Outra leitura

Foi o Smart Shade of Blue quem notou o fenômeno primeiro.

À medida que a Primeira Leitura vai se tornando uma revista cada vez mais direitista, vai se tornando também a principal referência na blogosfera de direita. É típico: menções a ela eram raras quando era uma revista equilibrada, densa e inteligente. Mas à medida que seu nível vai caindo, suas opiniões e posições vão ficando cada vez mais semelhantes às daqueles que até há pouco tempo cultuavam as previsões astrológicas de Olavo de Carvalho.

Sempre gostei da revista. Principalmente nos seus tempos de “República”, quando tentava ser a Economist brasileira, ela representava uma linha de pensamento clara, definida e honesta. Sua atitude diante do governo FHC, por exemplo, era o melhor exemplo disso: era abertamente crítica — como não poderia deixar de ser numa revista capitaneada pelos irmãos Mendonça de Barros, derrotados no processo de disputa política interna do governo — mas não simplesmente deletéria.

Com a saída dos Mendonça de Barros, Reinaldo Azevedo e Rui Nogueira, livres das amarras de escrúpulos, diminuíram a revista que construíram. Não só na linha editorial e política, que no período pré-eleitoral do ano passado partiu para a propaganda política de forma panfletária e torcendo fatos; a própria revista, como produto editorial, decaiu assustadoramente. Incluiu até uma seção chamada “Carpe Diem”, provavelmente para tentar conquistar uma parcela do público “rico e famoso”, como se não existissem outras revistas fazendo isso com mais competência.

De revista marcadamente ideológica, porém inteligente, a Primeira Leitura passou a ser pouco mais que um panfleto. Desceu de um patamar alto para chafurdar na lama tradicionalmente ocupada por jornais de interior, ligados a grupos políticos e mera correia de transmissão de seus interesses, menos que de seus pensamentos. Como comparação, basta pegar um exemplar da antiga República (julho de 2001) em que se dizia que “FHC terá aumentado em cerca de 3,7 milhões o total de desocupados do país desde que assumiu o comando da economia, em 1993” e comparar aos últimos números da Primeira Leitura, que ataca Lula por dizer que “o que conta não são os 2,8 milhões de desempregados, mas os ‘534 mil novos empregos’ criados de janeiro a abril, ‘o maior saldo positivo desde 1992’” (junho de 2004).

Apesar de tudo isso, da torção louca dos fatos em função de seus interesses eleitorais, a linha editorial da revista ainda tem lá seus méritos. Mantém alguns bons articulistas, como os correspondentes Eduardo Simantob e Fernando Eichenberg. A última edição traz uma boa entrevista com o Francis Fukuyama. Também mantém alguns inofensivos. O Caio Blinder, no Manhattan Connection ou na Primeira Leitura, é incapaz de um raciocínio original, e suas matérias costumam se resumir a um apanhado laudatório do que pensa a mídia mais conservadora dos Estados Unidos.

A maioria, no entanto, está tão à direita no espectro político que consegue deturpar de forma tão canhestra a informação a ponto de ser irritante ler seus textos. O Hugo Estenssoro, por exemplo, é o mais acabado retrato da direita neo-conservadora, embora seus constantes rompantes contra o finado comunismo demonstrem que de neo, mesmo, ali há muito pouco. Na edição atualmente nas bancas, ele escreve uma matéria sobre blogs, com erros de julgamento e conclusões extremamente tendenciosas. Em outra, é capaz de escrever mentiras delirantes sobre “a identificação incondicional da esquerda mundial com o fanatismo reacionário e terrorista de Osama bin Laden e o Taleban”.

Ou seja: a revista é cada vez mais a cara do Reinaldo Azevedo e do Rui Nogueira, o que quer dizer uma revista não mais atrelada a uma linha de pensamento, mas especificamente a um segmento de um partido político e plenamente engajada em uma disputa eleitoral. Isso prejudica o próprio conteúdo jornalístico da revista, que ao falar da Reforma Universitária diz que “o MEC fere a autonomia universitária impondo, por exemplo, eleição direta para reitores”. Obviamente a revista acredita que democrático e autônomo é o método em vigor, em que a Universidade vota uma lista tríplice e o MEC escolhe um deles — podendo escolher, claro, o menos votado. Além disso, como precisa caracterizar o governo Lula como autoritário, chama de imposição o que é uma reivindicação da comunidade universitária desde sempre. O conceito de democracia da revista é meio esquisito.

Sem dúvida, a Primeira Leitura ainda é um ídolo um tanto mais civilizado para essa direita que vive repetindo chavões neo-liberais do que o alucinado do Olavo de Carvalho — que, sintomaticamente, passou a escrever para a revista nesses novos tempos. Melhor para essa direita, sempre ignorante, que agora talvez consiga dar um verniz de inteligência e verdade factual às suas diatribes; mas pior, muito pior para a Primeira Leitura, despontando para um gueto do qual dificilmente sairá.

Parabéns à direita acéfala por substituir Olavo de Carvalho e suas alucinações pela Primeira Leitura e suas torções de fatos. E meus pêsames à Primeira Leitura.

10 thoughts on “Outra leitura

  1. Na campanha de 2002, o Reinaldo Azevedo inventou uma seção cujo nome não me lembro, mas envolvia a expressão “cor-de-rosa”. O objetivo era criticar aquilo que eles entendiam como uma visão de mundo idealizada e “água-com-açúcar” supostamente divulgada pelo PT. Cheguei em casa já meio tonto, vi a novidade e mandei um email para o Azevedo dizendo: “Vocês são ridículos”. Para a minha surpresa, o homem me respondeu e seguimos nos destratando por email durante alguns dias. Foi divertido.

  2. Eu já pensei em fazer um blog chamado (em homenagem ao Mark Twain) “Jornalismo no Tennessee,” só para apontar esse tipo de comportamento nos jornalões, quando teve uma série de matérias jornalísticas no Globo que chamavam os anti-desarmamento no Congresso de “Bancada da Bala” pra baixo (e olha que eu sou totalmente a favor do desarmamento). Desisti porque ia ficar muito parecido com trabalho sério, e porque a quantidade de material, mesmo sem recorrer às Primeiras Leituras da vida, ia ser grande demais.

  3. Eu gosto da Primeira Leitura e da Veja. Não como jornalismo, mas sim como forro da gaiola dos meus canários. Muitíssimo melhor que a Folha ou o Estadão.

  4. hehehe Rafa, você está certo em muitas coisas. Mas o seu texto me lembrou do fato que falar mal do que o Lula tem feito é pecado mortal para a “esquerda acéfala”. Aliás, o modo como você se referiu ao Olavo de Carvalho e “ala direitista radical” é espelho do modo como o Olavo de Carvalho se refere à “ala esquerdista acéfala”. Radicalismos e acefalias existem nos dois extremos, na verdade. Admiro todos os PENSADORES, de esquerda, de direita e de cima do muro, mas ignoro os que NÃO-PENSADORES de esquerda, de direita e de centro. Quem está mais certa ou mais errada, a direita ou a esquerda? Não sei. Acho que desse degladiamento surgem as soluções que em seu conjunto se tornam mistas, isto é, nem tanto para um lado, nem tanto para o outro. Infelizmente, elas podem tanto levar o país para algum lugar através do “caminho do meio”, o equilíbrio – ou levar a lugar nenhum, como num cabo de guerra eterno.

  5. sempre dou uma passadela de olhos na revista aos finais de semana, também fiquei chocado com o conteúdo extremanete plafentário da Primeira Leitura hoje. Coincidente-mente entrei aqui e encontrei tua bela análise a publicação.
    O preocupante é que apesar da pouca difusão, ela consegue reproduzir seus discuros através dos pequenos jornais do inteiror que copilam os textos e reproduzem em suas páginas, como acontece em Limeira.

  6. eh tão facil ser de esquerda! a pessoa que eh burra vira inteligente!!! cliches e chavões a vontade!!!! rafael galvao discuta com olavo de carvalho por um momento com sua chupeta e chocalho na mão e vai sair chorando pois vc nao tem nenhum argumento, apenas (direita acéfala)!!
    viva hugo chávez!!! Viva fidel!! Stalin!!! LulA!!! cotas raciais!!! impostos absurdos!! Sadam volte ao iraque queremos ditadura, queremos salas de estupro!!!! viva o socialismo nunca deu certo, nunca vai dar e eh contra a democracia!! alias, viva a destruição democratica da venezuela!!! viva carta capital!!!! viva marx!!! esquerda eh facil facil de ser!!!!!!
    eh rafael vc eh fraco assim como todos os esquerdistas. O problema eh que vceis dominam. parabens!!

  7. Temos sempre que a capacidade de filtrar as informações que vêm a nós. Sob esse prisma, é bem melhor ler uma reportagem que tende para um lado que uma matéria que dá igual medida de espaço para pluralidade de idéias. Parece estranho, mas na prática, não existe texto equilibrado ou isento.

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