aqueles baianos não valem nada, que é um povo muito descarado”.
    Rapaz, eu amo a Bahia. Adoro as suas histórias.

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