Como tem gente estúpida neste mundo.
Por coincidência, postei algo sobre defensores dos direitos dos animais capazes de coisas feias e um post antigo recebeu um comentário de uma dessas quase-pessoas.
Enquanto o post de hoje teve reações contrárias equilibradas e esclarecedoras como a do Piotr (não gostei e vou pegá-lo na saída, mas, droga, ele tem toda a razão), uma tal Maria Luiza, cujo e-mail é steilmauro@hotmail.com.br, desceu a lenha no post antigo (o comentário foi bloqueado, o que é uma prerrogativa minha):
Sei lá se tu vais ler ou não,pois pelo tempo de postagem de seu comentário espero que já tenha morrido….. mordido por algum Pit bull ou algo parecido ou até quem saiba chutado até a morte por alguns Pit Boy oxalá que tenham te chutado bastante pois eles não estariam sentindo nenhuma dor!!!!!!!!! Imbecil,babaca retardado!!!!!!
Se a figura fosse mais esperta veria que eu ainda não morri. Quer dizer, acho que não morri.
O post de hoje estava factualmente errado e implicava uma ação institucional que não houve. Mas pelo visto seu espírito era adequado, porque esse tipo de gente doente continua se espalhando por aí.
De qualquer forma, hoje é domingo e vou comemorar o comentário da moça comendo uma bela picanha. E sensibilizado pela dor do pobre boi portenho vou me persignar a cada vez que enfiar o garfo na carne mal passada, e chorar enquanto vejo o sangue escorrer, e pedir perdão ao deus dos bichos, que deve ser outro que não o meu, pelo triste e irreparável crime de ser humano, demasiado humano.
Eu li esse post sobre chutar gatos. Achei absurdo, mas nada disse, uma vez que a nossa opinião a respeito de chutar bichos é só nossa e a só nós interessa. Não deixei um comentário tolo-tinhoso e nem deixei de lê-lo. Adoro animais, mas não me sinto culpada ao roer um pedaço de bife. Hipocrisia? Talvez. Mas tento me consolar pensando que o sofrimento de um coelhinho sendo devorado por um leão na selva não é menor do que o de boi sendo abatido para depois ir parar no meu prato. Tenho apenas a sorte de poder comê-lo sem precisar ser sua algoz.
Além disso, se é pra defender os bichos, vamos incluir mosquitos e baratas, esses bichos feios que morrem todos os dias debaixo de chinelos e sob a mira do Rodasol.
Entretanto, preciso confessar o fato de que o sofrimento de um bicho me dói bem mais do que o sofrimento de uma pessoa. Talvez culpa da minha misantropia crônica, do fato de eu achar que a humanidade tenha falhado miseravelmente enquanto projeto. Mas o que importa é que se alguém acha justo chutar um gato porque “a dor não é sua”, também não ligo a mínima para que a Sra. Perez tenha sentido ao abrir sua inbox e se deparar com a foto da filha morta. Afinal, a dor é dela, eu não a sinto, e não tenho motivos para me importar.
Comentava no post anterior a questão de razoabilidade. Muitas vezes falta isso justamente a pessoas que supostamente estão engajadas em causas nobres. Falava também de questão de sensibilidade real, e aí vem a questão do que vem a ser o real. Acho bobagem entrar no mérito das distinções aqui. Nesses assuntos ocorrem muitas falácias de relevância, mistura-se alho com bugalhos. Há muito simplicismo na abordagem, normalmente crueldade é tomado como mero abate de animais, e isso é cometido por quem não acha relevante a questão de direito dos animais bem de quem se supõe legitimado a defendê-los.
A Austrália, em virtude de excessiva população de determinadas espécies de cangurus – não sei a causa disso, possivelmente houve causalidade humana nesse fato – precisou instituir uma política de abate, pois o excesso estava prejudicando o ambiente e o ciclo ecológico. Associações de defesa dos animais pactuaram com a medida, verificaram essa necessidade. O curioso no fato é que o público australiano é reticente quanto a isso, pois o canguru é símbolo daquela nação e o público identifica algumas qualidades humanas no bichinho.
Em muitos debates, a questão da consciência do ser humano é tomada como uma faixa única de percepção pelo público desavisado. As pesquisas científicas apontam, contrariamente, na diversidade de faixas que a compõem. Há uma hierarquia de percepção e sensibilidade, e cada faixa tem suas motivações próprias e considerações. Não é sem razão que haja diversas opiniões, muitas incompatíveis entre si.
Sim, honey, o que tem de gente estúpida no mundo não é brincadeira.
Este comentário é mais sobre o post antigo do que sobre o novo. O que me preocupa na visão antropocêntrica do Rafael é a sua proximidade com os pontos de vista que permitem e justificam o racismo em geral. São os coelhos, não os homens, que sofrem nos testes para shampoo; logo, testes para shampoo são aceitáveis. Substitua “coelhos” por “judeus” e “homens” por “arianos” e vejam a merda que dá.
Em tempo: não quero igualar o Rafael, ou qualquer um que defenda os testes de produtos em animais, a nazistas. Ter empatia por coelhos é bem mais complicado do que ter empatia por seres humanos. Mas é uma mudança de escala e não de tema.
Bom. Sobre este post aqui: pô, é claro que tem gente estúpida que defende os direitos dos animais. O Rafael mesmo disse, existe muita gente estúpida nesse mundo. Tanta gente estúpida que dá e sobra pra tudo quanto é ponto de vista. Há capitalistas estúpidos, comunistas estúpidos, religiosos estúpidos, ateus estúpidos, flamenguistas estúpidos, vascaínos estúpidos. Então, só falar que tem gente estúpida que defende os direitos dos animais não é argumento. E nem é mérito derrubar os argumentos das pessoas estúpidas que defendem os direitos dos animais. Mérito é tentar partir pras cabeças com a galera inteligente – Peter Singer ou, no campo da ficção, Coetzee. Aí o debate vale a pena.
Sou um leitor deplorável: não havia lido o Ode a SUIPA, indicado pelo próprio Rafael aqui. Para este meu longo comentário, deixo claro, primeiramente, que não pertenço a nenhuma associação de defesa do direito de animais ou tenha participado de alguma de suas manifestações. Não é mérito nenhum meu, está mais para meu demérito, sendo sincero. Ressalvo-o pra que algum leitor não venha a ter um julgamento preconcebido.
Comento aqui sem a pretensão de defenestrar a pessoa do Rafael. Acho bastante louvável a atitude dele em se permitir às críticas, algumas contundentes. Gostaria de me lançar em elogios a ele a respeito do direito dos animais, mas não posso.
Assustei-me quando li o Ode, embora já não fosse uma completa novidade pela exposição do primeiro post De animais e bichos. Acho bastante pertinente as ressalvas apontadas por Lucas Murtinho no comentário acima. Muito feliz ao comentar a questão da estupidez; faço as suas palavras o meu pensamento.
Ao postar De animais e bichos e pretender, dessa forma, solidarizar-se com a Glória Perez contra ofensa de uma suposta ONG protetora de animais, o caro Rafael imprime, de forma generalizada, rótulos que são bastante chamativos. Para ele as ONG desse gênero:
a) são constituídos por “todos eles certamente de classe média ou alta, porque essa preocupação é muito bonita em quem não tem mais o que fazer”.
— Certamente há pessoas de classe média ou alta que não tem mais o que fazer, e certamente seus atos não estão ligados à defesa de animais, estão mais para alguns de seus membros em porem fogo em animais e gente, gente como o índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos, morto em 1997.
b) são constituídos por membros menos que idiotas, pois “Seriam idiotas se tivesse alguns neurônios a mais. Cada dia mais me convenço de que esses xiitas defensores dos animais são um bando de burros que deveriam fazer algo melhor de suas vidas. Isso deve ser falta de mulher.”
Cinco qualificações são enumeradas às ONG nesses trechos: (1) os membros são menos que idiotas; (2) os membros têm por premissa o radicalismo; (3) a defesa de animais é uma ocupação de ociosos, um simples capricho; (4) como função de ociosos, os membros derivam, por conseguinte, para ele, da classe média ou alta; (5) pertencer à ONG é, provavelmente, consolo por “falta de mulher”. Este último enseja várias ilações, uma delas o machismo.
O assunto da preocupação com o direito dos animais, inserto na preocupação geral com a fauna e a flora, não é tão simples, como externou o caro Rafael. Não se trata de preocupação de ociosos, ele decorre de transformações bem mais abrangentes que têm vivido a humanidade, com o advento do que se chama o Modernismo e Pós-Modernismo, onde direitos e garantias se estabeleceram nos últimos séculos, como o fim da escravidão clássica, a emancipação das mulheres, a necessidade de cuidado com o ambiente etc.
A nossa Constituição Federal, sensível a todas essas transformações, estatuiu expressamente um capítulo ao meio ambiente, onde proclama:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
……
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.” (meus grifos)
De forma alguma quero desmerecer a pessoa do Rafael. Se me alongo aqui e sou-lhe até contundente, é porque, muito mais do que ser um comentarista bastante prestigiado, eu lhe tributo um respeito sincero e confio na sua proposição democrática.