Mulheres imperfeitas

Longe de mim sair por aí dizendo que o importante é a beleza de dentro. Eu sou redator, não sou decorador de interiores.

Por isso uma mulher bonita, para mim, é o ápice da criação divina. Quando o diabo tentava Jó, quando o diabo dizia que Deus fez isso e aquilo de ruim, Jó poderia ter respondido: “É, mas fez a Isabel Fillardis também”. E então o diabo sumiria numa nuvem de enxofre e Deus poderia parar de fazer aquela sacanagem com ele.

Confesso: a beleza de uma mulher é a primeira coisa que olho. É a segunda e a terceira, também. Dependendo da mulher, pode ser a quarta. E a última.

Mas a beleza é variada. Quando me perguntam qual o tipo de mulher de que gosto, eu nunca sei responder. Não sei porque essa pergunta não tem resposta. A beleza está em várias coisas: num olho, num olhar, numa boca, na curva das costas, no jeito como ela se senta e cruza as pernas, nas mãos — é, e nos peitos e na bunda também.

Mas sei qual o tipo de mulher me atrai menos: aquela perfeita, em que você não consegue achar um só defeito.

ModiglianiTem coisa menos sexy do que uma mulher perfeita?

Uma mulher perfeita parece feita de plástico, esculpida por um artista de talento. É obra humana, não há nada de divino nela, porque Deus, se existe, sabe das coisas e não se deixa cair nessas armadilhas de perfeição. Sua beleza é tão estrondosa que não deixa espaço para mais nada, sequer para a admiração, quanto mais para aquela sensação de frio na barriga, aumento dos batimentos cardíacos e uma quase incontrolável vontade de pegar.

Mulheres perfeitas reforçam minha crença na beleza, sim, e nada mais. Que bom que elas existem. Mas não é com elas que que sonho à noite. É como se essas mulheres esculpidas em mármore não ofegassem, como se seus cabelos não tivessem perfume, como se sua pele não pudesse ficar marcada pelas minhas mãos.

Olho para uma mulher perfeita como olho para um quadro de Renoir: lindo, maravilhoso, ficaria bem na minha parede. Mas para aquela mulher imperfeita que não gosta de sua bunda, ou se acha acima ou abaixo do peso, os pensamentos são outros; certamente menos nobres — ou talvez mais — que a simples apreciação das Belas Artes.

Mas talvez tudo isso seja só preconceito. Graças a Deus, nunca conheci uma mulher perfeita. Todas elas são deliciosamente imperfeitas: têm nariz arrebitado ou grande demais, seus seios não são exatamente o que elas sonharam, reclamam da celulite e da barriga que não é dura como uma tábua.

Talvez, no fundo, elas saibam que nada disso importa tanto. Talvez saibam que é justamente isso que faz a sua beleza: elas são reais. São de verdade, parecem de verdade. Mulheres imperfeitas são possíveis.

Originalmente publicado em 4 de abril de 2004.

21 thoughts on “Mulheres imperfeitas

  1. Delicioso. Uma homenagem a todas as mulheres possíveis.
    Sabe o que acho de homens bonitos? São maravilhosos pra se olhar. Um verdadeiro colírio. E só. Deusmelivre de namorar homem bonito. Deve dar um trabalho danado.

  2. Se as mesmas mulheres que bradaram contra aquele seu famigerado post não se renderem às verdades contidas neste, é porque realmente criaram por você uma sanha enorme.
    Este texto está irretocável, Rafael. Pessoas perfeitas sempre despertam duas coisas em mim: medo e tédio. Sentimentos suficientemente indigestos para manter-me longe delas.
    Um beijo.

  3. Vc já leu um texto que rola na internet, dito do Jabor, com o mesmo tema desse seu? É ótimo!

  4. Mas então me mate uma curiosidade a respeito do seu gosto: vc não sonha à noite com a Isabel Filardis ou ela tem algum defeito? Qual o defeito dela? E da Zeta jones?
    😛

  5. É isso aí. Mulheres perfeitas não existem, mesmo existindo. A perfeição é tediosa, como bem disse a Patrícia. Quer dizer… seja lá o que for “a perfeição” para cada um. Dependendo do ponto de vista, a perfeição está em ser imperfeita. Enfim…

    🙂 Abraço!

  6. parabéns! texto digno de reprisar mesmo!(mas eu já dei meu lance na cueca. rsrsrsrs 🙂

  7. Tremendo populismo, hein Rafa. devia ter vergonha. E o pior é que as mulheres vão amar. Elas sempre caem nessa, carentes, todas, inseguras, todas, como nós, homens.
    Mas que celulite não é vergonha para ninguém, ah, isso é verdade.
    (-;

  8. Sim, esse post está ótimo – mas Serginho, que história é essa de mulheres todas caírem nessa, inseguras… Mulher esperta fica sempre com um pé atrás, darling.

  9. Rafa,

    Pensei que vc fosse esquecer de comentar os peitões que vc tanta admira….hahahahahhaha.
    Saudades de ti, pesssssssssssssti !!!
    Beijocas

  10. É verdade, somos inseguras, carentes, crédulas, mas desconfiadas. De qualquer forma, amei o texto. Polêmico e divertido.

    abraço, garoto

  11. Tu é um sem-vergonha mesmo,hein? Primeiro é mandado pro inferno dois posts, mas depois dessa vai direto para o céu do imaginário feminino!!hehehe

  12. Cara, vc deveria fazer uma parceria com o Arnaldo Jabor… Ambos são formidaveis!!!
    Na verdade, vc foi mais sublime nesse proposito, Jabor fracassou na tentativa de escrever crônicas afetivas. Adorei a metáfora usada em “obras de artes” para as mulheres perfeitas… Vc arrasou!!

  13. Estou me enganando ou foi somente em 2004 que você se deu conta que mulher de verdade,mesmo imperfeita, era melhor do que boneca inflável ?

  14. É um texto para manter ‘o belo espírito de guerra dos sexos’?
    Ou é uma tentativa de reafirmar o caso das fobias?

    🙂

  15. Estava me sentindo triste com o meu corpo mas esse texto me deixou um pouco melhor
    agradeço as belas palavras do autor !

    =)

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